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Operação mata-índios

JB, Outras Opiniões, p. A11
Autor: DALLARI, Dalmo de Abreu
30 de Jul de 2005

Operação mata-índios

Dalmo Dallari, Jurista

Os que cobiçam as terras indígenas, com tudo o que nela existe e que pode ser transformado em dinheiro, estão numa cruzada pela redução dos direitos dos índios e de suas comunidades, para se apossarem mais facilmente das terras indígenas e de todas as riquezas nelas existentes. Agredindo o direito, a justiça e a dignidade humana, esses aventureiros cobiçosos já vêm causando terríveis males, tirando dos índios a vida e as condições de sobrevivência, de várias maneiras, inclusive introduzindo a fome e doenças graves no território indígena. Tentando apresentar-se como vítimas dos privilégios indígenas, valem-se da colaboração de advogados de interesses econômicos, sem compromisso com a Justiça e a dignidade humana, propondo a redução do espaço dos índios, como se estes fossem latifundiários e estivessem causando graves prejuízos ao povo brasileiro. Nessa cruzada para eliminação dos índios, argumentos jurídicos vêm sendo usados com erro ou impropriedade, além de serem escamoteados dados fundamentais, como a verdadeira situação constitucional das terras indígenas e o critério para sua delimitação.
Os defensores desses interesses têm falado em ''latifúndio indígena'', o que é juridicamente absurdo, pois o índio não é proprietário nem posseiro das terras em que vive há séculos. Nos termos do artigo 20 da Constituição, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ''são bens da União'', que é, portanto, a única proprietária dessas terras. Mais ainda, diferentemente do latifundiário, que geralmente reside fora do latifúndio e o utiliza para ganhar dinheiro, o índio vive na terra e da terra, sendo essa uma exigência constitucional para caracterização da terra indígena.
Exatamente porque depende da terra praticamente para tudo, inclusive para sua sobrevivência física e o atendimento de suas necessidades materiais e espirituais, como alimentação, abrigo, vestuário, expressão artística e ritual religioso, bem como para ter a possibilidade de viver segundo sua cultura, o índio não destrói a natureza, como faz freqüentemente o não-índio que só quer o proveito econômico. Dois fatos recentes deixam bem evidente quem é que detém muito mais terra do que necessita para sua sobrevivência. Como vem sendo noticiado, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, um dos maiores latifundiários brasileiros, recebeu da ONG internacional Greenpeace o prêmio de ''personalidade brasileira que mais contribuiu para a destruição da Amazônia em 2005''. O mesmo personagem é famoso por ter destruído imensa extensão de mata para plantar soja. Seu interesse na terra é apenas para ganhar dinheiro.
Outro fato recente é igualmente expressivo. Um grande latifundiário, José Dias Pereira, residente no sul do Pará, tem áreas imensas no sudoeste do mesmo Estado e no ano de 2003 mandou derrubar e incendiar matas amazônicas em grande extensão. Agora, em 2005, promoveu nova devastação, mandando derrubar 8.900 hectares de floresta. Essas brutalidades contra a natureza visam a extração de madeira, o plantio e a criação de gado, para enriquecimento do latifundiário, ignorando-se o interesse social.
As conseqüências agressões foram bem sintetizadas num trabalho sobre ''Pesticida, Desnutrição e Morte de Crianças Índias'', elaborado pelo professor João Paulo Botelho Vieira Filho, da Universidade Federal de São Paulo. Informando ter presenciado aviões pulverizando as plantações com freqüência e em baixa altitude, com o vento espalhando as partículas de pesticidas como anti-fúngicos em todas as direções, conclui o professor: ''As desnutrições acentuadas das crianças índias de Dourados, o comprometimento motor e do desenvolvimento físico, as mortes, podem ter o componente dos pesticidas usados indiscriminadamente nas pulverizações aéreas contaminando o solo, a água, o sangue e o leite materno''.
Os índios jamais praticaram tamanha brutalidade. É surpreendente e contraditório que profissionais do Direito ignorem a dura realidade indígena e as exigências da dignidade humana e proponham a redução dos direitos dos índios para beneficiar os autores dessas barbaridades.

JB, 30/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

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