VOLTAR

O sonho de um Brasil e um mundo melhores

JB, JB Ecologico, p.38-39
Autor: SILVA, Marina
07 de Jan de 2004

O sonho de um Brasil e um mundo melhores
Marina Silva: Discurso na abertura da Conferência Nacional do Meio Ambiente

Aprendi que há dois tipos de problemas na administração pública: os urgentes e os importantes. A tendência geral da administração pública brasileira era atender as urgências, ocupar-se com o dia-a-dia, dar respostas pontuais, buscar resultados imediatos e, principalmente, fazer ações que tivessem impacto na opinião pública. Enquanto isso, as importâncias iam ficando para depois. O passivo de problemas estruturais e a indefinição em questões estratégicas eram sempre empurrados para os governos futuros.
O governo do presidente Lula preocupou-se, desde o início, em recuperar a capacidade de planejamento do Estado brasileiro. Por isso, sem descuidar das questões imediatas e dos problemas do dia-a-dia, buscamos reservar tempo e dedicação às questões estratégicas e às ações estruturantes.
A Conferência Nacional de Meio Ambiente tem esse caráter. Ela busca aperfeiçoar a política ambiental brasileira para que tenha a dimensão do Brasil e que considere a importância estratégica do nosso país para o futuro do mundo.
Nunca é demais repetir as quatro diretrizes que definimos para as ações do Ministério. A primeira delas é o desenvolvimento sustentável. Meio ambiente não é um entrave ao desenvolvimento, é a garantia de um desenvolvimento adequado. A floresta, o pantanal, os rios, o mar, nada disso impede o Brasil de desenvolver energia, indústrias ou transportes, de gerar empregos e moradia, de distribuir renda e justiça social. Ao contrário, a natureza é a fonte de todas essas riquezas. Só precisamos aprender a fazer as coisas de modo adequado, a tomar os cuidados necessários, a seguir as leis e a ouvir a voz do bom senso.
A segunda diretriz é o que chamamos de transversalidade. A política ambiental do governo deve estar no Ministério dos Transportes, da Agricultura, de Minas e Energia, em todas as ações de todos os setores. É nesse sentido que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem trabalhado, e tem tido boa receptividade nisso, para a construção de agendas bilaterais com esses ministérios.
Nossos programas dialogam também com o Fome Zero e introduzem a idéia de uma Sede Zero. Não podemos nos dar ao luxo de ver projetos importantes embargados na Justiça por não termos sido capazes de planejá-los de forma a atender a legislação do país.
Nossa terceira diretriz é o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente. O Sisnama não é apenas um conjunto de instituições e órgão públicos. É o espaço no qual a participação da sociedade se materializa por meio dos Conselhos de Meio Ambiente. E esse conjunto é o principal guardião das leis, dos procedimentos e dos conhecimentos sobre o ambiente, que o Brasil acumulou nas últimas décadas. E isso nos leva à nossa quarta diretriz que é o controle e a participação social. Acreditamos que cuidar do Brasil não é tarefa apenas do governo, mas do povo inteiro. A participação não é apenas um direito da cidadania, mas um dever constitucional. Não elegemos um governo para depois cruzar os braços e ficar esperando dele todas as soluções. Nesse contexto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem valorizado e investido no bom funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conama, espaço já consagrado de participação e controle social do Sisnama. Além disso, reformulou, de forma a ampliar a participação, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e criou a Comissão Nacional da Biodiversidade, a Comissão do Programa Nacional de Florestas, além dos grupos de trabalhos (GTs) da Mata Atlântica e do Cerrado. E já estamos em fase de formação do GT da Caatinga.
Essa conferência é um momento especial de participação do povo brasileiro na definição de uma política ambiental. Foi preparada em todos os estados, com participação, na sua versão adulta, de cerca de 60.000 pessoas e envolveu 16 mil escolas, em tomo de seis milhões de estudantes, professores e familiares.
Ela é o maior esforço até agora realizado de definir uma nova relação do povo brasileiro com a natureza. Desde o início da formação deste país, mantivemos uma relação dúbia: louvamos a natureza em prosa e verso, exaltamos a beleza e a riqueza de nossa terra, onde, segundo o Hino Nacional, os campos têm mais flores e os bosques tem mais vida; mas, ao mesmo tempo, destruímos 93% da Mata Atlântica, desertificamos o Nordeste, poluímos os nossos rios, avançamos de forma avassaladora sobre o cerrado e estamos ameaçando a integridade da Amazônia de forma preocupante.
É chegada a hora de tomar consciência da realidade, sair da esquizofrenia que opõe o romantismo naturalista ao pragmatismo economicista. No seu discurso de posse, no Congresso, o presidente Lula disse uma frase histórica: "Este é o momento do encontro do Brasil consigo mesmo". De fato, no que diz respeito ao meio ambiente, chegou o momento em que o povo brasileiro se encontra com sua própria natureza. Nesse encontro, toma consciência de suas riquezas e potencialidades, mas também dos erros e omissões que se acumularam nestes cinco séculos de formação de nossa nação.
Enfim, o encontro do Brasil consigo mesmo nos revela a extensão de nossos problemas e da nossa responsabilidade. Neste momento, devemos afastar de nossa consciência qualquer ilusão de facilidade, qualquer desejo de soluções mágicas, qualquer tentação de fazer ações espetaculares. Da mesma forma, devemos afastar o desânimo, o desespero de achar que os problemas não têm solução, a mediocridade do administrativismo que vai empurrando os problemas para mais adiante. É hora de cuidar.
O rumo que tomarmos hoje definirá nosso futuro. E não apenas o nosso, mas o do planeta em que vivem seis bilhões de pessoas. Para o Brasil, é óbvia a necessidade de ir além dos fracos resultados de implementação de tudo o que é discutido na esfera internacional. Governantes, políticos, sociedade civil organizada e cidadãos comuns estão saturados com a grande profusão de acordos, convenções e organizações que se mostram ineficientes e incapazes de responder às expectativas que se avolumam em tomo deles. Não é por acaso que a sensação de muitos dos delegados presentes à Cúpula de Joanesburgo foi de fracasso. Mas uma conferência como a que estamos realizando traz, consigo, a perspectiva otimista de que o Brasil possa assumir um papel de protagonista internacional, ao estabelecer políticas públicas concretas e factíveis que se traduzam na implementação dos diversos compromissos internacionais por nós assumidos. Isso constitui o que venho chamando de liderar por exemplos, o que nos posiciona de maneira diferenciada nos foros internacionais e nos permite exercer uma forma de "constrangimento ético" sobre as outras nações e grupos regionais que, a despeito de estarem muito mais capacitados para isso do que os países em desenvolvimento, não partilham desse mesmo esforço.
Para isso estamos iniciando duas conferências, uma delas reunindo a próxima geração, os cidadãos do futuro.
Para encerrar: uma visão do futuro. Só conseguiremos enfrentar e vencer as dificuldades que a realidade nos apresenta, se o nosso sonho for mais forte que esta realidade. E a história está cheia de sonhadores que ousaram fazer com que seus sonhos fossem mais fortes e maiores que a realidade: Martin Luther King, Ghandi, Chico Mendes e Mandela.
Foi com esses sonhos e por esses sonhos que deram o melhor de suas vidas, realizando neles os mais belos exemplos da história: Como que mostrando aos realistas que, se existe uma realidade a ser aceita, é o fato de que sempre foram os sonhadores que mudaram e preservaram o que há de melhor em todo o mundo, em todos os momentos".

JB, 07/01/2004, p. 38-39 (JB Ecológico)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.