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O que sobrou da Mata?

JB, Outras Opinioes, p.A14
Autor: ROCCO, Rogério
22 de Dez de 2003

O que sobrou da Mata?

Rogério Rocco
Advogado

O cenário ambiental brasileiro na atualidade vai sendo reformado pelos novos governos estaduais e federal, que completam seu primeiro ano de exercício. Podemos fazer uma avaliação parcial das tendências para os próximos anos, considerando desde o conjunto normativo existente até as ações já adotadas neste curto período de tempo.
Tratando especificamente das políticas para a Mata Atlântica, o cenário não é dos melhores. Pelo fato de restarem apenas cerca de 7% da cobertura original do bioma, as políticas envolvendo a Mata Atlântica deveriam restringir totalmente sua supressão - em qualquer estágio - e estimular a recuperação das áreas degradadas. O projeto de lei n.o 285/99, que dispõe sobre a utilização e proteção da Mata Atlântica, tramitava há 11 anos no Congresso e foi aprovado este mês pela Câmara dos Deputados, dependendo agora da aprovação pelo Senado. Não é um texto que estabeleça a proibição de qualquer tipo de uso da vegetação, mas o conjunto de restrições é expressivo e imprescindível.
O déficit habitacional brasileiro é de 6,5 milhões de residências; temos, segundo dados do Censo 2000, 81% da população brasileira nas cidades. A faixa urbana tem grande concentração na região costeira do país, coincidindo em boa parte com a área de influência do bioma Mata Atlântica. Como consequência, há cerca de 75% da população brasileira localizados no domínio da Mata Atlântica.
Se tomarmos como referência que o governo Lula vai investir significativamente na minimização dos problemas sociais, concluiremos que haverá políticas públicas para a diminuição desse déficit habitacional. Por outro lado, deverá aumentar também a quantidade de assentamentos rurais, no caminho da reforma agrária. Até aí, tudo bem. São políticas necessárias e urgentes.
Mas se a tendência à secundarização da questão ambiental, já demonstrada de forma lamentável pelo governo na questão da importação dos pneus usados, da liberação dos transgênicos e do incentivo à energia nuclear, prevalecer nas políticas de assentamentos urbanos e rurais, teremos uma séria ameaça ao pouco que sobrou da Mata Atlântica.
Devem-se fortalecer as articulações entre políticas de desenvolvimento urbano e rural e as demandas de conservação ambiental, assim como as ações de fiscalização e denúncia das agressões, a fim de desestimular as práticas impactantes sobre a mata e, por outro lado, contribuir para que os órgãos de proteção florestal atuem com maior eficiência nas políticas de comando e controle.
Em outro caminho, deve-se aumentar a pressão pela criação de instrumentos econômicos de estímulo à conservação das florestas. Esses instrumentos devem trazer benefícios financeiros para os poderes públicos e para os particulares que tenham a iniciativa de atuar na conservação ambiental. Um exemplo é o ICMS ecológico criado em 1990 no Paraná e que prevê repasse de recursos aos municípios que tenham áreas protegidas e mananciais de abastecimento de água. Esse tipo de iniciativa vem se reproduzindo em vários Estados e tem servido de modelo para a criação de instrumentos semelhantes, como o IPTU ecológico, implantado recentemente na cidade de Porto Alegre.
No Rio de Janeiro, o governo estadual, além de não seguir nenhuma dessas novas demandas, está retrocedendo no tempo e vem diminuindo os recursos para a área do meio ambiente.
Apesar da sensação da existência de uma consciência ambiental neste novo século, haja vista o assunto estar presente na mídia e nos discursos políticos com muita frequência, na verdade ainda não há uma mudança de condutas que possa assegurar um ambiente seguro e de qualidade para as atuais e futuras gerações. Portanto, a sociedade deve agir e interagir com mais ênfase para defender o país das desastrosas experiências de um desenvolvimento historicamente equivocado, concentrador e degradante. A aprovação do projeto de lei da Mata Atlântica pelo Senado não é a promessa de salvação desse importante ecossistema, mas sem dúvida significará um instrumento legal a mais para a atuação em sua defesa, mesmo que com uma década de atraso.
Rogério Rocco é coordenador do movimento de ecologia social Os Verdes

JB, 22/12/2003, p. A14

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