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As ONGs e a soberania

JB, Mauro Santayana, p. A2
Autor: SANTAYANA, Mauro
28 de Jan de 2006

As ONGs e a soberania

Almanaque do Mauro Santayana:

A decisão de Vladimir Putin, de impor restrições às atividades das organizações não-governamentais em território russo, amplia a discussão sobre a natureza e os objetivos dessas entidades. Elas tomaram este nome, outro desenho, dimensão e generalizaram suas ligações espúrias, depois da queda do Muro de Berlim e do chamado Consenso de Washington. Ao disseminar a idéia de que a soberania das nações se encontra perempta, sua ação, no mundo inteiro, mas, particularmente nos países em desenvolvimento, contribui para desmoralizar as instituições dos Estados, ao exercerem poder ilegítimo de representação política. Sua visão é a dos civilizadores colonialistas, com o poder de tutela sobre as nações que consideram impúberes, incultas, incapazes de exercer o pleno domínio sobre o território que ocupam. Quase todas essas entidades, criadas e financiadas por instituições dos países ricos e pelos governos - mesmo os dos países que as hospedam -, estão a serviço dos objetivos estratégicos do novo Império.
Foi uma organização aparentemente não-governamental, o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que, com dinheiro do governo norte-americano, administrado pela CIA, iniciou, neste país, a corrupção institucionalizada do Parlamento, financiando a eleição dos deputados conservadores e alinhados a Washington, entre 1961 e 1964. Ao perverter a representação popular, e subornar muitos parlamentares durante o mandato, abriram caminho para o golpe, a ditadura e a desmoralização da política. Nada de mais objetivo: o primeiro passo para a conquista de um povo é a sua infecção moral.
Antes, algumas delas tinham - e continuam tendo - outra dignidade. É assim o caso da Cruz Vermelha Internacional, talvez a mais meritória de todas as entidades de ação mundial, e que, desconhecendo fronteiras e beligerantes, alivia o sofrimento das vítimas, militares e civis, nos grandes e pequenos conflitos bélicos, além de atuar nas graves catástrofes naturais. Outra entidade que vem prestando grande serviço ao mundo é a Anistia Internacional, com a denúncia da violação aos direitos humanos, sem levar em conta a ideologia dos que os infringem.
Como aponta Richard Robbins, em Global Problems and Culture of Capitalism, as ONGs se desenvolveram como parte da ampla agenda política e econômica do neoliberalismo. O Consenso de Washington, ao pregar a transferência das funções do Estado, na educação, na saúde e na previdência ao setor privado, foi o sinal para que brotassem como cogumelos no mundo inteiro, a fim de substituir os partidos políticos na vida social. Isso ocorreu particularmente no Brasil. Nelas há pessoas honradas e bem-intencionadas, mas a maioria é constituída de ''profissionais'', que vivem à custa de todos nós, mediante o subsídio oficial, desviado dos impostos que pagamos, quando não são também remunerados pelos estrangeiros e sabem muito bem a que interesses servem. Foi assim que as privatizações se fizeram preceder de uma sistemática lavagem cerebral, mediante a ação de propaganda de vários institutos liberais, sobretudo no caso das telecomunicações.
É na Amazônia que essas entidades atuam com maior desenvoltura e atrevimento, usurpando as funções do Estado, com arrogância e prepotência. Seus ativistas constrangem e ameaçam as autoridades locais, cercam territórios inteiros, sob o pretexto de proteger os índios, e impedem a entrada de autoridades brasileiras nas áreas de sua influência, isso sem falar nos pesquisadores nacionais que são expulsos das áreas que controlam, muitas vezes por capangas armados. A esse propósito, vale a pena ler o relatório da comissão parlamentar chefiada pelo então deputado Lindberg Farias sobre o problema da Reserva Raposa Serra do Sol, na fronteira de Roraima com a Venezuela. É um documento sereno, que mostra como a soberania nacional está por um fio, naquela região estratégica para o Brasil e para a América do Sul, com a conivência e a cumplicidade de parte da Funai.
Pouco a pouco fomos cedendo os nossos direitos de soberania na área. Primeiro, ao aceitar a entrada de missionários e de cientistas, sem rigoroso critério. Fomos abrindo as portas de tal maneira, e de tal maneira viramos as costas para a região, em que há muitas cidades - e este é o caso de Vilhena, em Rondônia - que recebem freqüentemente a visita de autoridades ianques, como se fossem parte do território norte-americano.
Somos chamados a exercer plena soberania sobre o espaço que os nossos antepassados ocuparam há séculos. Não podemos nos transformar em protetorado da nação mais poderosa do mundo, ou de um grupo escolhido de nações poderosas (como o chamado Grupo dos 8). É urgente recuperar, no calor da face, o brio que outros tiveram, quando expulsaram os franceses e holandeses das costas atlânticas, venceram as guerras a que fomos impelidos pelas circunstâncias e desenharam as fronteiras com o sangue de nossos mártires - mas igualmente dos invasores.
Não pode a sociedade nacional renunciar ao dever de manter incólumes as fronteiras nacionais e de não admitir enclaves estrangeiros dentro do território brasileiro, garantindo para os brasileiros o desfrute dos recursos da natureza. Por outro lado, o direito de propriedade, assegurado, com ressalvas constitucionais, aos estrangeiros, não inclui outorgas de soberania. Ainda agora se informa que os chineses estão adquirindo vastíssimo território no Mato Grosso, isso sem falar no estado teológico do Reverendo Moon, na mesma região. Essas concessões devem ser imediatamente revogadas. Todos os que vivem aqui são obrigados a obedecer às leis nacionais. Quanto aos brasileiros que servem conscientemente aos dissimulados invasores do território pátrio, convinha-lhes renunciar logo à cidadania nacional.
Putin decidiu restringir a ação das ONGs na Rússia. E é de nosso direito e dever investigar minuciosamente o que fazem, como fazem, e como se financiam essas organizações no Brasil, de forma a preservar as que nos servem e impedir as que afrontam a nossa soberania.

O mito do desenvolvimento
(as ONGs e os estados títeres)
''O desenvolvimento é uma estratégia da evasão (contra a reivindicação da igualdade, nota de MS). Quando você não pode dar ao povo a reforma agrária, dê-lhe vacas híbridas. Quando você não pode mandar as crianças à escola, tente a educação não formal. Quando não consegue dar saúde, crie o seguro-saúde. Não pode dar trabalho? Não se aborreça, basta redefinir a expressão 'oportunidade de emprego'. Não quer resolver o problema de crianças usadas no trabalho escravo? Fale sobre 'a melhoria das condições do trabalho infantil'. Assim soa bem melhor. E você ainda pode fazer bom dinheiro com isso.''
(Palagunmi Sainath, Everybody loves a good Dought; Stories from Índia Poorest Districts).
A propósito: não deixem de assistir ao documentário canadense The Corporation, que está sendo exibido nos cinemas.

A POESIA FAZ FALTA
Anônimo basco
Chama à porta, vou abri-la
Se me disser teu nome e trouxer
as mãos desarmadas.
Peço que te descalces,
o nosso chão é limpo e sagrado.
Minha mulher e meus filhos
te saudarão com alegria,
não te iludas - é o nosso jeito de ser
Partiremos contigo o pão que houver,
e o acolheremos até que passe a tempestade
e possas regressar a teu lugar.
Mas se confundires nossa hospitalidade
com a vassalagem dos covardes,
e quiseres abusar de minha família
e mandar em minha casa,
eu te matarei com as minhas mãos.
Entregarei teus restos aos cães e abutres.
Dormirei e amanhecerei sem remorsos.
(Texto do século 18, usado pelo ETA, e traduzido do espanhol pelo colunista).

JB, 28/01/2006, Mauro Santayana, p. A2

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