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Obra gera conflito entre índios tremembés

FSP, Brasil, p. A11
20 de Nov de 2006

Obra gera conflito entre índios tremembés
No interior do Ceará, construção de complexo hoteleiro faz indígenas que trabalham no empreendimento negar origem
Enquanto isso, índios contrários à obra lutam pela demarcação da terra, que está perto de acontecer, diz chefe da Funai no Estado

Kamila Fernandes
Da agência Folha, em Itapipoca

Uma disputa por terras no litoral do Ceará causou um conflito entre índios tremembés de uma mesma aldeia, já reconhecidos pela Funai, e está fazendo com que parte deles renegue sua própria origem e apóie um grupo empresarial que quer construir um complexo turístico bilionário na região.
Das 160 famílias tremembés que vivem nos vilarejos de São José e Buriti, em Itapipoca (a cerca de 150 km de Fortaleza), 60 dizem que seus antepassados nunca foram índios.
Por coincidência ou não, essas famílias passaram a trabalhar, desde 2003, para o grupo espanhol que quer instalar na área o complexo Nova Atlântida, que prevê a construção de 28 hotéis de luxo, além de condomínios residenciais para estrangeiros e campos de golfe -tomando 3.200 hectares de praia. O investimento é estimado em ao menos R$ 1 bilhão.
Entre os contrários à obra, há a convicção de que os antepassados, e eles mesmos, são índios, e a esperança de que a terra seja demarcada. Segundo o chefe da Funai no Ceará, o processo está perto de começar.
A discórdia entre os tremembés ocorre dentro das próprias famílias. Um exemplo, semelhante ao de várias famílias ouvidas pela Folha: nenhum dos cinco irmãos de Maria Rosemeire dos Santos Silva, 43, fala mais com ela. Analfabeta e mãe de seis filhos, Maria diz que tem orgulho de ser tremembé e que vai lutar pelo que é de seu povo. O resto da família, inclusive seu pai, renegam a origem e apóiam o complexo turístico.
As duas comunidades são pobres. Não têm energia elétrica nem água encanada. As fontes de sobrevivência são a agricultura e a pesca. A maioria delas é ajudada pelo Bolsa Família.
Apesar de já ter sido reconhecido como povo indígena, os tremembés de Itapipoca ainda não contam com um programa de saúde da Funasa.
Para a indigenista Maria Amélia Leite, 76, que trabalha com índios há 45 anos, com o início do programa de saúde indígena, que inclui saneamento básico e distribuição de remédios, muitos vão mudar de lado.
O início do levantamento cadastral da área já deveria ter começado, diz Oliveira, mas, devido ao conflito, a Funasa espera contar com o apoio da PF.
Entre os que apóiam a empresa, os argumentos são pragmáticos: antes, não havia emprego; agora, há. O marido, os três filhos e os três genros de Maria de Jesus do Nascimento, 58, trabalham na obra. Alguns como vigia ou pedreiro. O salário de vigia é de R$ 400, alto para os padrões da comunidade.
Desde que a família começou a trabalhar conseguiu construir uma casa de tijolos, com piso de cerâmica, o que não é visto na maioria das casas.
Representante do empreendimento, o advogado Felipe Abelleira disse que desde o século 18 há registros públicos de que as terras são propriedade privada. Ele diz que o pai dele comprou as terras em 1979.
A Secretaria do Meio Ambiente autorizou a obra, mas liminar da Justiça Federal a suspendeu. Sem poder construir, empresários fazem um viveiro de frutas para manter a posse.

FSP, 20/11/2006, Brasil, p. A11

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