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ONU quer metas mais duras que as de Kyoto

OESP, Especial IDH, p. H3
28 de Nov de 2007

ONU quer metas mais duras que as de Kyoto
Países ricos terão de diminuir bastante as emissões de carbono

Cristina Amorim

Em 2005, o meio da Amazônia, entre o oeste do Pará e o leste do Amazonas, foi atingido por uma seca extrema. Trechos de rios caudalosos secaram totalmente, inviabilizando o melhor meio de transporte (às vezes o único) disponível para a população: o barco. Municípios, em estado de calamidade pública, enfrentaram falta de água potável, alimentos, medicamentos e combustível. A freqüência às escolas foi comprometida, assim como o acesso ao atendimento médico. Com a chegada das chuvas, a preocupação eram epidemias de doenças tropicais.

Uma causa possível para o fenômeno seria o aquecimento anormal das águas do Atlântico Tropical Norte - o mesmo que estaria por trás do furacão Katrina, que devastou a cidade de Nova Orleans (EUA) também em 2005. Neste ano, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas formado por cientistas, ligou a anomalia com o aquecimento global.

O grupo também mostrou que eventos climáticos extremos, como secas, enchentes, furacões, tempestades e ondas de calor, serão mais freqüentes nas próximas décadas, devido à subida da temperatura da Terra, e que as populações mais pobres serão as mais afetadas. É o que acaba de acontecer em Bangladesh, onde o ciclone Sidr deixou pelo menos 3.500 mortos. Já o que aconteceu na Amazônia em 2005 é um exemplo próximo do impacto que um evento climático extremo tem na qualidade de vida das pessoas.

É essa a preocupação que levou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) a focar as mudanças climáticas como tema do novo relatório de Desenvolvimento Humano (IDH). Se o problema não for enfrentado, diz, as conquistas obtidas nesse campo até hoje estarão em risco, também no Brasil: "Quando o choque climático chega, as pessoas precisam primeiro lidar com as conseqüências imediatas: ameaças à saúde e à nutrição, a perda de economias e capital, danos à propriedade ou a destruição de áreas cultivadas. Os custos em curto prazo pode ser devastadores e com conseqüências altas ao desenvolvimento humano", indica o relatório (www.pnud.org.br/rdh).

A mensagem que o Pnud passa é mais forte do que apenas uma recomendação. Às vésperas da Conferência do Clima da ONU, que começa na segunda-feira, o órgão pede respostas imediatas à crise climática, expõe culpados pelo processo de degradação ambiental com base dos dados mais recentes do IPCC e chega a recomendar caminhos políticos a serem seguidos imediatamente, para evitar as piores conseqüências do aquecimento global.

PREÇO ALTO

A ênfase é dada à responsabilidade dos países mais ricos - e principais emissores históricos de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) - em ajudar as nações em desenvolvimento e as menos desenvolvidas a se prepararem para o que virá. "A responsabilidade por essa crise é, na sua grande maioria, dos países ricos. O Brasil tem uma emissão per capita de 1 tonelada (de carbono). A Etiópia, cerca de 0,2 tonelada. Os Estados Unidos, 20 toneladas. Se toda a população mundial emitisse o mesmo que um americano, precisaríamos de nove planetas para poluir. Só temos um", disse ontem, em Brasília, o coordenador do relatório do IDH, Kevin Watkins.

Dos países ricos, a ONU pede uma redução de até 80% nas emissões de gases-estufa até 2050, para que o aquecimento não ultrapasse os 2oC. Hoje, pelo Protocolo de Kyoto, o corte é de apenas 5,2% em relação a 1990. Aos países em desenvolvimento, pede uma redução de 20% no mesmo prazo - política recusada por essas nações, que alegam ter o direito de emitir para se desenvolverem.

O Hemisfério Norte concentra a maior parte das emissões de CO2, graças à queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, para gerar energia (veja ilustração abaixo). No Norte também estão os países que enriqueceram à custa da queima indiscriminada de combustíveis fósseis e do corte das florestas, como os europeus, os Estados Unidos e o Japão, mas também os novos grandes emissores mundiais, China e Índia.

No Hemisfério Sul estão os que menos emitem, especialmente na África. A responsabilidade do continente é ínfima. Contudo, as populações africanas podem sofrer graves danos à produção de alimentos, largamente apoiada na agricultura de subsistência, sem que tenham condições econômicas e tecnológicas de se anteciparem às mudanças no clima.

Mesmo em países com melhores condições, como o Brasil, serão os menos favorecidos os que mais sofrerão. Os cientistas prevêem que um aumento na temperatura média do planeta pode levar o semi-árido, na Região Nordeste, a ficar desértico. Uma parte da Amazônia pode perder a floresta e apresentar uma vegetação parecida com cerrado.

Quando a análise de desenvolvimento humano é feita localmente, a situação brasileira é ainda mais delicada. "Com a savanização, as regiões mais desmatadas, também as mais empobrecidas, são as mais vulneráveis", diz o pesquisador Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que analisou o IDH de cidades amazônicas - que, em média, não atinge o índice de 0,800. "Toda a história daqui é baseada no ciclo das águas e nos recursos naturais. A Amazônia não está preparada para lidar com os percalços das mudanças climáticas."

Por isso, o Pnud cobra a criação de um fundo em que os países desenvolvidos repassariam US$ 20 bilhões por ano para ajudar os pobres na adaptação às possíveis conseqüências do aquecimento global. "Os países ricos investem bilhões de dólares todos os anos em infra-estrutura para se precaver de cheias e outras mudanças climáticas e não fazem quase nada para fortalecer a adaptação dos países pobres. Vão proteger seus próprios cidadãos, enquanto deixam os mais pobres para nadar ou afundar. É eticamente indefensável", acusou Watkins.
Colaboraram Lisandra Paraguassu e Lígia Formenti

Número
326 é a média de desastres climáticos registrados por ano, entre 2000 e 2004; o efeito
estufa intensificará esses eventos

OESP, 28/11/2007, Especial IDH, p. H3

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