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O Sistema Cantareira e a segurança hídrica de SP

Valor Econômico, Opinião, p. A12
24 de Abr de 2017

O Sistema Cantareira e a segurança hídrica de SP

Benedito Braga

Agora em maio deve ser publicada a nova outorga do Sistema Cantareira, reiterando e aperfeiçoando o compromisso de todas as partes envolvidas com o múltiplo uso da água desse manancial tão importante para milhões de pessoas que vivem num dos maiores aglomerados urbanos do planeta. O fato mais notável do processo de renovação da outorga foi o trabalho realizado em conjunto entre ANA e DAEE, ouvindo os diversos atores interessados na questão e conseguindo definir uma solução de consenso, que atende demandas tanto da Grande São Paulo quanto da Região Metropolitana de Campinas e do PCJ - área da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
Foram definidos pontos como o prazo da outorga de dez anos, a máxima retirada a partir do reservatório Paiva Castro de 33 m3 /s, a fixação de pontos de controle para garantia de vazões para o PCJ e a Região Metropolitana de São Paulo e a definição de cinco faixas operacionais para o Cantareira. Vale lembrar que a outorga é um instrumento de alocação de água e não deve interferir em áreas que não lhe competem, como por exemplo, o licenciamento ambiental. Cada setor deve legislar, normatizar e regular sobre aquilo que lhe é afeito.
Com essa nova outorga, podemos afirmar que o Cantareira vai bem, obrigado, e o seu futuro está garantido. Durante a crise hídrica, foram vários os ditos especialistas que apareceram com previsões catastróficas de que o Sistema iria sofrer um colapso. Não só ele aguentou firme e prestou serviço de valor inestimável à população da Grande São Paulo diante de um fenômeno meteorológico de proporções inéditas, como, após um ano do final da crise hídrica, entra agora no período seco com cerca de dois terços da sua capacidade já recuperados.
O enfrentamento da seca de 2014/15, a outorga do Cantareira e a sua recuperação fazem parte de uma questão mais ampla: a segurança hídrica da Macrometrópole, que inclui a Grande São Paulo e as regiões de Campinas e da Baixada Santista. A segurança hídrica é um problema complexo e, como tal, não se resolve com soluções simplistas, lineares e monotemáticas. Exige soluções múltiplas e multidisciplinares, com ações estruturais e não estruturais.
No aspecto da infraestrutura, temos obras prontas, em andamento ou a iniciar que ampliam a disponibilidade de água, como o Sistema São Lourenço (Região Oeste da RMSP) e as barragens de Pedreira e Duas Pontes (área da Bacia PCJ). Temos obras que trazem redundância, isto é, são usadas apenas quando necessário, como é o caso das interligações Rio Grande- Alto Tietê e Jaguari-Atibainha. E investimento em obras de redução de perdas, como a contínua troca de redes e a instalação de equipamentos de redução de pressão por parte da Sabesp.
No aspecto não estrutural, trabalhamos com o comportamental e isso tem surtido um efeito fantástico, com a população apresentando hoje um consumo mais consciente, cerca de 20% inferior ao de antes da crise. As campanhas realizadas pelo governo do Estado, meios de comunicação e organismos não governamentais incentivaram as pessoas a incorporar novos hábitos e a valorizar mais a água, um dos mais importantes legados da crise.
Um exemplo recente destas ações é o anúncio de que mais 380 escolas da rede estadual receberão o PURA (Programa de Uso Racional da Água) que promove ações envolvendo reformas nos prédios e o uso de tecnologia para a economia de água, além de campanhas educacionais. Para se ter uma ideia, atualmente, 2.935 imóveis públicos na Grande São Paulo estão cadastrados no programa, sendo que em dezembro do ano passado a diminuição do consumo obtida foi de aproximadamente 380 milhões de litros, quantia suficiente para atender à demanda mensal da população de Arujá, cidade com cerca de 85 mil habitantes.
Que a água é um bem finito e fundamental, a sociedade em geral já tem consciência disso, mas a forma como a disponibilidade dela afeta todos os aspectos da nossa vida é algo que ainda estamos aprendendo, como civilização. Da saúde à produção de alimentos, da geração de energia ao incentivo ao emprego, da vida social às práticas recreativas, do transporte ao meio ambiente, a água está em todos os setores e a maneira como ela é gerida direciona o nosso presente e o nosso futuro.
E, por falar em futuro, é preciso citar aqui o Programa Nascentes, do governo do Estado, que, juntando setor público, empresas privadas e sociedade civil, destina investimentos para proteção e recuperação de matas ciliares, nascentes e olhos-d'água. Com quase dois anos de programa, foram realizados plantios em áreas prioritárias de 84 municípios. Já são 4.955 hectares em processo de restauração, o que equivale a mais de 8,2 milhões de mudas plantadas ou 6.941 campos de futebol. A bacia contribuinte ao Cantareira está entre as beneficiárias deste importante programa estadual.
Hoje, a Sabesp investe 75% de todo o seu lucro em obras e serviços, campanhas educativas e preservação ambiental. Em 2016, este investimento foi de quase R$ 4 bilhões. Para garantir esses investimentos, a tarifa precisa ser bem regulada. Da mesma forma, a definição da cobrança pelo uso da água de nossos rios deve levar em conta as necessidades de todos os seus usuários e as demandas da gestão sustentável de recursos hídricos.
Aliás, o preço da água é definido pelos próprios comitês de bacia, que, em São Paulo têm uma atuação modelo para o país, funcionando de forma participativa, democrática, dinâmica e de elevado nível técnico. São os verdadeiros parlamentos da água, onde se resolvem os conflitos sobre o uso desse bem fundamental não com foco na disputa, mas com foco em qual a melhor forma de compartilhá-lo.
O tema do próximo Fórum Mundial da Água, que acontece no Brasil no ano que vem, é "Compartilhando a Água". O Brasil e São Paulo têm muito a aprender sobre o tema. Mas nós paulistas também temos alguns pontos a ensinar, principalmente no que diz respeito a superar obstáculos atuando de forma ampla e harmônica, enxergando a água não como um fator de conflito, de divisão, mas como um meio de união de interesses.

Benedito Braga é secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Mundial da Água.

Valor Econômico, 24/04/2017, Opinião, p. A12

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