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O 'Trump brasileiro' que vê índios como entrave à economia

O Valor, Politica, p. A8
29 de Fev de 2016

O 'Trump brasileiro' que vê índios como entrave à economia

Cristian Klein

O deputado mais radicalmente de direita do país - ex-capitão do Exército que marcha para a disputa presidencial de 2018 - tem o temperamento forte e a língua explosiva. Em duas horas de conversa, Jair Messias Bolsonaro, 60 anos, faz o previsto, em sua zona de conforto. Vocifera contra direitos de minorias - negros, homossexuais, indígenas, analfabetos - além de refugiados e crianças vítimas de bullying: "Estamos criando uma geração de covardes". Os ataques, por vezes, servem de muleta para tergiversar quando o assunto é economia. "Você não está me entrevistando aqui como candidato. O que eu sei é cultura geral", esquiva-se.
Bolsonaro defende princípios da plena liberdade à iniciativa privada - "A classe empresarial são uns heróis rotulados de forma pejorativa como opressores" - que convivem com um ideário vagamente nacionalista. Opinar sobre a independência do Banco Central provoca o momento em que, num giro de 180o, seu pensamento encosta no que defende a esquerda. "Daí eles decidem a taxa de juros de acordo com os interesses dos colegas do mercado financeiro? Então é melhor o pessoal do Banco Central governar o país como se uma junta fosse", diz. Acrescenta que as pessoas no BC "não são independentes", assim como as das agências reguladoras. "São escolhas políticas", argumenta.
Desde o ano passado, a escolha de Bolsonaro foi a de não concorrer a um novo mandato na Câmara, onde está desde 1991. É o sétimo consecutivo, conquistado com 464.572 votos, a maior votação no Rio. Agora, aposta na disputa à Presidência, com sua saída do PP - legenda da base do governo - e filiação no Partido Social Cristão (PSC), dirigido pelo pastor Everaldo Dias, derrotado ao Planalto em 2014.
Os filhos, também do PP, devem acompanhá-lo na migração: Flávio, 34, deputado estadual, e Carlos, 33, vereador. O terceiro, Eduardo, 31, deputado federal, já está no PSC, eleito por São Paulo. É ainda pai de Renan, 17, fruto de uma união estável, e Laura, 5, com sua atual mulher, Michelle, 35, ex-funcionária comissionada da Câmara e de seu gabinete. "Eu não achava que precisava. Mas para não falar em nepotismo, foi demitida quando casamos", conta.
Bolsonaro surfa na onda conservadora que o põe na posição de uma espécie de Donald Trump brasileiro. O parlamentar acha graça da comparação com o bilionário americano, que vem vencendo as primárias do Partido Republicano com discurso de extrema-direita. "A única diferença é que sou um pouco mais rico do que ele", brinca. Depois reclama: "Ele [Trump] é tratado pela mídia como, em parte, sou tratado aqui também. Vai pro deboche".
Nem tanto. Há quem no eleitorado o leve a sério. Na pesquisa CNT/MDA, divulgada na quarta-feira, Bolsonaro tem entre 6,1% e 6,4% das preferências, e fica em quarto ou quinto lugar dependendo do cenário. O combinado, diz, é que o PSC lhe dê legenda para concorrer caso alcance um percentual perto dos 8% ou 9%.
É por esses números que o deputado tem percorrido o país. Em um ano, já viajou por dez capitais e grandes cidades, onde é alvo de festa e retaliação. Em 25 de janeiro, por exemplo, foi recebido no aeroporto de Porto Alegre sob a animação de uma barulhenta charanga que embalava cerca de 100 simpatizantes. No dia seguinte, o movimento LGBT promoveu um tumultuado beijaço durante sua visita à Assembleia Legislativa. "Me jogaram purpurina. Até agradeci à bicharada. Deu capa nos jornais", lembra.
Sempre que pode, Bolsonaro volta à zona preferida, das polêmicas. É o que lhe rende manchetes, propaganda gratuita.
Sua ação política é multiplicada pelas redes sociais. Tem mais de dois mil grupos no Whatsapp, com até cem participantes em cada. Mostra, no celular, o nome das turmas: Orgulho de Ser Opressor, Direita Cristã, Reacionários Opressores, Conservadores Zueiros, Economistas de Direita, Orgulho de Ser Reaça, Bolsopressor, Norte Nordeste de Direita, Caçadores de Comunistas, Fábrica de Direitistas. Ressalva que não está em todos, pois às vezes sai do grupo, mas é incluído novamente por quem o administra.
Um deles é o #IntervençãoMilitar07/09, cuja causa trata com certo tom de desprezo. "Isso não existe. É artigo 142", afirma, citando o dispositivo da Constituição de 1988 que estabelece que as Forças Armadas são instituições organizadas "sob a autoridade suprema do Presidente da República". Ele conta com 2,26 milhões de seguidores no Facebook e se vangloria: "Passei o Lula no mês passado".
Mas o que pensa mesmo Bolsonaro sobre economia? Sua visão está voltada para típicas preocupações da época dos militares no poder, como a soberania e exploração de recursos naturais, ou a ideia geopolítica de Brasil potência alinhada aos Estados Unidos. Fala da importância do potássio, do nióbio, do desperdício de dinheiro no acordo com a Ucrânia para a base de lançamento de foguetes em Alcântara (MA) ou da construção da linha de transmissão de energia Itaipu-Assunção para beneficiar o Paraguai.
"Temos que criar a Opep do nióbio, é um negócio valiosíssimo", propõe. Afirma que o país tem o monopólio da produção mundial do metal mas o vende ao exterior como liga de ferro, abaixo do que seria o valor real. Com o Canadá, que tem 3% das reservas, defende, o Brasil poderia criar associação semelhante à dos produtores de petróleo. O problema, continua, é que boa parte do nióbio está em áreas indígenas. E Bolsonaro é obcecadamente contra.
Argumenta que o agronegócio "é a locomotiva da nossa economia", mas 75% das terras agricultáveis para fins comerciais dependem de corretivos para o solo, como o potássio, que vem da Rússia. Receia que, se os russos aumentarem o preço, perderemos competitividade. Mas lembra que o Brasil tem potássio na região do rio Madeira, cuja exploração é impedida pela necessidade de licenças ambientais ou por estarem em reservas indígenas. "O nosso país está totalmente inviabilizado. Tudo virou área indígena", reclama Bolsonaro, que amplia as queixas à política fundiária para quilombolas.
Questionado se índios e descendente de escravos são empecilhos ao desenvolvimento, o parlamentar dá uma declaração que arregalaria os olhos de qualquer antropólogo crítico do etnocentrismo. "O índio não quer latifúndio. O índio quer energia elétrica, quer televisão, quer internet, quer um dentista".
Para Bolsonaro a política indígena resulta de pressão internacional, embora não explique como se daria a intromissão dos estrangeiros. Menciona um antigo mapa metalogenético de 1970 - que diz ter em seu gabinete em Brasília - o qual identificava reservas de "nióbio, ouro, diamante, prata, bauxita, potássio, tudo" que, desde então, passaram a integrar terras indígenas.
Só a pressão de fora, diz, explica porque nove mil ianomâmis ocupam uma área duas vezes maior do que a do Estado do Rio, e conseguem mais terra do que "os marginais do MST". "O índio tem tudo para se tornar independente. Tem ianomâmi que fala inglês melhor que muita professora por aí. Aí o cacique vai se transformar em presidente ou governador e está na cara que vai ser recolonizado pelo primeiro mundo", especula. Sobre privatização, o deputado se diz contra a do Banco do Brasil - pois prejudicaria o produtor rural - e tem dúvidas em relação à da Petrobras, a qual primeiramente deve ser "despetizada". "Depois vê se passa à iniciativa privada. Não estou com o conhecimento minucioso dos problemas nacionais", reconhece.
De volta à zona de conforto, Bolsonaro diz que mudar o sistema de educação é o primeiro passo para "tirar um povo da escravidão". Defende um ensino rígido, semelhante ao das escolas militares, baseado na autoridade: "Você só respeita o que você teme. Tira Paulo Freire do pedaço".
Sua reforma política seria proibir o voto de analfabetos e pessoas sem renda comprovada no ano anterior: "Tem que ser excludente!" Ciente da radicalidade das propostas, afirma que pedirá "pelo amor de Deus" que seus eleitores votem nos deputados que indicar. "Se não vou ser refém desses caras [parlamentares]. Vão cassar o meu mandato ou vou ser um pulha - como a Dilma é pulha, como Lula foi pulha, e como FHC foi também um... vendido [na emenda da reeleição]. O PSDB é um genérico do PT", dispara.

O Valor, 29/02/2016, Politica, p. A8

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