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Os desafios de um espaço democrático

O Globo, Amanhã, p. 21
18 de Dez de 2012

Os desafios de um espaço democrático
Fórum Amazônia Sustentável se reuniu pela sexta vez em Belém, mas faltaram representantes de empresas e poder público nas discussões

Amelia Ganzalez
amelia@oglobo.com.br / oglobo.globo.com/blogs/razaosocial/

Há exatos cinco anos, num dezembro quente em Belém do Pará, cerca de cem pessoas passaram três dias juntas em discussões para criar um Fórum permanente, espaço democrático, de controle social, de construção de compromissos de boas práticas empresariais, de proposição de políticas públicas. O foco seria a Amazônia. Dos debates, muitas vezes quentes a detalhes puramente semânticos, nasceu uma Carta Compromisso. E o Fórum ganhou um nome: Fórum Amazônia Sustentável. Eu estava lá, no momento em que empresários, ongueiros e representantes do Estado levantaram seus crachás para cravar, simbolicamente, o marco zero da criação do FAS. Estavam todos muito animados. Na Carta Compromisso, uma série de boas ações, desafios a serem vencidos para cuidar do território amazônico e não permitir que escolhas equivocadas de modelos de desenvolvimento acabem de vez com a floresta.
De lá para cá, o Fórum vem se reunindo anualmente. Personalidades como Al Gore e James Cameron já foram convidadas para ajudar a chamar atenção para a causa. No início deste mês, com o clima tão quente quanto há cinco anos, aconteceu o sexto encontro e também estive lá. Muita coisa mudou, muita coisa continuou. O animador Magnólio Oliveira e as danças típicas paraenses entoadas pelo Grupo Sabor Marajoara na abertura do encontro foram boas recorrências.
No entanto, neste ano, ali não estavam representantes do poder público nem de empresas, pelo menos não com o mesmo peso de quando o Fórum foi criado. Coordenadora executiva do encontro, Adriana Ramos me disse que convites foram feitos e recusados. Por conta disso, o espaço acabou sendo nostalgicamente preenchido por queixas, denúncias, desafios, que só chegarão a pessoas que têm poder e influência para mudar o cenário por conta de um documento escrito no final.
Um dos raros debates que teve condições de réplica e tréplica foi a distribuição equitativa dos benefícios do manejo florestal e da biodiversidade. Eliane Moreira, do Ministério Público do Pará, disse que o uso do conhecimento tradicional pela indústria revela descompasso entre valor e preço. Renata Puchala, da Natura, levou uma lista de desafios que a empresa tem que enfrentar para dar um tom mais justo ao tal descompasso. E Josilene Malheiros, do Grupo de Trabalho Amazônio (GTA), representou a comunidade de Ilha das Cinzas, na Ilha de Marajó: "Esta relação é frágil porque as comunidades não são bem informadas e levam sempre o prejuízo. Não queremos ficar dependendo de empresas, elas não têm que ficar dizendo a melhor forma de nós vivermos". É preciso, portanto, um marco legal para definir com limites claros essa relação.
Este é apenas um dos inúmeros desafios que estão na lista do Fórum. Afinal, estão previstas para os países amazônicos nos próximos anos nada menos do que 153 usinas hidrelétricas e 30% delas impactarão terras indígenas. Segundo o procurador Felicio Pontes, é só pegar o exemplo da hidrelétrica de Tucuruí, em 1984, que causou mudanças econômicas e sociais em várias comunidades próximas à barragem, para ter uma noção do tamanho do problema. No município de Cametá, por exemplo, pescadores calculam que a produção local passou de 4,7 mil toneladas por ano para 200 toneladas de peixes desde que a usina foi construída.
A procuradoria está feliz por ter conseguido levar para o Supremo Tribunal Federal (STF) a questão sobre Belo Monte. Neste caso, um detalhe relevante será julgado no primeiro semestre do ano que vem: os índios devem apenas ser consultados ou serão protagonistas a ponto de dar ou não o consentimento para a construção da hidrelétrica? Mas, será que os índios têm informação suficiente, estão suficientemente unidos e blindados contra os fortes apelos econômicos que podem tentar cooptá-los para uma causa distante da preservação do meio ambiente? Não havia um representante indígena ali no Fórum que pudesse falar por eles. Senti falta.
Afinal, é como disse Rubem Gomes, do GTA, também fundador do Fórum: "Cada pessoa desse país tem que se tornar responsável. Não existe o problema do outro, o problema é nosso. Isso é que é cidadania plena".
Uma bela mensagem para se refletir nesta passagem de ano. Feliz festas para todos.

O Globo, 18/12/2012, Amanhã, p. 21

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