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Organização indigenista se defende de acusações da FUNASA

Amazônia.org.br-São Paulo-SP
15 de Jun de 2004

O Conselho Indigenista do Vale do Javari (CIVAJA) rebateu as acusações de irregularidades divulgadas pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde) em nota de esclarecimento noticiada pelo Jornal Nacional em primeiro de junho. O CIVAJA responsabilizou a Fundação pelo não-fornecimento de apoio técnico a seus conveniados e culpou-a por tentar transferir a responsabilidade pela gestão das políticas de saúde indígena para a região do Vale do Javari.

Na nota, são acusadas sete organizações não-governamentais com as quais a instituição mantinha parcerias para a prestação de assistência médica às comunidades indígenas. As irregularidades foram detectadas, de acordo com a Fundação, em uma série de auditorias preventivas, realizadas em 2003 nas entidades parceiras. Apesar de não dispor de condições ou instrumentos legais que permitam a atuação direta para evitar as conseqüências da descontinuidade dessa assistência médica, a Funasa decidiu adotar procedimentos administrativos mais rigorosos, incluindo a não-renovação destes convênios.

A Funasa declarou ainda que o convênio com o CIVAJA não deverá ser renovado, uma vez que já há um termo de ajustamento de conduta na área do DSEI (Distrito Sanitário Especiai Indígena) da região, que não está sendo cumprido.

O CIVAJA se defendeu, alegando problemas de gestão e relação com a Funasa, como a falta de treinamento e capacitação da equipe, a imposição de condutas e cobranças e não-cumprimento e o descaso por parte da instituição com as responsabilidades previstas no termo de ajustamento de conduta.

A denúncia se torna ainda mais grave ao analisar as conseqüências da suspensão do atendimento médico na área de atuação da CIVAJA - o Vale do Javari, no Amazonas. Uma epidemia de hepatite devasta a área e, de acordo com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, pode dizimar, em até 20 anos, a população da segunda maior reserva indígena do país.

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A verdadeira situação do DSEI do Vale do Javari

Face às informações veiculadas no Jornal Nacional da TV GLOBO, no dia 01/06/2004 e no Site da FUNASA, o Conselho Indígena do Vale do Javarí-CIVAJA vem, a Público, desmentir as acusações apresentadas e as informações errôneas, no tocante a Execução das Ações de Saúde, assumidas pelo CIVAJA em "parceria com a FUNASA" e que trouxeram enormes prejuízos ao Movimento Indígena do Vale do Javari. Desapontado com tais acusações, ainda mais proveniente de uma instituição que se diz parceira, o CIVAJA faz questão de apresentar a sua versão dos fatos, demonstrando inclusive a outra faceta da historia que não se fala, mas que o povo sente. A má-fé revelada do órgão gestor no trato da saúde indígena do Javari.

Histórico da saúde no Vale do Javari

Com os graves problemas de saúde sofridos pelos povos indígenas do Javari entre os anos 70 a 90, desde a chegada da FUNAI, bem como a constante invasão por empresas madeireiras na área, iniciou-se um forte movimento das lideranças indígenas locais que criaram o Conselho Indígena do Vale do Javari-CIVAJA, tendo com principal bandeira de luta a demarcação da Terra Indígena do Javari, além de mobilizar junto com outras organizações da Amazônia, o Governo Federal para garantir melhor assistência de saúde indígena e o reconhecimento de seus direitos garantidos na Constituição Federal de 1988.

O grave surto de cólera que se alastrou na região do Alto Solimões (em 1993) e a epidemia de malária (em 1994) nas aldeias indígenas do Vale do Javarí e que causou 37 óbitos, bem como a total falta de assistência, fez com que o CIVAJA buscasse alternativas, por conta própria, que proporcionassem uma atenção básica de saúde nessas comunidades. Firmou então em 1994 um convênio de parceria com a entidade Médicos Sem Fronteira da Holanda, tendo como metas o atendimento emergencial de saúde em todas as comunidades indígenas, formação e capacitação dos próprios indígenas para o atendimento básico em suas comunidades; os chamados Agentes Indígenas de Saúde-AIS.

Neste período, a antiga FNS tomava conta da saúde do índio de uma forma fragmentada, pois atendia as ações preventivas, enquanto que e a FUNAI dava a assistência curativa. Tal política de saúde não deu certo na região e em maio de 1999, a FUNASA assumiu toda responsabilidade do atendimento à saúde das populações indígenas, através de um novo modelo de assistência que concretizou com a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas-DSEI´s.

Durante o período de maio a setembro de 1999, a população indígena da região passou por mais uma grave crise, com outra epidemia de malária em todo o Vale do Javari, enquanto a FUNASA estava articulando a possibilidade de firmar parceria junto às organizações não-governamentais, em âmbito nacional, para assumirem a execução da saúde indígena por meios de convênios.

Expectativas criadas com o DSEI

O CIVAJA firmou Convênio com a FUNASA no dia 11 de Outubro de 1999, na perspectiva de colaborar com o Governo para garantir aos povos indígenas do Vale do Javari uma real assistência à saúde, tendo finalmente condições de respeitar a realidade especifica de cada calha de rio, de cada povo, reconhecendo a diversidade cultural, a língua e as diferenças de grau de contato dos índios com a sociedade regional. Este engajamento e forma totalmente nova de atuação foram assumidos pelo CIVAJA, mediante a promessa de uma efetiva relação de parceria e com a garantia de se fortalecer institucionalmente, com o devido apoio técnico e toda a assessoria necessária, incluindo a capacitação técnica e administrativa de sua própria equipe.

Esperava-se também poder viabilizar estruturas nas comunidades indígenas, com a construção de pólos bases, postos de saúde com os equipamentos e materiais de consumos necessários, principalmente remédios, além da capacitação constante dos AIS e microscopistas, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo realizado desde 1994 com o apoio da organização internacional Médicos Sem Fronteira-MSF.

A intenção do CIVAJA era de evitar que instituições governamentais ou não-governamentais desconhecidas assumissem o referido programa, sem o mínimo conhecimento do Movimento Indígena e da realidade da área, ou mesmo tendo demonstrado posicionamentos claramente antiindígena, como é o caso da Prefeitura de Atalaia do Norte; já que políticos locais fazem uso de sua influência na tentativa de assumir o Convênio da saúde indígena. Contudo, em 2001, o Ministério da Saúde firmou convênio com a Prefeitura de Atalaia do Norte para o repasse de recursos destinados à contratação complementar de profissionais de saúde para o DSEI Javarí.

Para assumir o DSEI, o CIVAJA contava com a experiência acumulada na criação e consolidação do Movimento Indígena do Vale do Javari desde 1990, com o desenvolvimento de projetos executados com o apoio de organizações governamentais e não governamentais nacionais e internacionais, e que estavam dando resultados. As ações foram desenvolvidas em vários campos de atuação, tais como: Projetos de Acompanhamento e Consolidação da Demarcação da Terra Indígena, de Fiscalização e de Capacitação (Programa de Proteção as Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal-PPTAL); Projeto de Articulação e apoio Institucional (Terre des Hommes/Suiça); Projeto de Implantação de Rede de Rádio-fonia (Comissão Européia, via Amigos da Terra); Programa de Saúde e Capacitação de Agentes Indígenas de Saúde, bem como a construção da Casa de Saúde Indígena-CASAI em Atalaia do Norte (Médicos sem Fronteira); Projeto de Diagnóstico de Alternativas Econômicas (Centro de Trabalho Amazônico-CTA, através do Ministério do Meio Ambiente), entre outros.

Mas nenhum desses programas podia se comparar em volume de trabalho e complexidade como o convênio firmado com a FUNASA, sobretudo por se tratar de uma iniciativa nova e cuja consolidação aconteceria no decorrer do desenvolvimento dos trabalhos. Nem a própria FUNASA tinha claro, em como organizar os serviços, solucionar os inúmeros problemas burocráticos e administrativos (Inadequação do instrumento jurídico na forma de convênio, contratação de pessoal, prestação de contas, questões trabalhistas, etc.), logística e a realização dos programas em campo.

A realidade do DSEI Javari

Contrariamente a tudo que se esperava, a realidade demonstrou ser bem diferente. Não houve a orientação, capacitação e supervisão necessária por parte da FUNASA ao longo de todo esses anos. O CIVAJA teve que assumir, por conta própria, a execução das ações de saúde em conformidade com o plano de trabalho, tentando aplicar a experiência tida na gestão de outros projetos. Contudo, as exigências de gerenciamentos de recursos federais são outras e o CIVAJA se confrontou com os meandros da burocracia e a lentidão dos processos administrativas e contábeis.

A idéia que se tinha inicialmente da chefia do Distrito, como uma instância de apoio, de assessoria comprometida com a saúde indígena do Javari, como ocorria com os nossos parceiros tradicionais, foi mudando rapidamente quando a mesma passou a assumir uma postura de cobrança, de imposição ou de mudanças constantes de normas e práticas. Isto foi tornando o processo de gestão cada vez mais complexo, quando a aplicação de tais mudanças era simplesmente inviável para a realidade dos trabalhos ou pela especificidade da região do Vale do Javarí (dificuldade em obter notas fiscais, sendo a maioria dos estabelecimentos comerciais não legalizados; problemas sérios de comunicação; Agência bancária do Banco do Brasil somente em Tabatinga, dificuldade de aquisição de materiais de consumo, etc.).

Ficou cada vez mais nítida a degradação da relação entre a FUNASA e o CIVAJA por conta de uma série de problemas que identificamos a seguir:

o A inadequação do formato do Convênio de Parceria entre a FUNASA e o CIVAJA, bem como da própria política sustentada, no sentido de aditivar os convênios, ano após ano; em vez de proceder a sua renovação. Isto demonstra a total falta de planejamento, em termos de continuidade das ações de saúde, e que trouxe sérios prejuízos para o CIVAJA, com a demora nos trâmites burocráticos e administrativos que emperraram a aprovação dos novos planos de trabalho e a liberação dos recursos destinados a sua execução;

o Na tentativa de superar os problemas jurídicos oriundos dessa inadequação, a FUNASA tentou impor, no primeiro semestre de 2003, de modo extremamente inconseqüente, a transformação das organizações indígenas em Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público-OSCIP, contradizendo a própria Constituição Federal, no tocante ao reconhecimento da diversidade cultural e a especificidade da realidade indígena, uma vez que as mesmas não possuíam, na maioria dos casos, as condições estruturais e institucionais para tal. Essa proposta, mais uma vez, foi imposta e sem nenhum diálogo franco com as organizações, sendo fortemente rechaçada pelas mesmas;

o A falta de planejamento da FUNASA, em seus diversos níveis de atuação, complicou a gestão de trabalho do CIVAJA, chamando as lideranças para encontros em Brasília ou Manaus de última hora, mudando constantemente de programação, solicitando inúmeras vezes documentos que haviam sido extraviados nos meandros da burocracia (por exemplo, foi encontrada, por lideranças do CIVAJA, numa caixa de lixo ao lado do escritório do diretor do DESAI em Brasília, a prestação de conta do CIVAJA que diziam não ter recebido e cobravam insistentemente da conveniada);

o Ocorreram, com freqüência, posicionamentos e decisões contraditórias oriundas do Departamento de Saúde Indígena-DESAI de Brasília, da Coordenação Regional do Amazonas-CORE/AM ou da chefia do Distrito, deixando a Coordenação do CIVAJA confusa e sem saber o que fazer. A vinda de técnicos e consultores de Brasília e de Manaus para solucionar os problemas, não se dava no sentido de somar com a equipe do CIVAJA, sendo comum que a equipe de coordenação não fosse nem contatada, dando preferência às informações levantadas apenas na sede da FUNASA local, ou oriundas de terceiros;

o Ocorreu o mesmo com os auditores da FUNASA que se apresentaram na sede do CIVAJA em setembro de 2002 (Sr. Antonio Rodrigues Melo - Assistente de Administração; Josemar Cavalcante da Silva - Auxiliar de Administração) e cujo trabalho resultou num relatório de acompanhamento. Na ocasião, os mesmos não permaneceram em Atalaia do Norte para realizar o trabalho de auditoria na sede do CIVAJA, solicitando a remessa de todas as documentações para Tabatinga (distante aproximadamente 100 Km) referentes às prestações de contas dos Convênios No 322/99, No 014/01 e No 043/02. Demonstraram ainda total desinteresse em entender os trabalhos e a realidade local, assim como escutar possíveis explicações da conveniada às duvidas ou questionamentos que poderiam surgir na conferência dos documentos. Tampouco se dispuseram em colaborar ou orientar a equipe do CIVAJA, no sentido de adequar a gestão administrativa do Convênio ou em considerar as justificativas posteriores apresentadas pelo CIVAJA; em relação às recomendações oriundas do relatório de auditoria. Isto prejudicou o CIVAJA na aprovação de suas posteriores prestações de contas, até conseguir adequar-se em agosto de 2003 às normas vigentes;

o O projeto VIGISUS assumiu atividades, até então, inseridas no Plano de trabalho, tais como: capacitação dos AIS, controle social e equipamentos. Infelizmente, os recursos liberados pelo VIGISUS contemplaram a penas algumas das atividades programadas. Com isto, ocorreram inúmeros transtornos com o deslocamento de lideranças indígenas do Javari, Conselheiros e AIS para participarem de encontros do Conselho Distrital ou capacitações, os quais saiam de suas aldeias por conta própria, viajando dias, rios a baixo para chegar em Atalaia do Norte; não sendo devidamente ressarcidos pela FUNASA local em suas despesas de gasolina ou de viagem, tendo em algumas circunstâncias que esperar dias para poderem receber o que de direito para retornar à suas aldeias;

o Tornou-se comum à manipulação de lideranças pela FUNASA, na assinatura de documentos ou na tomada de decisões, sem que as questões fossem devidamente discutidas com quem de direito, ou que se dessem o trabalho de garantir a plena compreensão do conteúdo dos mesmos, fragilizando assim a posição do CIVAJA;

o A total falta de respeito pelos assessores da FUNASA para com as deliberações do Conselho Distrital. A exemplo disso, modificaram completamente o Plano Distrital elaborado e devidamente aprovado pelos Conselheiros Distritais na ocasião das três últimas reuniões desse Conselho (dezembro 2003, janeiro e março 2004).Tendo isto ocorrido à revelia dos Conselheiros;

o As indicações apresentadas pelo CIVAJA para o cargo de Chefia do DSEI nunca foram atendidas. Mas, contraditoriamente a isto, favorece-se a indicação de pessoas atendendo interesses políticos escusos, como acontece no Amazonas com a Coordenação Regional da FUNASA ou ainda com o cargo de Chefia do DSEI/Javarí, sem que sejam consideradas às competências ou os conhecimentos necessários nos campos da saúde ou da realidade indígena, dificultando ainda mais o papel da FUNASA local;

o A FUNASA regional adquiriu no final de 2003, 04 (quatro) barcos novos de 12 (doze) metros com casco de ferro e motores de 22 HP, que seriam destinados ao atendimento de saúde no DSEI. Ato louvável, não fosse o fato dos mesmos encontrarem-se paralisados, desde então, no cais de Atalaia do Norte por motivo de problemas mecânicos insignificantes, mas que, por conta da burocracia, não foram até hoje solucionados. Até a proposta do CIVAJA em colaborar na resolução desse problema não foi aceita pela FUNASA;

o Inúmeros problemas vêm sendo enfrentados na Casa de Saúde Indígena-CASAI, por conta da reforma necessária que até o momento não foi contemplada, tal como a construção do muro para evitar o trânsito de pessoas estranhas no referido local; as malocas; o sistema de abastecimento de água; a ampliação da farmácia; forro; cozinha, etc... Além disso, a ausência de chefia da mesma vem fazendo com que as mínimas rotinas de trabalho não sejam aplicadas;

o Para a realização do projeto de implantação de sistema de abastecimento de água em 04 pólo-bases, foi firmado um convênio com a FUNASA (No 943/01) e realizado o devido processo licitatório com a contratação final da empresa SANAGUAS - Tecnologia, Saneamento e Abastecimento-LTDA, para a execução das obras. Infelizmente, esta empresa não executou devidamente o projeto, e o CIVAJA não obteve o apoio técnico nem jurídico solicitado à FUNASA, em diversas ocasiões, provocando a paralisação do projeto em detrimento à saúde da população;

o O 9o Termo Aditivo ao Convênio No 43/2002, tendo por objeto suplementar recursos financeiros ao convênio original e garantir a continuidade das ações do sistema de assistência à saúde da população indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena, no âmbito do DSEI Vale do Javari, foi publicado oficialmente pela FUNASA no Diário Oficial da União sem o conhecimento e o consentimento da coordenação do CIVAJA, revelando mais uma vez, a total falta de respeito para com o parceiro e o modo autoritário da gestão da saúde indígena;

o No recurso do Ministério da Saúde repassados à Prefeitura de Atalaia do Norte, através do Programa Saúde da Família - PSF-I, ocorrem irregularidades. Apenas parte dos profissionais que deveriam ter sido contratados, através deste convênio, foram para o atendimento da saúde indígena, sendo que os outros permaneceram a serviço exclusivo da Prefeitura. Além disso, nem todos os saldos existentes com a não contratação de profissionais foram alocados para a saúde indígena. Tampouco, houve fiscalização e prestação de contas para a FUNASA da aplicação desses recursos.

Tantos problemas na gestão e relação entre FUNASA e CIVAJA não poderia ter tido outra conseqüência que a degradação da situação de saúde dos índios do Javari. A exemplo disso, é preciso citar o aumento da malária e a grave epidemia de Hepatite que tomaram conta da área. Em relação à Hepatite B, o controle é exercido através da vacinação, cuja prática vem ocorrendo sem o devido planejamento, apenas através de campanhas emergenciais realizadas de última hora, sem conseguir garantir uma cobertura vacinal e assistencial como previsto no Plano de Metas do Plano Distrital, revelando mais uma vez a extrema fragilidade da atenção básica a saúde dos índios do Javari.
Foi exatamente diante de tal lacuna que o Departamento de Índios Isolados da FUNAI resolveu organizar a "Expedição Imagem do Javari" em maio 2004, incluindo o deslocamento de uma equipe de saúde, mas que foi suspensa em decorrência da uma ação judicial promovida pela FUNASA.

Solicitação de intervenção junto ao Ministério Público Federal do Amazonas

O atraso na aprovação das prestações de contas do CIVAJA, malgrado o envio de vários ofícios tentando responder ás dúvidas do setor de prestação de conta do DESAI, fez com que o CIVAJA ficasse sem recursos, sem possibilidade de pagar fornecedores e funcionários, e fazendo com que as ações ficassem praticamente paralisadas no período de abril a setembro de 2003.

Após inúmeras tentativas junto à FUNASA, no sentido de normalizar a situação, o CIVAJA, preocupado com a vida dos índios da região, encaminhou no dia 22 de julho de 2003, uma Representação ao Ministério Público Federal do Estado do Amazonas, solicitando uma intervenção imediata do mesmo junto ao órgão gestor, afim de que todas as providências necessárias sejam tomadas para agilizar a retomada das ações de saúde no Vale do Javarí.

Em decorrência desta representação, o Ministério Público Federal encaminhou então "Uma Ação Civil Pública contra a União Federal e a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA" (Processo No 2003.32.00.004691-0 classe 7.100) junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em 28/07/03, publicou a decisão determinando que as ações básicas de saúde no Vale do Javarí fossem retomadas num prazo de 15 (quinze) dias, além de outras medidas que possam garantir a boa gestão do convênio.

Foi então firmado em 21/08/03, pela Fundação Nacional de Saúde, na pessoa do Diretor do DESAI, senhor Ricardo Luiz Chagas, um "Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta" perante o Ministério Público Federal, no qual compromete-se a executar todas as metas do Plano de Saúde, além de implementar medidas adequadas de gestão do Dsei Javarí e de articulação com o CIVAJA, devendo apresentar relatórios regulares dos encaminhamentos realizados e comprometendo-se em designar funcionários para a co-gestão e fiscalização do convênio celebrado com o CIVAJA.

Contudo, vários dos compromissos firmados neste Termo de Conduta, não foram, até o presente momento, cumpridos pela FUNASA.

Uma Estranha relação de parceria

A nossa indignação é maior ainda, pelo fato de que o objeto da denúncia contra o CIVAJA veiculado nos meios de comunicação se refere justamente a este Termo de Conduta que foi assinado pela própria FUNASA, perante o Ministério Público, sendo que a cobrança dessa responsabilidade recaiu indevidamente sobre o CIVAJA.

É necessário relembrar aqui, que a responsabilidade última em relação à saúde é do Governo Federal e suas instâncias executoras, no caso o Ministério da Saúde e a FUNASA.
Esta responsabilidade foi claramente reiterada com a Portaria Ministerial No 070 de janeiro de 2004, na qual define o papel do órgão gestor da saúde indígena, momento a partir do qual a FUNASA vem tentando preparar-se para a execução direta das ações de saúde no âmbito dos DSEI´s.

Além disso, em abril de 2004 o CIVAJA e a chefia do DSEI/Javarí firmaram um documento onde são definidas as responsabilidades da execução das ações pela sede local da FUNASA, com o apoio do CIVAJA na recontratação de funcionários no prazo de 03 (três) meses, período após o qual o referido órgão assumiria a totalidade das ações de saúde, conforme a Portaria Ministerial No 070.

Infelizmente, a FUNASA tem demonstrado incapacidade na execução da saúde indígena na região, fazendo com que, nos últimos meses, não seja executada a maioria das ações previstas no Plano de Trabalho, sendo realizadas apenas remoções emergenciais. Ficou evidente que, a partir desse novo formato de co-gestão, a equipe de Coordenação do CIVAJA não possui qualquer poder de decisão sobre os funcionários que contrata nem sobre as ações realizadas em campo, e que a chefia do DSEI centralizou absolutamente todo o poder, passando inclusive por cima de decisões acordadas com o CIVAJA ou com lideranças da área. A exemplo disso, funcionários que deveriam ter sido demitidos por motivos devidamente justificados, não o foram; ou ainda quando houve manipulação por parte dos responsáveis locais da FUNASA, no sentido de impedir a participação da gerente administrativa do CIVAJA no encontro de pactuação realizado em Brasília em março 2004. Por conta de tantas incoerências, nos encontramos diante de uma situação absurda em que a maioria dos profissionais, tanto da equipe multidisciplinar, quanto os de nível médio, encontram-se há semanas ociosos na cidade de Atalaia do Norte.

Em conclusão

Quando o CIVAJA assumiu o convênio com a FUNASA, fez-o no intuito de colaborar com o Governo Federal, diante da impossibilidade reconhecida pelo mesmo de assumir a execução das ações de saúde por falta de condições e experiência no trato da questão indígena. O CIVAJA, assim como outras organizações não-governamentais, entrou nesse jogo esperando, por parte da FUNASA, um real compromisso com a saúde indígena e um efetivo apoio em relação à gestão dos convênios, conforme largamente prometido na implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

Nada disso foi feito, como foi aqui demonstrado, sendo que o preço pago pelo CIVAJA foi alto, inclusive por perder a sua credibilidade na região, fragilizando sua relação com as comunidades, relegando a sua ação política e o seu papel de controle social num segundo plano face ao desgaste causado com a gestão do DSEI, além de prejudicar a sua relação com outros parceiros tradicionais.

Diante de toda esta situação, e em virtude das novas definições políticas da FUNASA, o Conselho Indígena do Vale do Javari-CIVAJA:

o Anuncia em caráter oficial, que não renovará mais qualquer convênio com a FUNASA em vista da execução das ações de saúde ou a contratação de profissionais no âmbito do DSEI/Javari, após o encerramento das pendências assumidas no Convênio No 043/02;

o Compromete-se ainda em entregar devidamente o patrimônio em uso e colaborar da melhor forma possível para que este repasse não acarreta qualquer prejuízo para os índios do Javari;

o Reafirma ainda que, de modo comprometido, permanecerá atento aos trabalhos desenvolvidos pela FUNASA, garantindo o efetivo controle social e fiscalizador pelos usuários e pelo movimento indígena organizado em torno do CIVAJA, em todas as etapas de trabalho e em todas as instâncias necessárias;

o Não aceitará, na qualidade de representante dos interesses dos povos indígenas do Vale do Javari, que o convênio da saúde, nos moldes atuais, seja repassado por outras organizações ou prefeitura local que não demonstram experiência e idoneidade no trato da questão indígena. Tampouco concordará com "o jeito" proposto pela FUNASA, do modo como vem ocorrendo em outros DSEI´s, onde a contratação de funcionários é realizada através de um esquema duvidoso com Universidades, sem poder garantir a continuidade e a qualidade da assistência básica de saúde para a população indígena. Conforme decisão da Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal, a FUNASA deverá assumir a total execução das ações de saúde no Vale do Javari e contratação de profissionais;

o Exige finalmente uma retratação oficial, no mesmo teor e abrangência de difusão por parte da FUNASA, em relação às acusações inverídicas veiculas em cadeia nacional, trazendo enorme prejuízo para o movimento indígena do Vale do Javari. O CIVAJA continua mantendo uma postura aberta, transparente e está disposto a contribuir com investigações mais aprofundadas que possam restabelecer a verdade sobre os fatos e sobre a idoneidade do CIVAJA que tem demonstrado historicamente o seu compromisso ao lado dos parentes indígenas do Javari.

Atalaia do Norte-AM, 14 de junho de 2004.

Jorge Oliveira Duarte
Coordenador Geral do CIVAJA
André Chapiama Wadick
Vice-Coordenador do CIVAJA

Wanderley Reis Batalha
Tesoureiro do CIVAJA

Clovis Rufino Reis
Presidente da AMAS

Manoel Barbosa da Silva
Presidente do Conselho Distrital

Jader Franco Comapa
Presidente da AMIATAN

Alfredo Barbosa Filho
Tesoureiro da ASDEC

Cezar Miguel Duarte
Coordenador do projeto de Educação

Eduardo Francisco Cruz
Liderança Marubo

Darcy Duarte Comapa
Vereador Indígena

Alciney Rodrigues Dores
Secretário da AMAS

Oswaldo Mayoruna
Professor da Aldeia 31
Victor Mayoruna
Conselheiro do CVAJA Rosanete Rufino Reis
Secretara do CIVAJA

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