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O teatro do absurdo ambiental no Brasil

Isto É Dinheiro - https://www.istoedinheiro.com.br/
Autor: PINHEIRO, Lana
21 de Out de 2022

O teatro do absurdo ambiental no Brasil
De tanto manipular a verdade, Jair Bolsonaro parece quase acreditar que é um presidente alinhado com a importância da preservação das florestas.

Lana Pinheiro

21/10/2022

Do seio do teatro do absurdo, movimento cultural que floresceu na França na metade do Século XX, surgiu uma das maiores e mais atemporais peças da dramaturgia mundial. O Rinoceronte, de Eugène Ionesco, trata de uma estranha epidemia de rinocerontismo: de repente cidadãos de uma pacata (e qualquer) cidade do mundo se transformam em rinocerontes. No começo havia pânico e negacionismo. Aos poucos, porém, seduzida pela vontade de experimentar o poder que só as grandes bestas possuem, a maioria começou a se deleitar com a imagem que via no espelho acreditando serem seres abençoados em processo evolutivo. Se achavam reis, enquanto a humanidade era feia e desprezível.

Ionesco partiu em março de 1994 aos 81 anos sem ver a reedição de sua obra. Dessa vez, não em uma publicação de capa dura ou em uma plataforma tecnológica como livro digital. Tão pouco, como grande espetáculo na Ópera Garnier. A encenação atual é muito maior. Uma releitura moderna onde uma parte da plateia de mais de 200 milhões de pessoas acredita ter os poderes das bestas-feras, e a outra luta para manter vivo o personagem Bérenger, seu anti-herói que, por acreditar nos valores que fazem dele um humano, se negou a ceder aos encantos animalescos. Os atores atuais do teatro do absurdo são brasileiros.

Dentre tantas as atrocidades que rinocerontes daqui andam cometendo, o destaque é para a destruição de seu habitat, um manancial de biodiversidade, bioativos e bioenergia. Para justificar tamanha insensatez, só a suposição de que estão tão encantados com o chifre no meio do focinho que se tornaram míopes para um futuro de trilhões de dólares atrelados a uma economia verde, inclusiva e regenerativa. A culpa é do líder da manada que foi alçado ao papel de protagonista em 2018 com a promessa de que desmantelaria a política ambiental em uma suposta ação desenvolvimentista e que agora mente ao mundo afirmando que "o Brasil é o exemplo na preservação das florestas". Sua incoerência nem faz cócegas aos seus.

Mas o fato é que o Brasil retrocedeu no seu soft power ambiental. Há quatro anos, Bolsonaro recebeu o País com um índice de desmatamento anual de 6.947 km2, e o entregará com mais de 13.038 km2 (2021), alta de 87,7%. No acumulado dos quatro anos, a área alcançou o equivalente a 5 milhões de campos de futebol. Neste período, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi sufocado por falta de verbas, assim como o foram o Ibama e a Funai. Segundo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Socioambiental (ISA), o orçamento dos órgãos federais com funções socioambientais caiu de R$ 13,1 bilhões em 2014 para R$ 3,7 bilhões em 2021, o menor em 17 anos.

Em paralelo, o Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa foi desmontado. Vale lembrar que a política foi criada pelo Ministério do Meio Ambiente do Governo Lula em 2004 quando o desmatamento bateu 27.772 Km2, o segundo maior valor desde 1998. Daquele ano até 2010, no fim do segundo mandato do petista, o índice havia caído para 7 mil Km2,, redução de 74,8%. Trabalho que foi para o ralo.

Uma das maiores consequências desse retrato para o futuro do País, mora na sua interseção com o agronegócio. No último dia 13 de setembro, o Parlamento Europeu aprovou nova lei antidesmatamento para o bloco. O objetivo é impedir a entrada de produtos ligados à derrubada de florestas nativas ao redor do mundo. Estão incluídas nas restrições commodities como gado, cacau, café, soja, madeira, milho, suínos e aves. Olha o problema aí: segundo o Sistema Integrado de Comércio Exterior do governo federal, dos US$ 120 bilhões em produtos agropecuários brasileiros exportados no ano passado os principais foram a soja (53,5%), os produtos florestais (14,4%), as carnes (8,3%), o complexo sucroalcooleiro (7,0%) e o café (3,9%).

Detalhe adicional e mais preocupante é que essa pauta chegará quente na Cop-27, em novembro, com pressão do bloco para que a mesma regra seja adotada por outros países. E não adianta os rinocerontes esbravejarem. Eles já não têm voz e, como diz o texto da peça na qual parecem se inspirar, "quem tem razão é o mundo, não é você nem eu".

Lana Pinheiro é editora de ESG da DINHEIRO e editora da Dinheiro Rural

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