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Os embates que incendeiam o país

Valor Econômico, Política, p. A12
Autor: FERNANDES, Maria Cristina
12 de Set de 2024

Os embates que incendeiam o país
Sobram labaredas e falta entendimento sobre a mitigação dos efeitos do aquecimento global

Maria Cristina Fernandes

12/09/2024

O ar está irrespirável e as campanhas eleitorais seguem ignorando a mitigação da poluição. São Paulo, pior ar do mundo, já é apresentado às mágicas de El Salvador contra a violência sem que se discutam propostas de arborização ou a instituição de uma taxa para a circulação de veículos pelo centro para financiar a mitigação dos efeitos do aquecimento global.

Se há condescendência nas campanhas, sobra rigor quando o poder público corre atrás do prejuízo. É o caso, por exemplo, das cobranças sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal contra os incêndios. A implementação de políticas públicas não é função do STF, mas o ministro Flávio Dino agiu mediante provocação (Rede, PT, Psol). O regimento da Corte atribui ao relator do acórdão vencedor a prerrogativa de assegurar seu cumprimento. A reação engloba agronegócio, Congresso e os ministérios convocados às audiências com Dino.

Desde esta terça, porém, mudou o clima das audiências promovidas pelo ministro para agilizar as medidas contra os incêndios. O estarrecimento com a invasão de prerrogativas dos ministros cedeu às evidências de que Dino ocupou um vácuo na coordenação das ações emergenciais. Também cederam às evidências de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim como o fez com as emendas, aprova o protagonismo de Dino sobre uma Amazônia desgovernada pelo atraso.

Se Lula avaliza o acúmulo de prerrogativas de Dino, parece confortável em despir-se das suas. Em entrevista à TV Norte nesta quarta, disse correr o "boato", em Brasília, de que o governador de Roraima, Antonio Denarium, "teria vinculação com essa gente do garimpo".

Agropecuarista, Denarium (nome adotado por significar moeda em latim) está com seu mandato por um fio no Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder econômico. Antes de espalhar o boato, Lula não acionou a Polícia Federal, o ministro da Justiça ou o advogado-geral da União.

Age no atropelo de um governo premido a cumprir compromissos assumidos aqui e alhures sem força para assegurá-los no Congresso. Corre o risco de ter seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas emoldurado pelas chamas do Pantanal e pela fuligem que sufoca a vida nas cidades.

Antes de apontar o dedo para os países mais ricos na COP30, que acontecerá em 2025, em Belém, terá que mostrar sua lição de casa. É um boletim que comporta aplausos e vaias. O desmatamento, em 2023, caiu 62% na Amazônia e cresceu 68% no Cerrado. É nesta região que se espraia o desmatamento legal, abrigado por um Código Florestal permissivo e em conflito com metas de Lula na campanha, na COP27 e na posse.

O objetivo é zerar o desmatamento em 2030. Para isso, o Brasil tem que estabelecer uma meta de corte de emissões para o período 2030-35 a ser entregue às Nações Unidas no fim do ano. A definição desta meta deixou o agronegócio em ponto de fervura.

Na semana passada, interlocutores do setor que mais dialogam com as autoridades ambientais do país tinham uma reunião com a secretária nacional de mudanças do clima, Ana Toni. Como foi chamada ao Palácio do Planalto, a secretária teve que desmarcar a reunião.

Estavam em curso, no Planalto, as tratativas para a nomeação da Autoridade Climática, cargo destinado a alinhar as políticas públicas de todo governo, promessa de campanha à qual o Congresso reagiu. As explicações não acalmaram o setor. Abespinhados, os interlocutores divulgaram uma carta em que despejaram todas as queixas.

Duas delas têm a anuência de ambientalistas e até da própria secretária. Trata-se do inventário dos gases de efeito estufa, que ainda não contabiliza as práticas sustentáveis da agropecuária, e da confecção de cenários para a descarbonização, cuja metodologia, desenvolvida pela UFRJ, é considerada pouco clara.

É a terceira queixa que ainda arde na fogueira das divergências. Para ser convencido a não usufruir da liberalidade do Código Florestal e desmatar legalmente, o agronegócio quer ser compensado. O governo quer se valer de mecanismos como o mercado de crédito de carbono ou o Pagamento de Serviços Ambientais para a compensação. O setor prefere o Orçamento.

Na segunda-feira, sete ambientalistas de entidades como o Observatório do Clima, Instituto Socioambiental e Greenpeace, subscreveram um artigo na "Folha de S.Paulo" que contesta a carta: "Longe de ser uma pobre vítima da crise do clima, o agronegócio brasileiro é responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa do sexto maior emissor de carbono do mundo."

No fim da tarde desta terça-feira, Ana Toni reuniu-se com representantes deste grupo, como Marcello Brito, coordenador do Centro Global Agroambiental da Fundação Dom Cabral, e apararam as arestas, o que não significa que se tenha chegado a um acordo.

O agronegócio tem acumulado prejuízos gigantescos com os incêndios, mas também se opõe ao endurecimento penal para as queimadas. Olha atravessado, inclusive, para as audiências públicas promovidas por Dino no STF. Seus interlocutores mais esclarecidos querem medidas, como a compensação no Orçamento, para segurar os setores que movem a poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária. Um caminho para destravar um acordo poderia surgir se o poder desta frente se movesse para deslocar emendas para essa compensação.

https://valor.globo.com/politica/coluna/os-embates-que-incendeiam-o-pai…

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