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Oeste do Pará teme "exclusão florestal"

FSP, Ciência, p. A22
27 de Jul de 2008

Oeste do Pará teme "exclusão florestal"
União vai licitar área para exploração de madeira, mas população receia ficar à margem do projeto de desenvolvimento
Moradores desconfiam que promessa de inclusão social seja igual a da mineração, que "só empregou doutor" ao chegar nos anos 1970

Eduardo Geraque
Enviado especial a Oriximiná (PA)

Os "Raimundos" da Silva, um de Faro e outro de Oriximiná -ambas cidades do oeste do Pará- estão preocupados. O primeiro projeto de concessão florestal do Estado, desenvolvido pelo SFB (Serviço Florestal Brasileiro), vai ocorrer aqui. A proposta prevê que uma empresa comece a explorar madeira na região, retirando árvores em um ritmo que não comprometa a saúde da floresta.
É uma proposta ousada. Na mesma região, existe mineração de bauxita e a comunidade local pleiteia participação na atividade madeireira.
A preocupação do primeiro Raimundo, mais conhecido como padre Dico, que dirige a paróquia da cidade de Faro há 13 anos e tem fama de encrenqueiro (leia texto à direita), resume o espírito percebido em todas as três audiências públicas sobre a concessão, acompanhadas pela reportagem da Folha neste mês, sob a forte presença do calor equatorial.
"A sociedade está desinformada e mal organizada", diz. "As palavras [do governo] não são traduzidas. Não temos entidades que possam fazer reivindicações", afirmou o líder religioso durante a audiência em sua cidade, que tem uma área 673% maior que a do município de São Paulo, mas uma população de 10 mil habitantes. Sem dominar a técnica do manejo, ainda, a comunidade local teme ser excluída do processo. O medo é que a nova proposta seja apenas discurso para encobrir o "neocolonialismo" que é comum na Amazônia.
"Quando a mineração chegou [nos anos 1970], as promessas foram as mesmas", diz Dico.
A palavra oficial, porém, foi dirigida a todos desta vez. O plano é licitar quatro trechos da floresta nacional Saracá-Taquera. No total, serão entregues à incitava privada 215.354 hectares -já há vários interessados. Uma mesma empresa não poderá acumular mais de um lote. Todas terão de fazer um manejo sustentável da floresta e não poderão vender açaí nem castanha-do-pará, que já são explorados pelos locais.

Caminho único
Com o segundo projeto de concessão em curso -o primeiro, em Rondônia, está em implementação- o governo espera arrecadar R$ 13,6 milhões por ano, no mínimo. Para o diretor-geral do SFB, Tasso Azevedo, promover a inclusão das comunidades locais no manejo florestal é o único caminho que existe para a economia da Amazônia crescer sem desmatar. Em Terra Santa, outra cidade visada pelas concessões, a cultura do manejo também não existe. Toda extração de madeira, afirma o prefeito Adalberto Cavalcante (PMDB), é "ilegal".
O outro Raimundo da Silva, 63, que não é padre, mas um ribeirinho da região, afirma que, antes de a mineração chegar, o rio local era limpo e cheio de peixes. "Depois, tudo ficou turvo e eles se afugentaram", diz. Ele esteve na audiência pública de Oriximiná para defender seu ponto de vista. "Não podemos brigar com o governo, mas a mineração só empregou doutor. E será que agora [com a concessão] não poderemos nem tirar um pau para vender ou fazer canoa?", diz o agricultor, que nunca saiu da região. Sem a cultura técnica do manejo, a maioria vive do pequeno extrativismo, do cultivo de mandioca, do gado ou da pesca -o povo prefere muito mais não ser atingido por esses novos projetos do que fazer parte deles. Os políticos, entretanto, sonham com os empregos, os projetos sociais (isso dá pontos na licitação) e preferem que os vencedores do edital instalem as madeireras lá mesmo.

Riqueza mineral
A coexistência com a mineração, também, pode gerar conflitos com novas empresas de madeira no local. A vista desde o avião pousando na pista privada de Porto Trombetas -a dona é a mineradora MRN - suscita uma pergunta. Bauxita ou floresta? Na janela, em meio a área da Flona (Floresta Nacional), vêem-se vários clarões. São os chamados platôs -morros descascados para retirada do minério no meio da floresta.
O ciclo da bauxita na região, segundo Ademar Cavalcanti Silva Filho, gerente de saúde, segurança, ambiente e relações com a comunidade da MRN, vai durar mais uns 35 anos. E, até lá, a mineração terá de conviver com a concessão florestal.
A Flona de Saracá-Taquera, criadas nos anos 1980, protegeu as áreas de bauxita. Agora, os platôs vão ficar no meio das áreas que serão licitadas.
"Não podemos ser contra. A mineração considera o manejo bem-vindo, ainda mais se ele for feito antes [da extração de bauxita]. Não tem problema fazer os dois", diz o piauiense Silva Filho, que há 30 anos vive na "vila privada" de Trombetas.
As audiências públicas serviram para romper a desconfiança da sociedade sobre a concessão, mas pôr em prática a inclusão da comunidade local no projeto ainda é desafiador. O presidente da Câmara Municipal de Faro, que é da zona rural, ilustra a dificuldade.
"Nossa produção aqui é farinha e peixe", diz José Maria Gato Gonçalves (PTB). "É muito mais importante agora tentar preservar a comunidade [dos novos projetos] do que criar uma cultura do manejo".
"Nós vamos trabalhar com as expectativas e a demanda da sociedade", diz Azevedo, pelo governo. A meta em questão é impedir que a exploração econômica fique descolada do desenvolvimento social da região.
O repórter Eduardo Geraque viajou a convite do Serviço Florestal Brasileiro

Audiências em cidades da área são mais animadas que encontros da ONU

Do enviado a Faro (PA)

Antes de conduzir uma audiência pública em Faro sobre o plano do governo de conceder áreas à exploração de madeira, Luiz Carlos Joels, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, realizou uma missão diplomática.
O padre da cidade, Dico, ameaçara atrapalhar a reunião pública, mas depois de uma conversa ele entendeu que a audiência era informativa, e não um plebiscito. Liberou seus fiéis, então. Tinha até carro de som na praça da cidade para protestar.
Todos, então, foram para o "night club", um galpão onde seria o evento. Estava mais animado que uma cúpula ambiental das ONU.
Em todas as reuniões, que duraram pelo menos quatro horas em cada cidade, Marcos Bliacheris, gerente do SFB, era obrigado a pegar o microfone e lembrar que, naquele espaço, campanha política não valia. Foi atendido. Nos bastidores, o advogado gaúcho defendia abertamente a "internacionalização" da Amazônia - ele é torcedor do Internacional.
Em quase todas as falas das pessoas das cidades, a palavra usada era exploração e não concessão florestal, o que pode ser sintomático.
Alguns, no fundo, querem desfrutar de algum tipo de inclusão. Outros, como os quilombolas da região, afirmam que são contra o projeto de concessão. (EG)

saiba mais

Mineração divide espaço com madeira

Do enviado a Terra Santa (PA)

O SFB (Serviço Florestal Brasileiro) e MRN (Mineração Rio do Norte) têm discutido como fazer a exploração florestal conviver com a mineração.
Hoje, antes de explorar um platô de bauxita, a MRN paga pela floresta que existe sobre ele, desmata tudo e vende a madeira. A mineradora reivindica pagar menos, se outra empresa tiver explorado a madeira antes.
Outra questão é a segurança. Com duas empresas na área, responsabilidades precisam ser compartilhadas em casos como incêndios ou acidentes. (EG)

FSP, 27/07/2008, Ciência, p. A22

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