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O universo cotidiano dos Sateré-Mawé

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br
Autor: Renan Albuquerque
05 de Jan de 2015

Ao se estudar relações interétnicas e processos de diferenciação resultantes da interação dos Sateré-Mawé com o mundo dos brancos, projetou-se que o sistema de coesão da etnia, assim como de grande parte dos grupos Tupi, molda decisões em consensos construídos via consulta a chefes familiares. Assim, o fazer político tende a ser transpassado por relações de parentesco e por vezes opções de compadrio.

Similar a essa construção de esquema parental é a motivação para a sociopolítica dos Sateré-Mawé, a qual está resguardada na responsabilidade da pessoa indígena no contexto do comportamento coletivo. Os aldeamentos, ao possuírem tuxaua investido de autoridade para resolver conflitos internos, convocar reuniões, marcar festas e rituais, orientar atividades agrícolas e atos comerciais, são a representação funcional do destacado.

Também sobre relações endoétnicas e interétnicas, relatos sobre a temática da comunalidade dos Sateré-Mawé indicam que existe complexidade na descendência patrilinear da etnia, cujo impacto infere a propulsão de casamentos de primos consanguíneos bilaterais, de tios de primeiro grau e de tios com sobrinhas de primeiro grau, sendo estas filhas de sua irmã.

A perspectiva altera contextos de exocasamento da pessoa Sateré-Mawé, cuja afirmação é controversa dadas as circunstâncias em que a formação consanguínea de clã para clã nem sempre é bem-vinda.

No que se remete à autoridade do tuxaua, a ele cabe hospedar visitantes por generosidade ou favor, proceder à função cerimonial de oferecer çapó - bebida de guaraná utilizada pelos Sateré-Mawé - e firmar preceito coletivo para além dos limites da aldeia, segundo seu desempenho como chefe, suas relações com demais tuxauas e, sobretudo, com o tuxaua-geral da tribo.

O grau de influência política de um tuxaua oscila segundo i) clã a que pertence, ii) parentesco, iii) conhecimento sobre o tempo dos velhos para mitologias, iv) capacidade como orador, v) grau de generosidade, vi) tradição de agricultor e beneficiador de guaraná, vii) habilidade para comércio, viii) resolução de problemas e ix) relações com agentes da sociedade envolvente, principalmente Fundação Nacional do Índio (Funai) e políticos locais.

O poder delegado ou a estrutura do poder entre os Sateré-Mawé tem, porém, suas controvérsias. Não é a organização em clãs e o tuxaua representante do clã que exercem autoridade sobre entes. Lideranças compõem junto ao tuxaua a estrutura de poder: i) o capitão, instituído pelo extinto Serviço de Proteção Indígena (SPI) e reforçado pela Funai; ii) o agente indígena de saúde; e iii) o enfermeiro ou técnico de enfermagem do posto local.

Na esfera social, relações de casamento, mutualidade e divisão do trabalho obedecem a regras da exogamia clânica. Sem rigidez, porém, pois índios podem casar com pessoas do mesmo clã, mas se recomenda a preferência a integrantes de outros clãs, tendo em vista fortalecimentos familiares. A proibição é quanto ao incesto, o qual se limita à relação de consanguinidade entre irmãos e irmãs, filhos de mesmo pai biológico e com parentela simbólica de padrinhos.

O parentesco Sateré-Mawé estabelece, ainda, o pertencimento político ao grupo. Clãs passaram a ser "unidades de filiação flexíveis no que concerne ao reconhecimento genealógico, razão pela qual adotam-se membros vindos de fora"(1).

Na economia se destacam agricultura e artesanato. O sentido da produção naturalmente é diferente ante sociedades urbanas e capitalistas, por ser voltada à comunidade acima de demais contextos. A economia indígena é significada a partir da necessidade humana presente, dado que o trabalhador não se aparta de papeis e obrigações comunais para planejar-se individualmente. Ele é chamado a verificar se a produção alcança a totalidade de pessoas que dela dependem. No cultivo, são consideradas questões de ordem social, ritual e religiosa.

Note-se, assim, que a estrutura cotidiana e os hábitos manifestos da etnia diferem em boa medida dos sistemas de convivência adotados em sociedades não indígenas, o que naturalmente significa dizer que comunidades urbanas possuem ideias conflitantes com comunidades aldeadas. E é justamente essa complexidade da vida que fundamenta a evolução humana.

(1) BERNAL, Roberto Jaramillo. Índios Urbanos: processo de reconformação das identidades étnicas indígenas em Manaus. Manaus: Faculdade Federal do Amazonas/Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2009. (CITAÇÃO - BERNAL, 2009, p. 89).

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