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Onde começa o país

CB, Brasil, p. 12-13
17 de Mai de 2008

Onde começa o país
Oiapoque, no Amapá, é uma cidade brasileira de olho nos euros e oportunidades que existem na Guiana Francesa. Com poder de polícia, Exército tenta combater crimes como garimpos ilegais e tráfico de drogas

Da redação

Oiapoque (AP)- A cidade onde começa o Brasil fica no Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa. Oiapoque é terra de garimpeiro e de brasileiro de olho no outro lado da margem do rio, repleta de ouro e euro. É também lugar de garimpos ilegais, transporte irregular de mantimentos e combustível, prostituição, denúncias de tráfico de crianças e de drogas, índios com pouca assistência e intolerância crescente a brasileiros. No extremo norte do país, sobram problemas. "Parece terra de bangue-bangue", observa o general Jeannot Jansen da Silva Filho, comandante da 8ª Região Militar da Amazônia.
O Exército mantém cerca de 250 homens na região sob o comando de um capitão de 28 anos, Marcelo Flávio Sartori Aguiar, que divide o tempo administrando a vila militar - onde também vivem civis - e treinando a tropa para proteger a fronteira e combater inimigos na selva amazônica. Apesar de a legislação dar aos militares poder de polícia na faixa de 150 quilômetros até a fronteira, Oiapoque tem problemas demais para o Exército resolver sozinho. "A gente faz o possível. Sempre fazemos operações em conjunto com o Ibama e com a Polícia Federal. Mas, muitas vezes, falta domínio sobre legislação de temas como meio ambiente e tráfico para atuarmos sozinhos", afirma o capitão.
Enquanto o poder público tenta se organizar, os criminosos aproveitam as águas dos rios da região - território internacional, que não está submetido à legislação brasileira nem à francesa - para tocar os negócios. Às vezes é a polícia francesa, responsável pela patrulha da Guiana Francesa, quem atrapalha os esquemas dos responsáveis por abastecer os garimpos ilegais. O alvo predileto são os barcos que levam mantimentos e combustível até os garimpos ilegais. Sem nota fiscal e muitas vezes carregando mercadorias proibidas, os barqueiros são surpreendidos na ilha chamada La Gran Rochelle, que serve de entreposto para os transportadores. "Já quebraram os barcos, já apreenderam as mercadorias, já nos mandaram embora. Mas temos que comer, não podemos ficar sem trabalhar", diz Pedro Santana Silva, enquanto auxilia o carregamento de barcos.
De Oiapoque ao garimpo clandestino mais perto é preciso encarar uma viagem de seis horas no nervoso rio que nomeou a cidade, cheio de pedras. Depois, são mais duas horas de caminhada. Diante da dificuldade de acesso, a polícia francesa opta por impedir que mantimentos cheguem até as áreas de extração de ouro, onde trabalham cerca de 10 mil pessoas, explica um garimpeiro que pede o anonimato.
Esse garimpeiro diz que a exploração do ouro nas terras do norte brasileiro acabou. Mas a febre continua na Guiana Francesa, onde brasileiros procuram recuperar o que os franceses tiraram do Brasil. Desde que o presidente Nicolas Sarkozi assumiu o comando da França, a fiscalização foi reforçada nas áreas de garimpo na Guiana, revela a prefeita de Saint Georges de R'Oiapoque, Fabienne Mathurin-Brouard. "O garimpo está incomodando muito, por isso a fiscalização endureceu com os ilegais. Os clandestinos ficam nos arredores dos legalizados e a maioria é brasileiro cometendo crime na Guiana", diz a prefeita da cidade que fica a 15 minutos de barco de Oiapoque.

Do outro lado, promessas de uma vida melhor

Fabienne Mathurin-Brouard, prefeita de Saint Georges de R'Oiapoque, cidade na Guiana Francesa próxima a Oiapoque, elenca outros problemas causados pelos brasileiros. Ela diz compreender a atração que os vizinhos sentem pelos euros e pelas oportunidades de trabalho no estado francês, mas reclama da invasão de cidadãos tupiniquins sem autorização. "Os que já estão aqui não podemos expulsar, mas não podemos aceitar os que estão entrando ilegalmente", salienta. A prefeita denuncia que muitos brasileiros têm trazido crianças e falsificado a certidão de nascimento para assegurar a cidadania francesa aos próprios filhos e até mesmo filhos de amigos e parentes. Observa ainda que mulheres, muitas menores de idade, atravessam a fronteira para trocarem sexo por euros.
"Estamos investigando", diz, se recusando a dar mais detalhes.
O barqueiro Rosenildo Conceição, de 27 anos, explica que muitos brasileiros fazem filhos do outro lado da fronteira. Ele mesmo tem um garoto de 3 anos. "Meu filho é francês e, quando ele fizer 13 anos, vai ter passaporte. Aí eu também tenho chance de conseguir a cidadania", conta, animado.
Ele ganha R$ 2,8 mil por mês levando brasileiros para a Guiana e franceses para Oiapoque. "Quem não tem papel só pode dar uma volta, no máximo ficar aqui na praça", diz, reclamando que a perseguição a brasileiros está cada dia mais ferrenha.
Na praça principal da cidade tem de tudo. Desde bar com nomes curiosos, como o Buteco Chez Erika, até índios alcoolizados e brasileiros dominando o francês. Muitas crianças brasileiras também estudam do outro lado da fronteira, onde o ensino é em período integral e os melhores alunos são selecionados para concluir o ensino superior em Paris.

Jovens prontos para a guerra
Soldados brasileiros recebem treinamento em táticas de guerrilha e sobrevivência na selva para defender o território nacional de um possível ataque. Simulações de combate fazem parte da rotina

Da redação

Mesmo diante do que classificam de "ameaças não-iminentes" de conflitos armados com os vizinhos sul-americanos, as Forças Armadas brasileiras têm apostado em treinamentos de táticas de guerrilha e na proteção da floresta amazônica para derrotar um inimigo mais forte. A maioria dos soldados que atuam na Amazônia são da região, adaptados ao clima e à selva. "São homens com uma capacidade física peculiar e mestres da arte da selva. Nós (comandantes) colaboramos com os conhecimentos táticos", observa o comandante do 34o Batalhão de Infantaria e Selva, em Macapá (AP), tenente-coronel Henrique Batista. O efetivo do Exército na Amazônia reúne 25 mil homens, em seis estados, responsáveis por monitorar 42% do
território brasileiro.
Antes da operação boina, que condecora a formatura do combatente básico, soldados voluntários para o serviço militar aprendem e ensinam como sobreviver na selva. Recebem aulas de natação e técnicas de ocultação dentro d'água, aprendem a conseguir fogo, água e alimento e a confeccionar abrigos. "Não é nada fácil", afirma Everton Pessoa, membro do batalhão do Exército em Macapá.
Por enquanto, o inimigo é fictício. Mas as simulações de combates reproduzem situações reais e típicas de uma guerra na selva.
Os militares precisam colocar em prática todas as lições aprendidas. O Correio acompanhou duas missões do Exército na Amazônia Oriental, em 7 e 10 de abril, e reproduz como foram as operações de treinamento militar em Marabá (PA) e Clevelândia do Norte (AP).

Missão 1
Resgate na selva

No entardecer, homens do Exército em Marabá (PA) saem para resgatar um soldado em território inimigo. Antes de subirem em barcos para descer o Rio Tocantins, as orientações são apresentadas.
De pronto, o soldado responde qual seria o próprio papel no plano. Precisa silenciar as sentinelas para os companheiros agirem."Como o senhor vai fazer?", indaga o comandante. "Vou degolar o inimigo e cravar uma faca no coração dele", responde o soldado. O grupo percorre um trecho do Rio Amazonas, desembarca num igarapé e caminha dentro da água, no escuro, sem fazer barulho. Rastejando, um soldado surpreende o sentinela com uma faca. Outros aparecem camuflados e atiram sem hesitar. Os tiros alertam os seqüestradores, que acabam mortos por uma rajada de tiros. Bombas que provocam surdez e cegueira provisória são lançadas no cativeiro. Um médico verifica as condições do refém.

Missão 2
Ataque surpresa

Cinco inimigos estão numa praia, às margens do Rio Oiapoque. O território é estratégico e ideal para instalar, na copa de palmeiras,antenas para captar conversas estratégicas. A ordem é chegar atirando. Enquanto um grupo ataca os inimigos, outro sobe nas árvores para colocar os equipamentos. A missão dura cerca de 10 minutos, tempo suficiente para dois barcos com cerca de oito militares em cada um chegarem à praia e surpreenderem os inimigos, que respondem atirando. Por cinco minutos, o barulho dos fuzis, com balas de festim, é ensurdecedor. Depois, só se ouvem as orientações do tenente Rafael Oliveira. "Recolham os corpos!", ordena. Na hora do ataque, muitos conseguiram fugir e se embrenhar na selva. Mais tiros. Um militar já está no topo da palmeira.
Usando uma corda presa aos pés, subiu com agilidade, carregando uma antena. Basta ajustar a freqüência para monitorar o inimigo.

CB, 17/05/2008, Brasil, p. 12-13

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