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O resgate da CTNBio

OESP, Notas e Informações, p. A3
05 de Out de 2008

O resgate da CTNBio

Depois de muito tempo perdido, parece ter entrado nos eixos o sistema de licenciamento do plantio comercial de produtos geneticamente modificados no Brasil. Com a atribuição de dar a última palavra sobre os eventuais riscos para a saúde e para o ambiente dos transgênicos que se pretendam cultivar, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) enfrentou desde sempre a encarniçada oposição dos movimentos obtusamente hostis ao ingresso do País na era da agricultura de base biotecnológica.

O colegiado interministerial, de que fazem parte também representantes da comunidade científica e de setores da sociedade, esteve perto de definhar, dada a exasperação de diversos dos seus membros com as manobras, pressões e até mesmo ameaças dos partidários do atraso, fanatizados por seu horror à moderna agroindústria e seu papel na economia globalizada - e decididos a vencer pelo cansaço. Um vice-presidente da comissão pediu afastamento por estar farto das "tensas e intermináveis reuniões que não se esgotam".

A essa campanha se debita o fato de que, entre 1998 e meados de 2007, a comissão só tenha conseguido liberar duas variedades transgênicas - uma de milho outra de algodão. O primeiro sinal de mudança foi a decisão do governo de reduzir de 18 para 14 (de um total de 26 membros) o quórum para a aprovação de pedidos de plantio de sementes modificadas. Com isso, puderam ser licenciadas no ano passado três outras espécies de milho. Mas o ponto de inflexão foi a recusa do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), o órgão de cúpula do setor no Executivo, de julgar novos recursos contra autorizações concedidas pela CTNBio.

Assegurado, embora tardiamente, o poder decisório da comissão na área de sua competência - como estipula a Lei de Biossegurança - ficou mais difícil para os radicais sabotar os seus trabalhos. O novo clima, condizente com a seriedade do órgão e a objetividade de suas análises técnicas, permitiu-lhe, semanas atrás, licenciar mais uma variedade de algodão e duas de milho, além de uma vacina contra um vírus que ataca os rebanhos suínos. Ou seja, até setembro, a CTNBio aprovou mais solicitações (sete) do que em todos os nove anos anteriores (cinco). Outras seis liberações dependem de parecer para serem votadas - sem falar nos pedidos, em número crescente, para experiências de campo.

O desafio é recuperar o tempo desperdiçado. Não fossem os obstáculos artificiais criados para impedir o desenvolvimento da agricultura transgênica no País, a respectiva área plantada decerto seria maior do que os atuais 15 milhões de hectares. O Brasil é o terceiro maior produtor global, abaixo da Argentina (19,1 milhões) e dos Estados Unidos (57,7 milhões). No mundo inteiro, as culturas geneticamente alteradas para resistirem a herbicidas e a pragas ocupam 114,3 milhões de hectares, com aumentos anuais consistentes em mais de um decênio. Soja, milho, canola e algodão são as principais.

A tendência é de expansão acelerada. Estima-se que a produção de espécies modificadas mais do que duplicará nos próximos oito anos, a ponto de cobrir 20% das terras aráveis no planeta. Em boa parte porque, diante da crise alimentar, da questão energética e das mudanças ambientais, os transgênicos representam a única tecnologia disponível para elevar a produtividade agrícola sem maior consumo de energia e de defensivos químicos. O potencial das variedades obtidas por recombinação genética foi reconhecido na declaração dos países do G-8 sobre segurança alimentar, na cúpula de Tóquio, em julho passado.

O presidente da entidade que monitora as aplicações da biotecnologia na economia rural (Isaaa, na sigla em inglês), Clive James, acredita que as resistências aos transgênicos tenderão a diminuir em razão da disparada dos preços das commodities agrícolas e do avanço nos conhecimentos do que o emprego da biotecnologia no campo pode fazer para mitigar os efeitos do aquecimento global. As pesquisas de ponta no setor visam a criar variedades capazes de resistir a fatores ambientais adversos, como secas e inundações, mudanças acentuadas de temperatura, excesso de salinidade e acidez. O maior aproveitamento da água nas plantações é outra prioridade. Os benefícios para o Brasil apenas começam a ser imaginados.

OESP, 05/10/2008, Notas e Informações, p. A3

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