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A oferta de energia elétrica vai afetar o crescimento econômico brasileiro?

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: DUARTE, Newton; TOLMASQUIM, Maurício
04 de Jun de 2007

A oferta de energia elétrica vai afetar o crescimento econômico brasileiro?

Sim
Para fugir de um novo racionamento

Newton Duarte

A carência de oferta de energia pode afetar negativamente o crescimento econômico. A necessidade de um eventual novo racionamento colocaria em risco a recuperação em curso da economia brasileira e inviabilizaria o desejado ciclo de desenvolvimento sustentado.
Para atingir os objetivos de crescimento sustentado do PIB a taxas superiores a 4,5% ao ano e evitar um déficit entre a oferta e a demanda de energia no médio e longo prazos, o Brasil precisa gerar, pelo menos, quatro gigawatts (GW) ao ano em geração hidráulica, térmica e demais fontes renováveis, de forma a expandir a capacidade instalada.
Levando em conta as premissas do Plano Decenal de Energia Elétrica da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), dos atuais 47,5 GW médios de demanda, atingiremos, em 2011, 61 GW médios, representando um crescimento médio de 6,5% ao ano, superando assim a previsão de órgãos governamentais quanto ao acréscimo de geração de apenas 2,9% ao ano no período. Tal cenário apresenta sérios riscos de abastecimento energético, se levarmos em conta a dependência hídrica do sistema elétrico brasileiro.
Tendo em vista esse cenário, grandes projetos hídricos, como Madeira e Belo Monte, devem ser priorizados. Caso contrário, o país terá que buscar fontes alternativas para suprir a demanda energética. No entanto, vale ressaltar, essa alternativa implicaria um aumento relevante do custo da energia, gerando perda da competitividade da indústria.
Outra grande preocupação é o déficit na oferta de gás natural. Em 2006, o Brasil teve déficit de 30 milhões de m3/dia. Esse déficit se intensificaria para cerca de 66 milhões de m3/dia em 2015 e só seria minimizado, mas não totalmente solucionado, com o incremento significativo da oferta de gás natural liquefeito (GNL).
Fora da agenda energética do Brasil há muitos anos, a geração de energia a carvão permanece tímida. Segundo o primeiro balanço do PAC, recentemente divulgado pelo governo, só a usina de Candiota 3 é contemplada. Embora as questões ambientais e os custos representem barreiras para essa fonte, o carvão merece atenção especial pelo potencial que significa para a aceleração da expansão de oferta energética e a redução da dependência de fontes hidrelétricas.
A malfadada experiência do racionamento de energia elétrica de 2001 representou impactos significativos para a economia brasileira. O ritmo de crescimento do PIB se contraiu de 4,3% em 2000 para apenas 1,3% em 2001. Mais intenso ainda foi o impacto na redução do ritmo de crescimento da produção industrial, que caiu de 6,6% para 1,5% no mesmo período.
O risco de um novo racionamento pode afetar negativamente as decisões de novos investimentos por parte das empresas, com todos os reflexos negativos decorrentes. Um outro impacto potencial é o aumento dos custos de abastecimento energético.
Em suma, o racionamento representaria não só um freio no crescimento econômico mas também um aumento dos custos da produção industrial. Enfrentar o problema da oferta de energia é urgente. Vale destacar, as medidas de produtividade adotadas por ocasião do racionamento de 2001 já foram incorporadas aos processos industriais, o que diminui o potencial para futuras economias. É preciso garantir a efetiva realização dos investimentos previstos, o que não exclui as iniciativas de melhoria da eficiência.
É imprescindível tratar com prioridade as soluções eficazes para simplificar os processos de concessão de licenciamento ambiental. A longa maturação dos investimentos exige rapidez nas decisões para ampliar a oferta de energia e mantê-la sempre à frente da demanda.
A desoneração dos investimentos em infra-estrutura é um elemento incentivador das decisões. Da mesma forma, é fundamental melhorar as condições de financiamento de projetos e propiciar um ambiente regulatório claro e estável. Não podemos deixar que o Brasil seja preterido de um futuro próspero por falta das ações necessárias e dos investimentos em infra-estrutura. Para progredir, o país precisa reconhecer os desafios presentes e atacá-los na raiz.

Newton Duarte, 52, engenheiro elétrico, é diretor do Departamento de Infra-Estrutura do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) e diretor de Energia e Transporte da Siemens.

Não
A oferta (e o preço justo) da energia

Mauricio Tolmasquim

Em 1999 e 2000, fui dos poucos a alertar para o alto risco de falta de energia no país, o que, afinal, se concretizou em forma do racionamento de 2001. Hoje, sinto-me muito à vontade para me contrapor ao "efeito manada" que atinge o conjunto de especialistas e comentaristas do setor energético e afirmar que o nível de risco de déficit para os próximos anos está dentro do nível aceitável.
Sofre-se atualmente no Brasil de uma espécie de "trauma pós-racionamento". Especialistas e empresários em uníssono vêem a falta de energia como uma questão inexorável -discordam apenas quanto à data em que essa fatalidade atingirá o país.
Em parte, é compreensível a apreensão dos menos informados.
Afinal, como diz o ditado popular, gato escaldado tem medo de água fria. Porém, a situação hoje é muito diferente da que existia em 2001. O Brasil tem, desde 2004, um novo modelo para o setor elétrico, que visou à redução dos riscos para os investidores e das tarifas para os consumidores. Os vencedores das licitações têm, agora, contratos de longo prazo, que constituem recebíveis aceitos pelo BNDES para a concessão de financiamentos.
Antes, as usinas eram concedidas para os investidores que aceitassem pagar o maior ágio pelo uso do bem público (UBP). Agora, os novos aproveitamentos hidrelétricos são concedidos aos investidores que aceitam construir e operar as plantas pela menor tarifa. Isso reduziu drasticamente o valor estratosférico do UBP que os investidores se viam obrigados a pagar -interessante para o Tesouro Nacional, mas perverso para o consumidor e para o investidor.
A exigência de licença ambiental prévia para um empreendimento ser colocado em licitação é outro fator que reduziu o risco para o investidor e deu um fim ao faz-de-conta de antes, quando o governo concedia usinas que simplesmente não tinham viabilidade ambiental, criando um conflito entre empreendedores e órgãos licenciadores. Outras usinas licitadas eram passíveis de ser viabilizadas, mas o ônus da obtenção das licenças era exclusivo dos empreendedores.
O setor elétrico está cada vez mais atrativo para os investidores. Entre 2003 e 2006, foram instalados, em média, 3.667 MW por ano de nova capacidade de geração no Brasil, o que é cerca de 40% superior à média entre 1995 e 2000, período que antecedeu o racionamento. Para o período de 2007 a 2010, já existem 11.078 MW com plenas condições de entrar em operação e uma quantidade maior será viabilizada com os dois leilões marcados para 18 e 26 próximos.
O aumento dos preços da energia elétrica é em geral apontado por grandes consumidores como um gargalo para o desenvolvimento. Mas preços artificialmente baixos significam um grande custo para todo o setor energético. Um bom exemplo é o segmento dos eletrointensivos. Por duas décadas, algumas dessas indústrias tiveram acesso a energia muito barata, com preços fortemente subsidiados.
Consumidores residenciais chegaram a pagar entre quatro e cinco vezes mais pela mesma energia. Em 1985, essas indústrias compravam energia por cerca de US$ 10/MWh e suas tarifas permaneceram, em grande parte do período, entre esse valor e US$ 25/MWh. A energia elétrica era vendida a tarifas muito inferiores ao custo da geração de usinas hidrelétricas, de cerca de US$ 60/MWh. Essa situação mudou em 2004, quando essas indústrias tiveram que negociar novos contratos de fornecimento.
Sem dúvida, seria ótimo se todos pudessem ter energia barata. No entanto, vale lembrar outro ditado: "não existe almoço grátis". A energia barata vendida no passado aos grandes consumidores pelas geradoras estatais levou, em boa medida, ao endividamento e à perda de capacidade de investimento dessas empresas.
A oferta de energia para os próximos anos é suficiente para atender ao crescimento econômico esperado, sendo igualmente necessário que ela se expanda de forma contínua. O novo modelo implantado em 2004 tem os mecanismos necessários para assegurar que isso ocorra.

Mauricio Tolmasquim, 48, doutor em socioeconomia do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.

FSP, 02/06/2007, Tendências/Debates, p. A3

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