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O sonho da fortuna invade a selva

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: HUGO MARQUES
11 de Fev de 2002

Crescimento de garimpo ilegal de diamantes em área indígena de Rondônia preocupa Polícia Federal e expõe contrabando

Todos os meses, mais de uma centena de aventureiros embrenham-se pela mata cerrada que cerca o Igarapé Lage, em Rondônia. Vêm de toda parte do País. Desembarcaram de velhos caminhões em Espigão dOeste, a 50 quilômetros da capital, Porto Velho, quase fronteira de Mato Grosso. Enfrentam os riscos da viagem, uma caminhada de três dias por entre árvores e cipós sob intenso calor tropical, para chegar às margens do rio e à promessa de fortuna. São garimpeiros de diamantes.
Nem todos conseguem. Nos últimos dois meses, a Polícia Federal encontrou cinco corpos na área de 200 mil hectares de floresta, encravada na reserva indígena Roosevelt, território dos índios cinta-larga. Outras duas pessoas estão desaparecidas. Hoje, calcula-se que três mil homens estejam ali em busca das pedras preciosas, vencendo a lama e a fome. Um ano atrás, eram 1.700.

''A situação é incontrolável'', admite Márcio Valério de Souza, chefe da Delegacia de Ordem Política e Social da PF. Mais de cem pessoas foram indiciadas por extração ilegal de diamantes. São garimpeiros, servidores públicos e índios. Há 15 policiais no local. ''Não conseguimos tirá-los de lá'', admite Souza. Os atrativos são imensos. ''Há casos de diamantes encontrados à flor dágua no rio'', relata.

Contrabando - A polícia escolheu outro caminho. ''Tentamos pegar os compradores de diamantes'', conta Souza, contabilizando mais de mil pedras confiscadas. As gemas brasileiras abastecem clandestinamente o mercado internacional. O País, onde estão cerca de 60% das reservas gemológicas do planeta, é um dos principais fornecedores desse comércio. Os lucros, contudo, não são proporcionais. Relatórios do governo federal mostram que as perdas anuais com o contrabando podem chegar a US$ 1,2 bilhão. Além de Rondônia, sabe-se de garimpos ocultos em Roraima, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Da selva, as pedras seguem por rotas variadas até os grandes centros lapidadores, como Antuérpia, na Bélgica.

O engenheiro florestal Antenor Gonçalves Bastos Filho, da Funai, passou o mês de janeiro na reserva para levantar informações sobre o garimpo. Calcula que o negócio ilegal movimentou US$ 50 milhões no ano passado.

A última investida da PF na região de garimpo foi há 20 dias. As dificuldades são imensas. A área é alagada, o melhor caminho é o ar, mas não há helicópteros. ''Quando a gente chega, os garimpeiros se escondem na mata. Fazemos o que dá para fazer'', constata o delegado.

Caciques - Os policiais se concentram em Pimenta Bueno, a 150 quilômetros dos pontos de garimpo. Só descem na floresta com prévia autorização dos aculturados caciques cinta-larga, que transformaram a invasão em lucrativa atividade. Os índios cobram pedágios para permitir a entrada dos caçadores de pedras na área. Pode chegar a R$ 13 mil. As máquinas de extração pagam até R$ 18 mil para chegar ao rio. ''Tem uns dez caciques com carros luxuosos'', descreve.

O Igarapé Lage, um dos maiores da região, corre na reserva indígena. Lendas da tribo rezavam a existência de diamantes nas escondidas minas de Urucumacuam. Sobreviveram. As pedras que atraem a cobiça dos aventureiros são de qualidade acima do padrão.

O delegado Souza não acredita na eficiência de grandes operações policiais, com ajuda do Exército, para resolver o problema. Há um ano, os federais retiraram centenas de garimpeiros da área e confiscaram máquinas. Em novembro, houve 29 prisões e a apreensão de pedras. ''A solução é legalizar o garimpo'', prega o policial.''Vamos acabar com a hipocrisia'', diz, pedindo a ajuda do Congresso Nacional para proteger os índios e a floresta. ''Há 1,2 mil índios na reserva e a maioria não se beneficia com a extração'', protesta.

A devastação ambiental preocupa. ''Há locais em que não se vê mais o rio'', registra o delegado. ''A destruição é muito grande.'' A prostituição foge ao controle. Espalha-se entre os indígenas. ''São meninas de 14, 15 anos de idade'', descreve.

Nos próximos dias, o presidente da Funai, Glênio Álvarez, terá reunião com representantes do Ministério Público Federal pra discutir os garimpos clandestinos. Três funcionários da entidade estão envolvidos com o esquema que protege a extração ilegal de diamantes. Foram presos, prestaram depoimento e agora respondem a processo em liberdade. Outros três servidores, convocados para depor, fugiram.

As investigações da PF levam a uma rede de corrupção em torno dos garimpos. Um caso exemplar é o de um funcionário do Ibama, cujo nome não pe divulgado pela polícia. Desde o surgimento do garimpo de Igarapé Lage, comprou quatro mil cabeças de gado. O patrimônio soma ainda 3 mil hectares de terra. O salário oficial é de R$ 1,8 mil.

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