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Ocupação indígena no ES põe em xeque monocultura de celusose

Carta Maior-Brasília-DF
Autor: Maurício Thuswohl
20 de Jun de 2005

Cansados de esperar pela decisão da Justiça reconhecendo como seus 11 mil hectares usados hoje para produção de celulose, 500 indígenas das etnias Guarani e Tupiniquim ocuparam área no município de Aracruz (ES). Em debate, as contradições entre a monocultura de celulose e o discurso do desenvolvimento sustentável.

Bandeira histórica do movimento ambientalista brasileiro, a luta contra a ocupação de vastas extensões de terra pela monocultura do eucalipto e produção de celulose voltou a ganhar força esta semana. Cansados de esperar pela decisão da Justiça reconhecendo como seus os 11 mil hectares de terras indígenas utilizados indevidamente há vários anos pela Aracruz Celulose no município de Aracruz (ES), cerca de 500 índios das etnias Guarani e Tupiniquim ocupam desde terça-feira (17) uma área de 20 quilômetros quadrados de plantio da empresa. A intenção dos indígenas é realizar um processo de autodemarcação nas áreas já reconhecidas pela Funai e pelo Ministério Público Federal.

A briga pela demarcação é antiga, e começou em 1994, quando a Funai, pressionada pelos movimentos sociais, enviou pela primeira vez à cidade de Aracruz um grupo técnico para fazer um estudo de identificação das terras indígenas na região. Na época, sete aldeias tupiniquins e guaranis habitavam uma área de 4,9 mil hectares, mas o levantamento determinou que a área total que deveria pertencer aos indígenas chegava a 18,7 mil hectares. Um segundo estudo, realizado pela Funai em 1998, confirmou o laudo, mas a Aracruz Celulose se recusou a deixar as terras ocupadas pelas suas plantações de eucalipto.

Em 1998, dezenas de famílias indígenas promoveram a primeira ocupação nas áreas de plantio da Aracruz, mas foram retiradas pela polícia oito dias depois, após a obtenção pela empresa de uma liminar determinando a reintegração de posse do terreno. Na ocasião, o então ministro da Justiça, Íris Rezende, pediu vista dos estudos da Funai e, em seguida, determinou a expansão das áreas de reserva indígena para 7 mil hectares. Apesar da discordância da maioria do movimento, as lideranças indígenas foram levadas à Brasília onde, sob a mediação do ministro, assinaram um acordo com a Aracruz segundo o qual aceitavam ficar na extensão de terra estabelecida em troca de um investimento de R$ 13,5 milhões em projetos nas comunidades indígenas a ser realizado pela empresa num prazo de 20 anos.

Técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e membro da Rede Alerta contra o Deserto Verde no Espírito Santo, Daniela Meireles ressalta, no entanto, que as lideranças assinaram o acordo com a Aracruz "sob a pressão do governo federal e a ameaça de perder as terras que já possuíam" e que as comunidades indígenas jamais aceitaram o que foi acordado: "Na verdade, a decisão tomada pelo ministro Íris Rezende é inconstitucional porque, além de desprezar os estudos feitos pela Funai, ignorou as garantias aos povos indígenas estabelecidas na Constituição Federal promulgada em 1988", avalia.

A disputa judicial continuou até 12 de maio deste ano, quando o MP Federal concluiu inquérito sugerindo ao Ministério da Justiça que anulasse a portaria assinada em 1998 e fizesse uma nova, determinando o aumento da área das terras indígenas nos limites estabelecidos pela Funai. A reivindicação dos índios ganhou o apoio do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que enviou ao atual ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um ofício recomendando que o ministério reveja a portaria para "corrigir ato administrativo feito erradamente no passado".

Decisão amadurecida
Daniela Meireles explica que, uma vez que o ministro Thomaz Bastos se encontra de férias até 30 de maio e que a Aracruz Celulose se manifestou contrária à revisão do acordo, os indígenas decidiram promover nova ocupação na última terça-feira (17): "Não foi uma decisão precipitada. Os indígenas vinham fazendo uma reflexão ao longo dos últimos anos e concluíram que o acordo só serviu para desunir as aldeias e não estava trazendo nenhum benefício concreto para elas. Além disso, existe uma forte preocupação com a dependência que se está estabelecendo em relação à Aracruz no futuro, sem falar no crescimento populacional nas aldeias".

Em seguida à ocupação, os índios deram início ao processo de autodemarcação de suas terras e começaram a derrubar os pés de eucalipto. Segundo o cacique Marcelo Guarani, que lidera a ocupação, nenhuma outra espécie de planta está sendo derrubada: "Estamos cortando eucaliptos e demarcando o terreno em total acordo com o mapa feito pela Funai", garante. A Aracruz Celulose, no entanto, não aceita a ação dos índios e deu entrada em novo pedido de reintegração de posse no dia seguinte ao início da ocupação.

A Aracruz obteve uma liminar a seu favor na Justiça, mas os oito agentes e um delegado da Polícia Federal destacados pela Justiça para cumprir a reintegração de posse nada puderam fazer diante dos 500 índios que ocupam o terreno da empresa. Os índios não acreditam em uma ação violenta da polícia, mas o cacique Marcelo afirma que estão preparados para defender a ocupação: "Nosso objetivo é a negociação. Se a polícia voltar, vamos conversar como fizemos da primeira vez. Não queremos que os índios ou qualquer outra pessoa se machuque, mas os guerreiros das tribos vão lutar até o fim para demarcar toda a nossa terra", disse.

Recorde de lucro e produção
Controlada pela transnacional Lorentzen, que pertence à família real norueguesa, a Aracruz Celulose é uma das empresas que mais cresce no Brasil e foi uma das poucas que obteve lucros acima dos conseguidos pelos bancos em 2004 e no primeiro trimestre deste ano. Em abril, a empresa divulgou balanço em que registra um lucro líquido de R$ 201 milhões no primeiro trimestre de 2005, o que representa um aumento de 35% nos ganhos em relação ao mesmo período do ano passado. A empresa, que exporta 98% de sua produção no Brasil, se beneficiou da valorização da taxa cambial no período e do aumento de cerca de 10% nos preços em dólares da celulose no mercado internacional.

A Aracruz também registrou no primeiro trimestre de 2005 seu recorde de produção no Brasil, com um volume de 661 mil toneladas de celulose produzida, o que significou uma receita líquida de R$ 790 milhões no período. A expansão da empresa é combatida por dezenas de ONGs reunidas na Rede Alerta contra o Deserto Verde, que tem esse nome porque a monocultura do eucalipto, segundo os ambientalistas, devasta a biodiversidade nas áreas plantadas, além de empobrecer o solo.

Apesar da oposição, o setor de celulose conta com a simpatia do governo federal e as empresas não param de crescer. Depois de começar suas atividades com pouco menos de 20 mil hectares de terra no município de Aracruz, a Aracruz Celulose, segundo estudo da Fase, já é dona de 385 mil hectares, sendo 250 mil hectares de área plantada com eucalipto nos estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

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