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Obra revela urnas milenares em Manaus

Folha de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: KÁTIA BRASIL
08 de Ago de 2003

Exame de 270 vasos funerários do centro da cidade podem reforçar tese de sociedades complexas na Amazônia

Integrantes do Projeto Amazônia Central escavam sítio arqueológico em praça central de Manaus

A descoberta de 270 urnas funerárias numa praça no centro de Manaus, em julho, reforça a teoria de que a região central da Amazônia foi habitada, há pelo menos 2.500 anos, por sociedades complexas, e não apenas por tribos nômades, como se pensava.
Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, as urnas são semelhantes a outras já datadas, de 1.300 atrás. O solo onde as urnas foram encontradas é formado por terra preta, sedimento rico em matéria orgânica que evidencia a presença humana em larga escala.
"As evidências mostram que essas sociedades causaram uma modificação profunda na paisagem, e as terras pretas são um exemplo disso. Estamos lidando com sociedades numerosas, com especialização na produção de cerâmica e divisão do trabalho", afirma Góes Neves.
As descobertas são resultados das pesquisas do Projeto Amazônia Central, apoiado desde 1999 pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em cidades banhadas pelos rios Negro e Solimões.

Obra hidráulica
As urnas funerárias foram achadas na praça D. Pedro, no centro de Manaus, quando operários trabalhavam numa obra hidráulica da prefeitura da capital. Embaixo de uma camada de grama havia muita terra preta.
Outro indício da existência das sociedades complexas, para o arqueólogo, é que as urnas encontradas na praça são da cerâmica Paredão, descrita pela primeira vez nos anos 60 pelo arqueólogo alemão Peter Hilbert. Ele foi um dos primeiros a falar das sociedades complexas na Amazônia, mas não obteve muito crédito. "Eu mesmo não acreditava no Hilbert. Hoje vejo que ele fez um esforço pioneiro", diz Góes Neves.
Até o final de agosto, três urnas funerárias que estão na praça deverão ser resgatadas pela equipe, que vai receber o apoio da Prefeitura de Manaus para a realização das datações dos objetos.
No meio da praça, perto do coreto, chama a atenção uma escavação de 2 m de profundidade. Dentro, há uma urna de 1,10 m de altura e cerca de 90 cm de diâmetro com ossos de duas pessoas.

Cerimônia
A retirada do artefato da praça acontecerá após a realização de uma cerimônia que será executada por índios tucanos. O ritual é uma exigência de organizações indígenas do Amazonas para que os arqueólogos continuem as pesquisas e foi acertado em reunião anteontem em Manaus.
"O terreno onde estão as urnas é sagrado. Daí a necessidade da pajelança, faz parte da nossa cultura", diz o índio maiuruna Genival de Oliveira, da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Em Iranduba (25 km a oeste de Manaus), a Fapesp investiu R$ 300 mil para que o projeto realizasse 70 datações de artefatos encontrados em escavações, como uma ponta de flecha de 7.700 anos. "Essa ponta de projétil é a primeira encontrada num contexto arqueológico [em escavações] bem definido na região amazônica", afirma Góes Neves.
Nos sítios de Iranduba, os arqueólogos acharam grande quantidade de cerâmica misturada a uma camada de terra. "As datações comprovaram 2.000 anos de antiguidade dessa terra preta. Os indivíduos usavam a terra para empilhar a cerâmica em muros para proteção das aldeias."
"Estamos mostrando que existiu um processo contínuo de ocupação da Amazônia, que começa há pelo menos 11 mil anos e que vai culminar numa explosão demográfica e cultural há 2.500 anos", afirma Góes Neves.

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