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Obra do PAC tropeça na mata atlântica

FSP, Ciência, p. A26
16 de Nov de 2008

Obra do PAC tropeça na mata atlântica

Projeto de megaporto em área de 1,7 mil hectares perto de Ilhéus, sul da Bahia, divide lobbies da mineração e do turismo
Ambientalistas dizem que projeto está em lugar errado e ameaça 680 hectares de floresta e o futuro da região como pólo de ecoturismo

Eduardo Geraque

O chamado desenvolvimento sustentável aceita tudo. Um emblema da fragilidade desse conceito está escancarado no sul da Bahia, onde a mata atlântica, em estado bruto ou em regeneração, ainda resiste. Com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), da iniciativa privada e de seus cofres, o governo da Bahia projeta a instalação de um complexo logístico de 1,7 mil hectares entre Ilhéus e Itacaré. A construção do porto, da ferrovia (de 1.500 km) e do novo aeroporto está orçada em R$ 6,5 bilhões.
A obra não sai sem que pelo menos 680 hectares de mata atlântica desapareçam. Para o governo baiano, a obra é inevitável "para desenvolver a região sul da Bahia, que já foi uma das mais importantes do Brasil na época do auge do cacau", afirma Antônio Celso Pereira, superintendente de Comércio e Serviços da Secretaria de Comércio, Indústria e Mineração da Bahia. "Isso não significa que o governador Jaques Wagner vai rasgar as leis ambientais" (leia texto ao lado).
Do outro lado da linha do desenvolvimento sustentável, ambientalistas e a Associação de Turismo de Ilhéus estão contra o projeto. Os primeiros, por causa da mata atlântica. A segunda instituição não quer um porto em seu horizonte porque onde existem navios de carga chegando e saindo não há espaço para resorts e campos de golfe -outra "benfeitoria" que não convive bem com a mata. Os hoteleiros entraram na Justiça com uma ação contra o Estado, ainda não julgada.
A âncora do megaempreendimento -o porto, quando totalmente pronto, será o segundo maior da região Norte-Nordeste-, é a empresa Bahia Mineração, que é brasileira, mas tem capital indiano e também do Cazaquistão, da gigante ENRC. Segundo Amaury Pekelman, gerente de Comunicação e Desenvolvimento Sustentável da empresa, o novo porto não terá um impacto significativo sobre as praias do norte de Ilhéus. Ele explica que quem passar pela estrada que liga Ilhéus a Itacaré, por exemplo, "nem vai ver nada".
A área de estocagem do minério, de 80 hectares aproximadamente, ficará longe da estrada e da praia. Uma esteira de sete metros de altura atravessará a região preservada, a estrada e toda a praia para chegar ao litoral. Os navios, um de cada vez, afirma Pekelman, vão ficar a 2,5 quilômetros da costa. O minério será transportado por toda a região em pó. A capacidade para embarque -as primeiras cargas, pelo cronograma, devem sair no segundo semestre de 2011- é de 70 mil toneladas por dia.

Não no meu quintal
"Esse projeto é um contra-senso", afirma José Adolfo de Almeida, professor da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), que na quarta-feira organizou um evento para discutir a obra. "Mesmo aqui na região existem outra áreas já degradadas que podem receber o porto", afirma Almeida, baseado em estudos feitos na própria instituição de ensino. Outros trabalhos da UESC mostram que a região diretamente afetada pelo projeto Porto Sul tem 40% de mata em estado avançado de regeneração.
Há mais de cinco anos, o empresário alemão Thilo Scheuermann, 48, decidiu investir em Ilhéus. Seu pequeno hotel, de 16 chalés, está parado. Segundo ele, um investimento de R$ 15 milhões está ameaçado. "Todos acreditamos no governo, que disse que o turismo seria prioritário na região." Outros cinco projetos turísticos, bem maiores do que o de Thilo, estariam engatilhados para o local.

Plano inclui ligação ferroviária com o Pacífico e novo aeroporto

O projeto de construção do complexo do Porto Sul, que será montado também próximo à lagoa Encantada -que tem esse nome devido a várias lendas que existem sobre o local, como a dos navios iluminados que vagam por suas águas-, é apenas a ponta de um projeto mais ambicioso de infra-estrutura.
O governo do Estado da Bahia enxerga o novo porto em Ilhéus acoplado a uma ferrovia de 1.500 km, que vai ligar o litoral ao oeste do Estado e também ao Centro-Oeste. E ao novo aeroporto internacional.
Segundo Antônio Celso Pereira, da secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Estado da Bahia, o cronograma do projeto todo é de 30 anos. "Será a ligação ferroviária entre o Atlântico e o Pacífico", afirma rechaçando criticas de ambientalistas. A "harmonização" entre o "porto, o ambiente e o setor turístico" é factível, diz.
Do ponto de vista prático, tanto o governo quanto a empresa Bahia Mineração, âncora do megaprojeto, estão ainda na fase de realização dos seus estudos de impacto ambiental. Oficialmente, os dois interessados na obra pretendem entrar com os primeiros pedidos de licença nos órgãos ambientais até meados de 2009.
Apesar de todo o discurso em favor da obra, "e de ela ser de fundamental importância para o desenvolvimento do sul e do oeste da Bahia", Pereira não crê que isso vai pressionar a decisão dos órgãos ambientais.
"O Ibama, e o ministro Carlos Minc são pessoas sérias", afirma. Do ponto de vista legal, algumas licenças terão que ser dadas também pelo próprio Estado da Bahia. "A vocação turística da região será preservada. Obras como essa nos darão até mais recursos para melhorar a preservação ambiental que hoje é insuficiente em Ilhéus."
O discurso oficial vende a idéia -segundo, Pereira verdadeira- de que empregos e renda chegarão ao litoral e por toda a região onde a ferrovia passar. "Em toda aquela microrregião de Ilhéus vivem hoje 1 milhão de pessoas. Já existe favelização, problemas com tráfico de drogas. É preciso que sejam gerados pelo menos 200 mil empregos naqueles municípios".
O terminal portuário, que deverá também escoar grãos da região de Barreiras (BA) ou urânio de Caetité (que hoje passa por Salvador) causará um impacto só local, diz Pereira. "É melhor concentrar tudo do que fazer vários portos pelo litoral".

Ópera da discórdia
Enquanto a grande obra do porto é projetada, a terra da Gabriela de Jorge Amado já incorporou a discussão sobre o novo porto também nas artes. O grupo da Casa da Cultura de Ilhéus montou uma opereta intitulada "Porto Sul, Artimanha do Mal". Num refrão, o texto da peça diz: "não somos contra o progresso, não somos da oposição".

O repórter EDUARDO GERAQUE viajou a convite da ONG Instituto Floresta Viva

FSP, 16/11/2008, Ciência, p. A26

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