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Organizações sociais pedem respeito aos indígenas

CIR-Boa Vista-RR
26 de Jun de 2003

Uma carta subscrita por organizações sociais e religiosas que atuam em Roraima foi entregue ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, quando ele e sua comitiva visitaram a terra indígena Raposa Serra do Sol, no dia 11 de junho. A iniciativa partiu da campanha "Nós Existimos", que anexou ao documento 9.557 assinaturas de um abaixo-assinado que pede respeito aos indígenas, agricultores e excluídos da periferia urbana.

A entrega da carta destinada ao presidente Lula foi recebida pelo ministro da Justiça das mãos de Arnô Pereira de Sá, diretor estadual do Sindicato dos Servidores Públicos Federais - Sindsep-rr e da Central Única dos Trabalhadores - CUT. Em nome dos agricultores familiares, Maria Lucinéia de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Mucajaí, manifestou a solidariedade dos campesinos aos povos indígenas.

A campanha "Nos Existimos", lançada no 3o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, é um movimento que reúne excluídos urbanos, indígenas e rurais de Roraima em busca de alternativas para os desafios comuns que enfrentam. Ela é promovida pela Diocese de Roraima, Conselho Indígena, Comissão Pastoral da Terra, Central Única dos Trabalhadores, Conselho Indigenista Missionário e Centro de Defesa dos Direitos Humanos.

Representantes das organizações sociais que promovem a campanha participaram da audiência pública com o Ministro da Justiça, organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB-RR, no dia 12 de junho, em Boa Vista. O bispo dom Apparecido Dias lembrou que a atuação da igreja de Roraima pretende promover a dignidade de indígena e não-indígenas.

Andréa Freitas, secretária geral da CUT/RR, disse ao governador Flamarion Portela que não são os indígenas que impedem o desenvolvimento de Roraima, como é constantemente repetido pelas oligarquias regionais. "A corrupção, por exemplo, a 'Folha dos Gafanhotos', que está sendo investigada pelo Ministério Público e, segundo denúncia, desviou dos cofres públicos R$ 7 milhões, em apenas seis meses [esta sim], é empecilho ao desenvolvimento", argumentou a sindicalista.

Além da coleta de assinaturas, a campanha está promovendo intercâmbios de solidariedade entre os índios, agricultores e trabalhadores urbanos. Três encontros já foram realizados neste ano e outros três acontecem no segundo semestre.

Campanha Nós Existimos
26 de junho 2003

Íntegra da carta:

Maturuca - RR, 11 de junho de 2003..

Exmo

Luíz Inácio Lula da Silva
Presidente da República

C/C

Exmo

Márcio Thomaz Bastos
Ministro de Estado da Justiça

Presidente,

Nós trabalhadores rurais, urbanos e indígenas do estado de Roraima, nos dirigimos a Vossa Excelência para destacar que o presidente da Republica deve ser o primeiro a respeitar os direitos dos povos indígenas, habitantes ancestrais do chão onde todos nós pisamos. A história é testemunha que o sangue de muitos indígenas foi derramado em cada quilômetro quadrado deste imenso país.

Estamos acompanhando, atentamente, toda a movimentação dos inimigos dos povos indígenas de Roraima que atuam, incansavelmente, para que não seja homologada a terra indígena Raposa Serra do Sol, nos termos da portaria 820/98-MJ, ou seja, em área contínua. Sabemos que essa terra indígena se tornou caso emblemático da política indigenista oficial, pois seu processo de reconhecimento arrasta-se por quase trinta anos.

A atuação dos inimigos dos povos indígenas chegou a ponto de o Estado de Roraima ter entrado com um Mandato de Segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça, pedindo a anulação da portaria ministerial no 820/98. Numa demonstração de cumprimento da Lei, o STJ rejeitou a ação sem julgamento do mérito e mandou extinguir o processo.

Nos preocupa a aproximação dos inimigos dos povos indígenas ao Governo Federal. Existem suspeitas muito fortes de que os direitos dos povos indígenas poderiam estar sendo objeto de negociações políticas, em nome de um suposto desenvolvimento regional que, na visão da classe política local, considera o modo de vida dos indígenas como sendo um atraso econômico, um obstáculo ao progresso e uma ameaça à segurança nacional.

Sabemos que não existem cidades no interior da Raposa Serra do Sol, mas "corrutelas" que servem apenas para a venda e consumo de bebida alcoólica e apoio à garimpagem ilegal na terra indígena. Numa visão completamente equivocada a classe política local, associada a interesses de latifundiários e de mineradoras, que defende essas tais "corrutelas" são essenciais ao desenvolvimento estadual. Essas mesmas pessoas, enquanto negam os direitos dos índios, querem oferecer incentivos fiscais à multinacional Mitsubishi para plantar soja nos lavrados de Roraima e a um grupo suíço - canadense para plantar acácia e produzir celulose no estado.

A demora no reconhecimento definitivo da terra aos povos macuxi, wapichana, ingarikó, taurepang e patamona está gerando uma escalada de violência contra as comunidades da Raposa Serra do Sol, por exemplo, a execução do índio macuxi Aldo da Silva Mota, com um tiro no peito, enquanto estava com os dois braços levantados. O crime ocorreu na primeira semana do Vosso governo. Essa indefinição na homologação favorece a reinvasão da área por garimpeiros, após um período de mais de cinco anos em que a terra indígena esteve praticamente livre dessa atividade ilegal.

Nós, trabalhadores urbanos, rurais e indígenas, junto as nossas organizações representativas e pastorais sociais da Diocese de Roraima, temos uma visão completamente diferente daquela apresentada pelos políticos locais, pois os mesmos não defendem os interesses dos menos favorecidos, mas aos seus próprios interesses. Estamos construindo uma grande aliança entre os excluídos para, juntos, promovermos um desenvolvimento sustentável para o nosso estado.O nosso desejo é que o futuro deste estado seja de relações harmoniosas e onde haja espaço para todos, e principalmente sejam respeitados todos direitos, especialmente, o direito à diversidade.

Sabendo da Vossa sensibilidade pessoal ao sofrimento dos povos indígenas e de todo o governo aos problemas sociais do país, pedimos a homologação da Raposa Serra do Sol, como um gesto emblemático e inconteste perante a opinião pública nacional e internacional de que o Brasil respeita os seus indígenas, sobretudo no direito a terra, garantido pela Constituição Brasileira e pela a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é um país signatário.

Atenciosamente,

Dom Apparecido José Dias
Bispo de Roraima

Andréa Freitas de Vasconcelos
Secretária Geral da CUT/RR

Ralf Alberto Weinssestein
Coordenador da CPT/RR

Paulo Lopes Pereira
Presidente do STR/Caracaraí

Maria Lucinéia Azevedo de Souza
Presidente do STR/Mucajaí

Lúcia Glória Alencar de Magalhães
Presidente do Sindicato dos Bancários

Pe. Thomaz Morrison
Coordenador da Pastoral Urbana

Ir. Édna Pitarelli
Coordenação da Pastoral Indigenista

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