VOLTAR

A oralidade indígena

Aventuras na História, n. 44, abr. 2007, Biblioteca Básica, p. 61
Autor: SANTILLI, Márcio
30 de Abr de 2007

A oralidade indígena
A vida dos índios antes e depois de Cabral. E como conhecemos pouco deles

Márcio Santilli

Falar sobre a vida dos índios brasileiros antes de Cabral é uma tarefa árdua. Como são culturas orais, não dispomos de registros escritos que permitam recuperar com razoável precisão as características de cada grupo antes do período colonial. Mesmo as lendas que versam sobre tempos antigos se desenvolvem numa temporalidade que se refere a possíveis eventos históricos, mas que transita livremente pelo mito, sendo tênue ou inexistente a fronteira entre uma coisa e outra.
Os livros indicados que eu indiquei na edição 44 de História estão entre os que mais se aproximam da questão proposta, sendo o do Carlos Fausto (Os Índios antes do Brasil) o único que se propõe a enfrentá-la mais diretamente. Além disso, a própria noção de Brasil é posterior ao início da colonização e foi apenas há pouco mais de cem anos que o território atual do país configurou-se como tal. Ainda hoje, há muitos povos que vivem em regiões fronteiriças pertencentes a mais de um estado nacional e, evidentemente, a noção que eles têm de território não se conforma às fronteiras internacionais politicamente reconhecidas.
Assim, as obras indicadas também não se atém exclusivamente aos índios "brasileiros", mas abordam dinâmicas continentais que são relevantes para se compreender a situação dos grupos que hoje estão em território brasileiro. E há migrações que ainda ocorrem atualmente, como grupos de índios Guarani que perambulam pelo sul do país vindos do Paraguai, índios Ashaninka que se mudaram do Peru para o Acre, índios Yanomami que vêm e voltam da Venezuela para o Brasil, colocando questões de natureza complexa para a política indigenista, tanto em relação ao reconhecimento de direitos territoriais quanto ao provimento de serviços de atenção à saúde, entre tantos outros.
Além disso, ainda há inúmeras questões em aberto sobre os fluxos migratórios que estabeleceram a presença humana no continente americano (de onde vieram, por onde vieram, quando vieram etc.), o que enseja a impressão de que não há, nem haverá, uma única explicação para todos os casos. E também há a situação de grupos cujas características lingüísticas e culturais em geral em nada se assemelham aos troncos majoritários e aos demais grupos vizinhos. Ademais, há dezenas de registros, comprovados ou não, de grupos isolados, ou arredios, que, por incrível que pareça, não mantém contato regular com a sociedade-estado nacional, sendo que sequer se sabe a que etnias pertencem.
Embora nos últimos anos tenha aumentado consideravelmente o nível de conhecimento que se tem sobre os índios no Brasil, as listas de etnias ou de terras indígenas precisam ser constantemente atualizadas. E até as denominações das etnias freqüentemente não correspondem às auto-denominações, mas aos nomes, até pejorativos, que outras etnias lhes atribuem. Se sequer sabemos falar, ainda hoje, os seus nomes corretamente, o que se dirá sobre "como vivem" e, ainda mais, sobre "como viviam" antes de Cabral.
O livro de Manuela Carneiro da Cunha (História dos Índios no Brasil) é uma coletânea de excelente qualidade, que reúne contribuições dos principais especialistas em cada povo, organizadas por regiões. Oferece-nos farto material iconográfico - gravuras, mapas, plantas de aldeias e reproduções de utensílios, adornos e figuras, que enriquecem a "viagem" pelas diferentes regiões indígenas do nosso país. Estão em foco, principalmente, os dois primeiros séculos do período colonial, embora também contenha referências sobre a situação dos índios antes - até onde isso é possível - e depois deles. Contém, ainda, inúmeras referências bibliográficas e documentais de grande utilidade para quem deseja iniciar pesquisas sobre o tema.
O livro de Julio Cezar Melatti (Índios no Brasil) é um clássico, mas escrito em linguagem bastante acessível para os leitores não especializados. Embora não pretenda abarcar o conjunto dos povos que vive no Brasil, ou, mesmo, a maioria deles, procura abordar aspectos gerais da sua forma de vida: o trabalho, a alimentação, os casamentos, os rituais, a vida doméstica, a sua política interna etc., oferecendo-nos uma noção genérica, mas facilmente digerível, sobre como vivem, permitindo-nos aferir também como viviam antes de se estabelecerem as relações de contato com a nossa sociedade. Aborda desde as teorias sobre a chegada desses povos ao continente até as visões que hoje têm, índios e brancos, uns dos outros.
O livro de Carlos Fausto (Os Índios Antes do Brasil), como já dito, enfrenta mais diretamente a questão pré-colonial e procura perpassar as referências arqueológicas disponíveis a respeito. Mas também aborda outros grupos "não brasileiros", partindo de uma abordagem sobre o continente como um todo, passando pela configuração indígena da América do Sul, até enfocar o Brasil e as referências disponíveis em diferentes regiões do país. Como parte de uma coleção (Descobrindo o Brasil) de pequenos textos, está redigido em linguagem jornalística, também bastante acessível aos leitores não especializados.

Márcio Santilli é ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) e coordenador do Instituto Socioambiental

Aventuras na História, n. 44, abr. 2007, Biblioteca Básica, p. 61

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.