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02 de Set de 2024
'Os bancos do seu país devem parar de enviar dinheiro ao Brasil, de investir no desmatamento', diz cacique Raoni em Londres Liderança indígena passou décadas defendendo a floresta amazônica, que corre o risco de perder mais 590 mil quilômetros quadrados até 2050 02/09/2024 Quando o cacique Raoni Metuktire era jovem, a floresta amazônica era um lugar diferente. "A natureza estava ao nosso redor", diz o líder indígena e ambientalista brasileiro. "Havia muitos animais. Poderíamos fazer longas viagens, viajar por todo o país. Não havia nada que nos impedisse. A floresta era grande." Mais de meio século depois, um quinto dessa floresta foi perdido. Áreas que antes eram remotas e intocadas estão agora cortadas por estradas e fazendas, e as terras ocupadas pelo povo de Raoni são muito menores. Desde que a NASA começou a rastrear a Amazônia com satélites, em 1972, houve uma "transformação radical nas fronteiras sul e leste", diz Douglas Morton, cientista do sistema terrestre no Goddard Space Flight Center da NASA. "As pessoas já não desmatam 10 hectares de cada vez. Estão desmatando 10 mil hectares num fim de semana, com tratores." A situação difícil da Amazônia deu o tom para a vida notável de Raoni, que o levou para fora de seu estado natal Mato Grosso, no centro do país, e para todo o mundo para conhecer presidentes, celebridades e líderes empresariais. Raoni trabalhou com Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil no final dos anos 1950, e foi tema de um documentário de 1978 narrado por Marlon Brando. Em 1989, ele montou uma campanha global contra o desmatamento com a estrela pop Sting, que chamou a atenção para a causa e levou o governo brasileiro a reconhecer o território indígena Menkragnoti - milhões de hectares de floresta tropical que inclui a casa de Raoni. Agora, na casa dos 90 anos, Raoni ainda viaja pelo mundo, incluindo uma visita ao escritório da Bloomberg em Londres, onde conversou com Bloomberg Green antes de seguir para o Festival de Glastonbury. Cercado por familiares e associados que traduziram a conversa para sua língua nativa, o cacique usa um cocar e um disco ornamental no lábio - formando uma figura impressionante em meio aos ternos e ao concreto da Square Mile de Londres. Há muito ignorados ou perseguidos, os povos indígenas estão cada vez mais envolvidos nas discussões globais sobre a Amazónia, onde vivem cerca de 1,5 milhão deles. As florestas mundiais também ascenderam ao topo da agenda climática. Em 2022, 195 nações concordaram em proteger e restaurar pelo menos 30% da terra e da água do planeta até 2030. Prevê-se que o desflorestamento seja um tema importante na conferência climática COP30 do próximo ano, organizada pelas Nações Unidas no Brasil. Com essa atenção, e mais consciência pública, houve algum progresso. Por volta de 2005, o ritmo de desmatamento na Amazônia desacelerou de cerca de 20 mil quilômetros quadrados por ano para 5 mil. Aumentou novamente durante a presidência de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, mas caiu para menos de 10 mil quilômetros quadrados em 2023, quando o sucessor de Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, reforçou a fiscalização. "Gostaria de pensar que estamos caminhando na direção certa a longo prazo", afirma Michael Coe, cientista sênior do Woodwell Climate Research Center. Mas a ameaça à floresta tropical também está acentuada pelo aquecimento global. Graças a uma combinação de desmatamento, alterações no uso do solo e alterações climáticas, o sul da Amazônia é hoje 1oC a 2oC mais quente do que era há 40 anos, de acordo com Coe. Aproximadamente 5% da Amazônia não é mais adequada para florestas tropicais e está se transformando em outras paisagens, como savanas ou florestas mais secas. "O clima ideal para a floresta tropical está diminuindo", diz Coe. "Quero que a floresta seja preservada para diminuir o calor da Terra, [e assim] tenhamos um bom ar para respirar", diz Raoni. "Precisamos de sombra. É isso que venho dizendo, mas ninguém me escuta e desmataram florestas em todas as nossas terras", complementa. Se as tendências atuais se mantiverem, outros 590 mil quilômetros quadrados da Amazónia - uma área maior que a França - serão perdidos até 2050, de acordo com o World Resources Institute. Isso também deixaria a floresta produzindo emissões de gases de efeito estufa cinco vezes superiores aos níveis estabelecidos nas metas climáticas do Brasil. O desmatamento aumentou em 2019, mas caiu novamente desde então. Esses impactos são sentidos de forma desproporcional pelos povos indígenas, que dependem dos ecossistemas danificados pelo desmatamento e não se beneficiam de sua atividade econômica. "A riqueza não é partilhada localmente. A região amazônica está entre as áreas mais pobres e desassistidas do Brasil", afirma Cristiane Fontes, Diretora Executiva do WRI Brasil. Uma floresta tropical saudável evapora uma enorme quantidade de água, o que acrescenta resfriamento e irrigação a grande parte das Américas. Também atua como um gigantesco sumidouro de carbono, diminuindo a taxa de aquecimento global. Perder isso teria enormes consequências para os padrões climáticos globais e tornaria impossível alcançar as metas climáticas. "Não é apenas o Acordo de Paris que está ameaçado pela degradação de florestas tropicais como a Amazônia", diz Fontes. "É a vida humana." Há evidências de que os povos indígenas estão defendendo com sucesso algumas das partes da Amazônia mais ricas em carbono, protegendo a terra do desenvolvimento e impedindo a entrada de intrusos. Mas Raoni diz ter notado secas, altas temperaturas e mudanças nos padrões de chuvas. "Os bancos do seu país aqui devem parar de enviar dinheiro para o Brasil, de investir no desmatamento. Devemos conversar juntos e cuidar do que resta da floresta, não apenas para o nosso bem, mas para o bem dos brancos e de todos", alega o cacique. Mesmo se aproximando dos 100 anos, Raoni não hesita em viajar milhares de quilômetros para lutar por sua terra natal. Sua habilidade com defesa de direitos remonta à década de 1950, quando tinha 20 e poucos anos e conheceu alguém de fora de sua comunidade. Os irmãos Villas Boas, ativistas brasileiros e defensores dos povos indígenas do país, foram à sua aldeia e rapidamente se uniram. Claudio Villas Boas foi "o homem que realmente me ensinou sobre os brancos e a maneira como eles pensam", diz Raoni. "Então agora posso defender a floresta e agir como ajo", finaliza. https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/09/02/os-bancos-do-seu-pai…
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