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O risco nuclear

FSP, Opinião, p. A2
Autor: SILVA, Marina
22 de Set de 2008

O risco nuclear

Marina Silva

Após anos de intensos debates, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou, em junho de 2007, a retomada da construção de Angra 3. À frente do Ministério do Meio Ambiente, procurei alertar, durante quatro anos e meio, de que a energia nuclear é cara e terrivelmente insegura, pois gera resíduos radioativos que duram, pelo menos, 50 mil anos. Defendi que a questão deveria ser tratada com muita cautela.
Mas fui voto vencido no CNPE e o assunto foi levado ao Ibama para a concessão da licença prévia que, segundo opiniões técnicas, não poderia ter sido aprovada com modelagem de dispersão de poluentes inadequada e sem apresentação de estudos hidrogeológicos e da metodologia dos estudos sismológicos.
Ainda nem bem terminou essa discussão e já se anuncia acordo com a Argentina na área nuclear e a intenção de construir 50 usinas em 50 anos. Antes de tudo, decisões desse porte não podem ser tomadas à revelia da sociedade, sem profundo debate. A nossa Constituição já indicou o caminho, quando acabou com o segredo e o poder exclusivo de setores do Executivo sobre esse assunto, determinando a aprovação dos projetos de usinas nucleares pelo Congresso.
Nos últimos dias, duas importantes notas de organizações da sociedade civil criticaram duramente a prioridade às usinas nucleares anunciada pelo governo. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (www.fboms.org.br) lembra que até hoje o CNPE "funciona de forma ilegítima, sem a devida nomeação de cidadão brasileiro especialista em energia, que teria direito a voto, conforme previsto em regimento".
Outra nota (www.socioambiental.org.br/nsa/detalhe?id=2748), assinada por 63 ONGs e redes sociais de Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e Paraguai, repudia a nuclearização da América do Sul, via acordo Brasil-Argentina.
Quando a humanidade começou a produzir energia fóssil em larga escala e a jogar seus resíduos na atmosfera, não tinha consciência dos impactos que causaria sobre o clima. No caso da energia nuclear, há conhecimento claro e suficiente sobre o perigo. Por que insistir nessa opção, quando há alternativas como a energia eólica ou a de biomassa?
A população brasileira já se manifestou, em pesquisa de opinião ("O Que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente", Instituto de Estudos da Religião, 2003), majoritariamente (2/3 dos ouvidos) contrária às usinas nucleares. Diante disso e do risco de um grave retrocesso, é preciso que o governo tenha a sensibilidade de parar para refletir e dialogar com a sociedade, enquanto é tempo.

contatomarinasilva@uol.com.br

FSP, 22/09/2008, Opinião, p. A2

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