Repórter Diário
Autor: Aline Bosio
11 de Abr de 2008
Entre os mais de 2,5 milhões de habitantes de todo ABC, pelo menos cinco mil são índios, o equivalente a 0,2% da população da região. De acordo com a ONG Opção Brasil, que desenvolve trabalhos com este público, Diadema é a cidade com o maior número de indígenas: aproximadamente mil vivem no município. Logo em seguida estão Mauá, Santo André e São Bernardo.
"As sete cidades da região contam com 29 etnias diferentes de índios. As mais comuns são Pancararú, Pancararé, Guarani e Xavante", afirma o coordenador do projeto Índios na Cidade da ONG Opção Brasil, Marcos Aguiar. A entidades fica localizada em São Caetano.
Não há registro de nenhuma aldeia na região. Na Grande São Paulo existem quatro: duas na região de Parelheiros e duas em Jaguaré. Com a reintegração de terras devido as obras do Rodoanel, uma das tribos de Parelheiros deverá ser registrada como pertencente a São Bernardo.
Com mais de 10 anos de experiência com trabalhos relacionados aos índios, Aguiar comenta que de acordo com o levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2000, o ABC teria pouco mais de 3,8 mil indígenas. "Esta diferença de dados (de 3,8 mil para mais de cinco mil) se dá por motivos simples: Alguns dos índios que temos contato nos falaram que não foram ouvidos pelo instituto. Já outros preferiram não se declarar índios por diferentes motivos", lamenta.
"Muitas pessoas não enxergam os índios como eles realmente são. A maior parte da população prefere escolher a maneira como eles são vistos e, geralmente, erram", comenta a professora e assistente de coordenação do Núcleo de Formação Cidadã da Universidade Metodista de São Paulo, Lucília Lopes.
Para Marcos Aguiar, que atua principalmente com índios da área urbana para que a sociedade local os reconheça como são, "uma dificuldade enfrentada por eles é a visão preconceituosa de que o índio que mora na cidade não é mais índio. Dessa forma, eles ficam impossibilitados de mostrarem o seu jeito de ser", explica. Um dos principais objetivos do projeto Índios na Cidade, desenvolvido pela ONG, é trabalhar para que a sociedade não tenha preconceito e divulgar os direitos e os deveres dos indígenas.
Um passo importante para que isso ocorra foi dado no último mês, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que vai incluir no currículo das escolas públicas e particulares de nível fundamental e médio o ensino de história e cultura indígena brasileira. Em 2003, uma lei incluiu nos currículos escolares a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira. Entretanto, ativistas afirmam que ainda há problemas para implementação.
Fórum
A Universidade Metodista de São Paulo, por meio do Núcleo de Formação Cidadã, promoveu no fim de março o Pré-fórum de Assuntos Indígenas. O evento foi um preparatório para o Fórum Permanente de Assuntos Indígenas que será realizado pela ONU, entre 20 de abril e 3 de maio, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
A 7ª edição Fórum Permanente traz neste ano o tema Mudanças Climáticas, a diversidade biocultural e os meios de vida: a custódia pelos povos indígenas e novos rumos e um dos sub-temas mais importantes, segundo Aguiar, é o Indígenas na Cidade e a Migração.
Já a 3ª Semana dos Povos Indígenas em São Bernardo, que ocorrerá entre os dias 15 e 18 deste mês na Câmara de Cultura Antonino Assumpção, tem como objetivo buscar discutir a cultura, as crenças, o modo de viver e os problemas que afetam as comunidades indígenas, além de mostrar a produção artístico-cultural produzida por eles.
Neste ano o evento traz enfoques e abordagens como os significados da arte indígena, a função da língua como forma de manifestação cultural e um retrato da vida quotidiana dos Guaranis. Haverá ainda a mostra fotográfica Os Povos Guarani e uma apresentação de música indígena com a cantora Marlui Miranda. Informações e inscrições para as palestras pelo telefone 4123-9182.
Índia de São Caetano revela como é o dia-a-dia na cidade
Tserenhonhime. Este é o nome de batismo de Eva Maria dos Santos Silva, uma simpática senhora de 48 anos, moradora de São Caetano, mãe de sete filhos. Nascida em Pernambuco, Eva viveu até os 36 anos na aldeia dos Pancararus. "Cheguei em São Paulo no dia 11 de setembro de 1997', lembra. "Deixei a aldeia para que minha filha fizesse um transplante de córnea. Depois disso passei a viver na cidade", completa.
Apesar de não aparentar ser índia, Eva conta que quando começou a trabalhar como doméstica em uma casa de família em São Caetano, tinha o costume de usar trajes e paramentos típicos de sua cultura, como cocar, colares, pulseiras e brincos de pena. "Já cheguei a me atracar com pessoas preconceituosas, que diziam que o carnaval já tinha acabado ou coisa do tipo", lamenta.
Para evitar problemas, ele teve de se adaptar com o novo ambiente e passar a se vestir conforme o costume local. "Muitas pessoas falam que os índios não prestam, que são selvagens. Queria que estas pessoas passassem alguns dias em aldeias indígenas para verem como seriam bem recebidos apesar das diferenças. No fundo, todos são iguais", argumenta.
Para relembrar de sua origem, Eva se encontra periodicamente com outros índios. "Sempre fazemos festas em São Paulo ou em Mauá, próximo a Gruta Santa Luzia", diz. Nestas ocasiões todos dançam e se pintam, além de fumar cachimbos e desfilarem com arcos e flecha.
Desde que está vivendo no Estado de São Paulo, Eva já foi passar uns dias em sua aldeia duas vezes para matar a saudade. "Sinto falta da maneira como eu vivia lá", lamenta. Mesmo acreditando que se adaptou muito bem na cidade, a índia afirma não gostar nem um pouco de pizza, hambúrgueres, das comidas enlatadas e dos sucos de polpa congelada. "Não gosto muito da carne daqui. Ela é velha. Lá nós matávamos os animais e comíamos logo em seguida", finaliza.
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