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Orçamento climático

O Globo, Ciência, p. 36
17 de Ago de 2012

Orçamento climático
Cientistas defendem adaptação frente a desastres que exigem gastos cada vez maiores

MARIANA TIMÓTEO DA COSTA
mariana.timoteo@oglobo.com.br

Levantamento do Banco Mundial mostrou que, se em 2006 o planeta teria que gastar US$ 9 bilhões para se adaptar às mudanças climáticas, este valor saltou para US$ 41 bilhões em 2010. O Brasil aumentou consideravelmente seus gastos para conter os estragos do clima: em 2004 foram US$ 65 milhões. Em 2010, US$ 1,5 bilhão - sem contar, portanto, as enchentes da Região Serrana de 2011 e a atual seca no Nordeste, considerada a pior dos últimos 30 anos e que já afeta 8 milhões de pessoas. Os dados foram apresentados ontem em São Paulo pelo especialista em clima Carlos Nobre, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, durante a divulgação de um relatório com ênfase na América Latina, sobre gerenciamento de eventos extremos e desastres, encomendado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Depois de anos focados apenas na produção de dados - que mostraram que o ser humano acelera o aquecimento global e este, por sua vez, acentuaria as mudanças climáticas -, os cientistas agora querem trabalhar ao lado de vários setores da sociedade, para que ela se adapte e enfrente problemas decorrentes do clima da forma menos arriscada possível. Previsto para começar a funcionar em 2013, o Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global, um projeto que envolve várias instituições, deve auxiliar nesta abordagem mais regional.
- Um exemplo é a atual seca no Nordeste. É mais fácil prever ciclones no Caribe e enchentes no Sul e no Sudeste do Brasil porque temos mais cientistas nesses locais e melhores equipamentos para isso. As secas são muito mais ocasionais. Podemos, no entanto, nos posicionar e dizer que o que o governo fez, oferecer cesta básica aos nordestinos, não é adaptação. Adaptar é outra coisa: é prever, é fazer obras para evitar o sofrimento - disse José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), representante do estudo no Brasil.
Brasil terá ondas de calor frequentes
O documento latino-americano é um recorte do estudo global do IPCC divulgado em abril passado em Londres. Outras regiões do globo receberam o mesmo tratamento.
- O uso da racionalidade e da ciência tem limite. O objetivo agora deve ser tratarmos cada região de acordo com suas peculiaridades, a sociedade precisa de mais recursos e precisa estar mais bem preparada para contornar os problemas - afirmou Eduardo Calvo, da Universidade de San Marcos do Peru.
De acordo com o relatório, o Brasil ficará mais quente, com ondas de calor frequentes e longas. O Centro-Sul registrará mais 2 ou 3 graus Celsius. Nordeste, Norte e Amazônia podem esperar acréscimos iguais ou superiores a 4 graus. Já as chuvas variam conforme a região. Enquanto o Nordeste pode ficar até 40% mais seco, Sul e Sudeste devem ver 30% a mais de água.
- Como concentram a maior parte das grandes cidades brasileiras, estas regiões devem tomar atitudes para retirar pessoas das encostas, considerar fatores políticos, econômicos e sociais. Chuva não mata ninguém, o que mata é a combinação de fatores - ressaltou Marengo.
O pesquisador falou ainda sobre o desenvolvimento do Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global. Já em fase de testes, deve, segundo ele, operar daqui a "um ano, um ano e meio". O Inpe e a Fapesp estão à frente do projeto, que consiste num grande modelo computacional capaz de avaliar, com resoluções de 10km a 50km, mudanças ambientais típicas do Brasil, muitas vezes secundárias numa escala global.
- Os primeiros testes são promissores. Poderemos estudar atmosfera, oceano, vegetação. Não é apenas questão de operar o supercomputador, e sim capacitar profissionais para desenvolver modelos de estudo.
Uma das mesas do evento foi moderada pela editora de Ciência e Saúde do GLOBO, Ana Lucia Azevedo. O painel de cientistas evitou escalonar qual região da América Latina estaria mais vulnerável ao clima.
- O Brasil tem uma nota diferente, talvez mais próxima da Argentina. Está menos vulnerável do que Bolívia, Guiana ou América Central, locais onde, além dos riscos, os estudos científicos estão começando. As percepções sobre os problemas também variam. Numa escala de 0 a 10, o Sudeste do Brasil pode ser 8; o Nordeste, 4 - diz Marengo.
Na América Central, o documento destaca a boa capacidade de Cuba de prever ciclones e conter fatalidades.
- Eles preveem por conta da proximidade com os EUA, consultam os centros de previsões americanos. E o governo, como controla tudo, é capaz de controlar melhor o fluxo e eventuais deslocamentos da população - salientou Mario Núñez, do Centro de Investigação do Mar e da Atmosfera (Cima) de Buenos Aires.
Os pesquisadores comentaram ainda a recente polêmica envolvendo o "Wall Street Journal", que publicou um editorial assinado por cientistas que não trabalhavam na área, mostrando-se céticos em relação ao aquecimento global. O candidato a vice pelo Partido Republicano, Paul Ryan, também se diz cético e é contra investimentos no setor.
- O ser humano funciona com experiência. Os EUA estão registrando a maior onda de calor de sua História este ano. Não dá para descartar que o processo é acentuado pelo aquecimento global. Acredito que uma reeleição de Barack Obama trará mais avanços - frisou Núñez.

Números

US$ 1,5 bilhão gasto do Brasil com mudanças climáticas
Investimento foi em 2010. É um aumento significativo em relação a 2004, quando o país desembolsou US$ 65 milhões para isso. Em 2006 os gastos do planeta para se adaptar às mudanças climáticas foi de US$ 9 bilhões, valor que saltou para US$ 41 bilhões em 2010.

8 milhões de pessoas afetadas pela seca no nordeste
Mais de 1.200 municípios decretaram situação de emergência. Já as enchentes no Brasil mataram mais de 900 pessoas em 2011 e destruíram milhares de casas. De 1980 a 2010, 68.250 pessoas morreram vítimas de desastres naturais na América do Sul.

O Globo, 17/08/2012, Ciência, p. 36

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