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Os frutos da conservação e da curiosidade científica

OESP, Vida, p. A18
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
20 de Abr de 2006

Os frutos da conservação e da curiosidade científica

Marcos Sá Correa

Se algum dia você parou para olhar de perto a fotografia de um anuro, provavelmente estava diante de uma Phyllomedusa. É aquele bicho de dorso verde, olhos arregalados e gestos contidos, que parece encomendado pela natureza a um estúdio de desenho animado para acabar com a antipatia dos seres humanos por sapos, rãs e pererecas.

Do Caribe à Argentina, o gênero se espalha pelo continente, multiplicado por mais de 30 espécies. E não é de hoje que uma delas, a Phyllomedusa distincta, passeia de mão em mão entre as crianças que visitam na serra de Santa Catarina a casa de Elza e Germano Wohel, entrevistados nesta semana no programa de Jô Soares. O casal acredita que, aprendendo desde cedo a conviver com esses animais, os brasileiros estarão prontos para fazer as pazes com a floresta tropical quando crescerem.

Outra espécie, a Phyllomedusa oreades, debutou há quatro anos nas páginas das revistas especializadas, ao ser encontrada no cerrado pelo herpetólogo Reuber Brandão, da Universidade de Brasília. Ela é filha de um Brasil que está sumindo. O dos campos limpos e dos rios cristalinos, guardados a mais de 900 metros de altitude nas chapadas no Planalto Central. Como boa Phyllomedusa, ela respira através da pele. E, para manter a superfície cutânea limpa e lubrificada, produz uma secreção cujas propriedades os índios consideravam mágicas e agora nós demos para tratar como tesouro da biopirataria. A oreades, mal saiu do anonimato, consagrou-se como fonte de uma dermaseptina capaz de romper as defesas do Trypanossoma cruzi, o protozoário da doença de Chagas.

A Phyllomedusa oreades pode ser uma farmácia viva, mas está cercada de extinções por todos os lados. E Brandão, que a batizou com nome de ninfa mitológica, tentou na ocasião extrair outros dividendos da P. oreades, na forma de um antídoto contra a destruição do cerrado. Ali, o País literalmente não sabe o que está perdendo.

Para o biólogo, encontrar espécies desconhecidas não chega a ser uma façanha incomum numa paisagem exuberante e pouco estudada. Tão mal estudada, aliás, que só no Distrito Federal há oito anuros atualmente na fila da classificação científica. Feito histórico, segundo Brandão, é o País derrubar todo dia 9 mil hectares desse lugar que ignora. Ele afirma essas coisas com a autoridade de "candango da gema", que está registrando este ano mais um sapo cururu e um lagarto que mimetiza escorpiões. Mas sua campanha não pegou e os brasileiros voltaram a exercer em paz o seu direito de não ouvir falar em Reuber Brandão.

Pena, porque ele poderia ser um santo remédio contra a crise geral do governo. Brandão, doutor em Ecologia para Universidade de Brasília, é analista ambiental do Ibama. Chegou lá por concurso em 2002. Pesquisador, queria pôr as mãos na massa, trabalhando concretamente para a conservação da natureza. Como ele mesmo diz, deu sorte, porque aterrissou sem escalas na equipe de Sérgio Brant, responsável pela implantação das unidades federais de conservação. E acha que não poderia cair em melhor escola de serviço público. E, se há um futuro para a Phyllomedusa oreades, é porque a perereca tem bom gosto e escolheu para morar os melhores endereços do cerrado. Como não poderia deixar de ser, eles ficam no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e no Parque Nacional de Brasília.

Trabalhando no Ibama, Brandão deixou um pé na sala de aula. E acabou achando um atalho entre as duas carreiras. Está às voltas neste momento com os últimos retoques num programa de pesquisas em unidades de conservação e na criação de uma revista científica no Ibama. Deve lançá-los na próxima reunião da Sociedade Brasileiro para o Progresso da Ciência (SBPC), restaurando uma velha simbiose entre a conservação e a curiosidade científica.

Nos últimos anos, as autoridades ambientais deram para falar demais em índios, quilombolas e populações tradicionais nos parques brasileiros. Pareciam não lembrar que, há quase 70 anos, eles nasceram em ninhos chocados por pesquisadores.

Marcos Sá Correa, Jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 20/04/2006, Vida, p. A18

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