VOLTAR

O resgate da identidade payayá

http://fernandojcarneiro.blogspot.com.br/
16 de Set de 2011

Não é novidade que nesses últimos séculos, com a colonização européia no continente americano, sociedades inteiras foram aniquiladas desaparecendo do espaço geográfico com suas identidades, línguas, religiões e toda uma diversidade de expressões culturais.

Aqui no Brasil não foi diferente, enquanto muitas sociedades foram exterminadas por completo, outras para não desaparecerem, seus poucos sobreviventes foram obrigados a migrarem para diversas regiões do Brasil, sendo vitimados pela aculturação inevitável, quase perdendo o vínculo com suas identidade e ancestralidade originárias. Uma dessas sociedades é o povo payayá que tenta, na atualidade, no interior da Bahia reunir-se e organizar-se com a finalidade de resgatar sua identidade, sua cultura, sua língua, sua religião e manter viva assim, sua história para seus descendentes, tentando-se evitar um fatídico processo de extinção cultural.

Falando-se de história das sociedades indígenas no Brasil, é importante lembrar o que acontece em todo processo de dominação, ou seja, a história passa a ser construída a partir da visão do vencedor (conquistador), no caso do Brasil do colonizador europeu. E como bem coloca Zeneide Rios de Jesus1 , a historiografia brasileira tem negado até hoje a história dos indígenas, através de um processo premeditado de silenciamento, omissão e invisibilidade acerca das sociedades indígenas brasileiras.

O povo payayá é um grande exemplo dos que foram deixados à margem da história do Brasil, sem contar, que até os dias de hoje, as formas de resolução dos conflitos envolvendo as populações indígenas são "solucionados" à base da violência, do descaso e do preconceito por parte do poder público e, ainda, sendo dada pouca importância por parte da mídia.

Os payayá, que segundo Manuela Carneiro da Cunha2 , viviam no sertão nordestino, ao sul do Rio São Francisco, até o século XVII, encontram-se na atualidade espalhados por várias regiões no Brasil, sendo que hoje, através da iniciativa do Cacique Juvenal Payayá, professor residindo em Salvador, na Bahia, foi iniciado um movimento de autodeterminação e reorganização do povo payayá visando o resgate de sua identidade, assim como, o respeito à sua cultura e aos direitos comuns a todos os demais cidadãos brasileiros.

No último dia 11 de setembro aconteceu um encontro em Salvador, na Igreja Evangélica Antioquia3 com três representantes do povo payaya: Núbia Calmon Payayá, Ottocor Payaya e o cacique Juvenal Payaya. Este último apresentou vários livros escritos por pessoas da comunidade payayá, entre as obras que tratam, inclusive, de cosmovisão indígena destacou-se o mais recente, intitulado "O filho da ditadura: 30 anos da lei de anistia" de autoria do próprio cacique payayá, dedicada aos trinta anos da lei da anistia e em memória às pessoas mortas e desaparecidas, contando de forma ficcional subjetiva uma história de luta contra o regime militar ditatorial.

1 Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana-BA, Mestra em História pela Universidade Federal da Bahia e autora do trabalho apresentado no Simpósio Temático "Os índios e o Atlântico", XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 17 a 22 de julho de 2011, com o título "Povos indígenas e história do Brasil: invisibilidade, silenciamento, violência e preconceito".
2 Organizadora da obra intitulada "História dos índios no Brasil", pela Companhia das Letras.
3 Uma comunidade religiosa alternativa de fundamentação cristã e de caráter transcultural e plurireligiosa, localizada em Salvador, na Bahia, coordenada pelo pastor Fernando Carneiro, desde o ano de 2010.

Finalizando, segue baixo o texto introdutório à fala do Cacique Payayá na reunião do dia 11, escrito pelo pastor Fernando Carneiro, teólogo de formação cristã e de descendência indígena arayó materna:

BOLETIM DE 11 DE SETEMBRO DE 2011

A questão Indígena no Brasil

Hoje em dia, pouco se sabe (no consciente da população brasileira) sobre as sociedades indígenas pré-cabralinas e o processo histórico que resultou na situação em que tais sociedades encontram-se na atualidade.

Há quase uma negligência por parte do sistema educacional formal e oficial no Brasil, referente à construção do conhecimento acerca das primeiras e legítimas sociedades nativas brasileiras.

Quantos de nós sabemos, por exemplo: Quantas etnias existiam? Quais suas línguas? Como eram seus sistemas de crenças? Quais as formas de organização social? Como ocupavam geograficamente o território brasileiro? Como se relacionavam? Quais seus hábitos e valores? Quais suas heranças culturais na sociedade brasileira de hoje? Como aconteceu o choque de civilizações com a invasão portuguesa e os primeiros contatos com as sociedades africanas para cá trazidas? Quais sociedades sobreviveram? Entre tantas outras inúmeras questões carentes de estudo, pesquisa e publicação, das quais só sabemos poucas e vagas informações.

É fato, que a maioria dos brasileiros hoje comete o mesmo equívoco com as sociedades indígenas nativas, que cometeu e ainda comete, com as sociedades africanas, ou seja, atribuindo-lhes uma visão reducionista no sentido antropológico, cultural e religioso, imaginando-se que os indígenas, assim como os africanos, constituíam e constituem ainda hoje, uma só etnia, uma só língua, e uma só religião, expressando assim, uma visão etnocêntrica ocidental que taxa tais sociedades e todos seus valores como primitivos e inferiores chegando-se ao ponto de demonizar suas crenças a partir de uma leitura (cosmovisão) judaico-cristã preconceituosa.

Não se procura explorar como devido, questões históricas legitimadoras da dominação, exploração, escravidão e extermínio de milhares de indígenas brasileiros, sem contar a violência cultural e religiosa da catequização colonial com direito até à assassinatos, fruto dos julgamentos do tribunal da inquisição em visitação às terras do Brasil quinhentista.

Mais crítico do que o descaso do resgate das identidades e da história dos indígenas brasileiros é o descaso com a situação social das sociedades existentes na atualidade, estas coexistindo em diversos níveis de aculturação e submetidos ao segundo ou terceiro plano das prioridades e interesses dos governantes (classe político-intelectual). Tudo se pode quando se trata de sociedades indígenas, sendo em nome do "progresso" nacional, mesmo que sociedades inteiras tenham que ser trasladas/deslocadas, retirando-se seu sustento e alterando-se seus costumes e modos de vida.

Em situação mais vulnerável encontram-se aqueles que vivem nas cidades ou zonas urbanas, não raro, na pobreza ou miséria e vitimadas pela várias faces da violência.

Também é necessário se falar que no contato de quinhentos anos com outras culturas não tem como não acontecer trocas imateriais e simbólicas (valores, crenças, ideologias, comportamentos, etc) com as demais culturas, surgindo um caldo sincrético indígena-afro-europeu, não harmônico.

Para concluir, enfatiza-se que algumas culturas indígenas desapareceram completamente, outras sobreviveram resquícios culturais e somente algumas conseguiram manter a maior parte de suas tradições. A sociedade Payayá é uma dessas que quase desapareceu por completo, mas que na atualidade sofre um processo de resgate, reconstrução e ressignificação de sua identidade, sendo re-fundada uma comunidade que imita alguns aspectos primordiais, no interior da Bahia, através da iniciativa do Cacique Juvenal Payayá, nosso orador convidado de hoje.

Que Tupã nos abençoe!

Pr. Fernando Carneiro.
fernando.teologia@gmail.com

http://fernandojcarneiro.blogspot.com.br/2011/09/o-resgate-da-identidad…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.