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O rentável trabalho de cestaria dos índios baniwas ganha prêmio da FGV.

Valor Econômico-São Paulo-SP
Autor: Flávio Sampaio
07 de Jan de 2002

Uma trama que sai da fronteira com a Colômbia

A tradição dos índios baniwas determina que o menino só se torna homem quando domina a arte da cestaria. Para ser mulher, a menina deve receber de presente algum artesanato do rapaz. Esse ritual acontece há mais de dois mil anos. Só que os baniwas, etnia que vive às margens do rio Içana, quase na fronteira do Amazonas com a Colômbia e a Venezuela, descobriram também a arte de vender cestaria. Com direito a prêmio e menção honrosa. O principal deles foi dado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no final do ano passado. A arte dos índios concorreu com 720 inscritos na premiação e levou R$ 20 mil com a vitória na categoria Gestão Pública. O montante, patrocinado pela Ford e pelo BNDES, soma-se a outros R$ 7 mil, conquistados em outra premiação, na categoria " Idéia Inovadora em Mobilização de Recursos " , do Prêmio Empreendedor Social Ashoka-McKinsey. O objetivo do prêmio Ashoka, uma organização internacional sem fins lucrativos, é promover conceitos de negócios inovadores e capacitar Organizações da Sociedade Civil (OSCs) a desenvolver planos de negócios para seus projetos sociais, envolvendo sustentabilidade e planejamento profissional.

As duas conquistas foram, talvez, a parte mais fácil do projeto dos baniwas, que começou há dois anos quando 20 artesãos de diferentes comunidades começaram a produzir uma linha especial de cestarias de arumã (palmeira nativa) para ser vendida em São Paulo, nas lojas Tok Stok e Pão de Açúcar. Sob a liderança da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), apoio técnico do Instituto Socio-ambiental e financiamento europeu (principalmente Holanda, Dinamarca e Áustria), criou-se a marca " Arte Baniwa " . Os objetivos eram claros: valorizar o patrimônio cultural, incentivar a comunidade à perpetuação da arte, gerar renda e capacitar a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que representa os 35 mil índios de 22 etnias da região, no gerenciamento de projetos.

A iniciativa deu tão certo que os atuais 142 artesãos do projeto não dão conta dos pedidos, que renderam R$ 80 mil aos participantes nestes últimos dois anos. " Todo o dinheiro, inclusive dos prêmios, são reinvestidos na produção. A idéia é capacitar mais pessoas e sempre manter a qualidade dos objetos " , afirma o índio André Fernando, presidente da OIBI e um dos líderes do projeto. Ao todo são 7,2 mil tipos de peças feitas à mão que decoram casas, restaurantes e escritórios de gente que nem imagina o trabalhão que dá fazer um " simples " urutu - o cesto campeão de vendas, usado como caxepô de plantas, revisteiro ou cesto de roupas.

No livro de bolso Arte Baniwa, que pode ser encontrado na Tok Stok, ensina-se de maneira sucinta - e num linguajar quase telegráfico - o trajeto da arte da cestaria típica: " Cortar o arumã no mato, fazer feixes e carregar até a aldeia. Tirar e preparar os materiais para tingimento e acabamento. Raspar, lavar e arear. Pintar e descortiçar em talas. Trançar e fazer o acabamento. Trançar a embalagem. Colocar etiquetas, encaixar as peças e embalar por dúzia. Transportar em canoa com motor até São Gabriel da Cachoeira (AM). De carro, vai do porto de cima até o porto de Camanaus. Daí até Manaus, de barco, de onde segue de caminhão embarcado em balsa até Belém (PA). Para chegar a São Paulo, por estrada " .

De nada adianta tanto trabalho se a peça não for bem produzida. O índio Germano Brazão sabe disso e dedica boa parte do seu tempo procurando pela árvore certa para retirar a fibra de arumã. Com a escolha definida, Brazão volta para a comunidade de Santa Rosa (distante seis dias de barco de Manaus), onde vivem 54 pessoas de nove famílias, sendo apenas sete artesãos, para então iniciar a trama. Para tingir de preto algumas tiras, Brazão usa o resto de querosene das lamparinas. O vermelho é obtido com o urucu, um tipo de semente amazônica. A peça só fica pronta três dias após a obtenção da fibra vegetal. " Aprendi essa arte com meu pai, que aprendeu com meu avô, que aprendeu com os mais velhos " , explica o índio que agora percebe a importância de transmitir suas habilidades aos jovens. Descendo o rio Içana de voadeira (canoa de cinco metros, com motor de popa) por quase três horas, Roberto Silva pode ser encontrado tramando mais um balaio na comunidade de São José. Lá são apenas quatro homens - e somente homens - que transformam natureza em arte. " Gosto muito de ficar sentado, fazendo meu artesanato. Melhor ainda quando ganha um dinheirinho, né?! " , instiga Silva, que investiu R$ 600 numa espingarda nova. A caça, assim como o artesanato, também é encarada como lazer.
FOIRN - (92) 471-1349- São Gabriel da Cachoeira
ISA - Av. Higienópolis, 901 (SP) - (11) 3825.5544, onde o Livro de Bolso Arte Baniwa é vendido a R$ 10
Tok Stok - 0800-160161 www.socioambiental.org.br
Os cestos têm preços que variam entre R$ 25 e R$ 44

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