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O resgate da saúde de 380 mil pessoas

Gazeta Mercantil-São Paulo-SP
03 de Jun de 2003

Nova política pretende levar saneamento
às aldeias para diminuir os altos índices de doenças. Em 2000, o
Instituto Socioambiental encomendou ao Ibope uma pesquisa inédita no
País sobre o que os brasileiros pensavam dos índios. Entre as perguntas
feitas a 2 mil pessoas estava a seguinte: Quais os três principais
problemas que afetam os índios atualmente? Em terceiro lugar apareceu
como resposta " as doenças que eles pegam dos brancos", uma questão
apontada por 28% dos entrevistados. Mesmo vivendo distante das
comunidades indígenas, os bra sileiros demonstraram que não estavam tão
longe da realidade.

A população indígena está estimada em 380 mil pessoas no País, divididas
em 280 etnias que falam 180 línguas. Levantamentos apontam a existência
de 3,5 mil aldeias, sendo que em torno de 60 delas ainda não tiveram
nenhum contato com outras etnias. São comunidades que sofrem de doenças
já controladas entre os "brancos", como tuberculose, malária, diarréia e
verminoses. E que já convivem com problemas típicos das pessoas das
cidades, como alcoolismo, doenças sexualmente transmissíveis, obesidade
e diabetes.

Por muitos anos, a indefinição de uma política de saúde, formulada com
base na multiplicidade de fatores envolvidos no processo de adoecer e
buscar tratamento dos indígenas, comprometeu-lhes o acesso aos serviços
de saúde. E o quadro se agravou. Em 1999, a responsabilidade de
estruturar um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, articulado com o
Sistema Único de Saúde (SUS), foi transferida da Fundação Nacional do
Índio (Funai), ligada ao Ministério da Justiça, para a Fundação Nacional
de Saúde (Funasa), do Ministério da Saúde.

Tuberculose e malária

A boa notícia é que de lá para cá os indicadores de saúde começaram a
melhorar. "Ainda está longe do ideal, mas é um início", afirma o diretor
do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Ricardo Chagas. Entre 2000
e 2002, por exemplo, a mortalidade infantil caiu de 77,4 óbitos por mil
para 55,9 por mil e a tuberculose, de 164,3 por cem mil para 108,6 por
cem mil. Já malária teve uma redução ainda mais significativa - de 96,8
por mil para 38,0 por mil.

As taxas ainda são altas se comparadas à média nacional. No caso da
mortalidade infantil, a taxa brasileira é de 29,6 por mil, segundo dados
do IBGE, de 2000. "A meta é reduzir em 50% o índice em aldeias até
2007", afirma Chagas. Para a tuberculose, cuja incidência no Brasil é de
60,70 por cem mil, a meta é uma redução de 30%.

As melhorias são creditas, em parte, à criação dos 34 Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), em 2000. São unidades
territoriais e populacionais divididas de acordo com a distribuição
demográfica dos povos e sob responsabilidade sanitária claramente
identificada. O atendimento é prestado por meio de convênios entre a
Funasa e organizações não governamentais. O "meio de campo" é feito
pelos Agentes Indígenas de Saúde (AIS), indicados pela comunidade e
vinculados a um posto de saúde. Atualmente, são 2.870 agentes, com meta
de treinar mais 500 este ano. Eles são responsáveis pelos
primeiros-socorros, acompanham vacinação, gestantes e fazem ações de
prevenção. O ponto de apoio dos agentes são os chamados pólos-base,
localizados em comunidades indígenas ou em municípios de referência. É
onde ficam as equipes multidisciplinares compostas por médico,
enfermeira, dentista e auxiliar de enfermagem. As demandas que superam a
capacidade de resolução nestes locais são encaminhadas para o
atendimento convencional em outras localidades.

A coordenadora executiva da ong Saúde Sem Limites, Marina Machado,
destaca que a implantação dos distritos é uma iniciativa boa e inédita
no Brasil. A organização foi parceira da Funasa em 2000 e 2001 e
trabalha no Distrito Rio Negro, no Amazonas, um dos maiores do Brasil,
com 27 mil pessoas, de 22 etnias. Marina reconhece avanços, como o
aumento da cobertura vacinal, mas também faz algumas críticas. "A
implantação dos serviços em geral é verticalizada, falta discussão
prévia com as comunidades", comenta. Além disso, afirma que "os técnicos
da Funasa são muito resistentes a sair do modelo estabelecido há mais de
40 anos".

Falta de transparência

O médico Paulo Daniel Moraes é coordenador de saúde da ong Conselho
Indígena de Roraima (CIR) e trabalha em parceria com a Funasa no
Distrito Sanitário Leste de Roraima, cuja população é estimada em mais
de 24 mil pessoas. Ele também aponta algumas deficiências no sistema,
entre elas a centralização das decisões em Brasília, falta de
transparência na aplicação dos recursos e a baixa eficácia do controle
social, embora os indígenas tenham a garantia de 50% da composição nos
conselhos Distritais de Saúde. "É uma questão formal, mas que na prática
funciona de forma precária", diz.

Ao mesmo tempo, Moraes reconhece uma série de avanços. Ele conta que no
início da década de 90 a área chegou a contabilizar mais de 10 mil casos
de malária por ano. Em 2002 foram apenas 760. "O agentes indígenas de
saúde dão um suporte importante", destaca o médico.

O distrito tem 300 agentes e 188 postos para atender 230 comunidades. No
Distrito do Xingu, que tem uma população de 4,2 mil pessoas, os números
também são alentadores. O índice de mortalidade infantil caiu de 50 por
mil, para 20 por mil de acordo com as informações do médico Douglas
Rodrigues, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade
Federal de São Paulo (Ufesp), que desde 1979 trabalha na região.

Controle social

Com a equipe renovada, a Funasa promete "novos tempos" para a saúde
indígena. O diretor Ricardo Chagas destaca que o controle social será
uma das marcas deste governo. "A gestão participativa é uma determinação
não só da Funasa, mas também do presidente Lula", diz. Este ano, por
exemplo, já foi realizado um encontro nacional com todos os presidentes
de conselhos distritais para acertar compromissos e metas.

Quanto ao fato de as decisões serem tomadas em Brasília, Chagas rebate:
"Elas são tomadas aqui sim, mas nunca de forma isolada. Como você pode
ver, há três representantes do Distrito do Xingu na minha sala neste
momento", disse. E era verdade. Outro sinal de renovação é o início de
um trabalho para monitoramento da saúde mental dos índios e a garantia
de uma verba específica para tratamento e prevenção a Aids nas aldeias.

As metas de saúde para esta gestão, a serem cumpridas até 2007, incluem
eliminar a desnutrição indígena, hoje em 30% entre as crianças menores
de cinco anos e aumentar a cobertura vacinal para 100% dos distritos.
"Em 2003, a cobertura vacinal homogênea deve atingir no mínimo 70% da
população indígena", promete Chagas. Dados da Funasa mostram que, em
2001, 70,5% das 48 mil crianças indígenas com menos de cinco anos
receberam a vacina DTP, que protege contra difteria, tétano e
coqueluche; 69, 3% e 64,3%, respectivamente, foram imunizadas contra a
poliomielite e a hepatite B. Outros objetivos são implantar a prevenção
do câncer cérvico-uterino e de mama em 100% dos distritos; reduzir em
50% os casos de doenças sexualmente transmissíveis (em 2000 foram
registrados quase 4 mil) e dotar 100% das aldeias com abastecimento de
água.

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