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"O que a gente está vendo é uma COP que exclui muito", diz Txai Suruí

SBT News - https://www.sbtnews.com.br/noticia/mundo
08 de Nov de 2021

"O que a gente está vendo é uma COP que exclui muito", diz Txai Suruí
Ao SBT News, única brasileira a discursar na abertura diz que conferência é concentrada em países ricos

por: Fernando Jordão
08/11/2021

Jovem, fã de rap, afeita a viagens... Definir quem é Walelasoetxeige Suruí, ou Txai Suruí, é tarefa árdua até para a própria. Mas se aos 24 anos ela ainda busca entender quem é, o que quer está bem claro: inserir a juventude e os povos indígenas nos debates acerca das mudanças climáticas.

Filha de duas importantes lideranças do povo Paiter Suruí, de Rondônia -- o cacique Almir Suruí e a indigenista Neidinha Suruí --, Txai conta ter se envolvido em causas sociais desde cedo. "A gente nasce indígena, a gente vai ter que lutar." Na semana passada, chamou a atenção do mundo, sendo a única brasileira a falar na abertura da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia.

Em seu discurso, afirmou que "a Terra está falando". Nesta entrevista exclusiva ao SBT News, é Txai quem fala. Ciente da visibilidade que ganhou, ela critica as políticas brasileiras para o meio ambiente, e a própria COP -- a qual considera uma tentativa de países ricos de passarem uma impressão de envolvidos com causas climáticas, sem de fato o serem, em movimento que costuma ser apelidado de greenwashing (lavagem verde, em tradução livre). Também comenta as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) -- que a comparou ao cacique Raoni, ao dizer que ela foi à reunião global "atacar o Brasil" -- e cobra ação para salvar o clima do planeta: "2030 está muito longe. A gente tem que começar agora".
Que avaliação faz do seu discurso na COP26? Como tem sido a recepção?
A minha avaliação é boa, porque trouxe bastante visibilidade principalmente para a questão dos povos indígenas. A gente está aqui numa delegação de mais de 40 líderes indígenas participando da conferência, e o que a gente está pautando é exatamente a importância de os povos indígenas estarem no centro dessa discussão. Então, com aquele discurso, eu consegui levar um pouco dessa mensagem, também da realidade do que os povos indígenas estão passando no Brasil. E falar para outros líderes mundiais que lutar pela Amazônia, lutar pelos direitos dos povos indígenas, é uma luta de todo mundo, deveria ser uma discussão global. E teve uma repercussão muito grande, o discurso saiu em várias mídias, não só do Brasil, mas em vários jornais internacionais. Saiu no New York Times, saiu aqui na BBC, dei entrevista para outros grandes veículos de comunicação. Então eu acho que teve uma repercussão muito boa nesse sentido.

Você foi a única brasileira a discursar na abertura da COP26. Como surgiu esse convite e como você se sentiu sendo a representante do país?
Essa COP está dando mais visibilidade para os povos indígenas, para as populações mais vulneráveis. Tanto que, além de mim, foi a primeira vez também que teve lá uma mulher negra, da África, discursando. Eu não vi muitas pessoas falando sobre isso, mas ela também falou e eu fui a única brasileira indígena a falar lá. O convite surgiu da seguinte maneira: eles queriam uma uma jovem indígena para estar discursando, e eu tenho uma amiga, Paloma, que trabalha no ISA [Instituto Socioambiental], também é conselheira do secretário-geral da ONU, e quando a moça pediu para indicar alguém, ela falou ?tem que ser a Txai? e me indicou.

Como você chegou nesse espaço de ser uma ativista dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente? Teve uma influência do seu pai, o cacique Almir Suruí?

Do meu pai e da minha mãe [a indigenista Neidinha Suruí], né? Os meus pais são grandes ativistas. O meu pai é líder maior do meu povo, do povo Paiter Suruí, a minha mãe também é uma grande ativista que doou a vida dela à luta pelos direitos dos povos indígenas do estado de Rondônia, principalmente à luta da terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Eu cresci vendo os meus pais lutando, vendo meu pai lutando pelo nosso povo, vendo a minha mãe lutando pelo direito dos povos indígenas, e é claro que isso não é não poderia deixar de influenciar a minha trajetória. Eu sempre digo que a gente nasce indígena, a gente vai ter que lutar. A gente realmente luta com as nossas vidas. É uma luta diária mesmo dentro do território, contra as invasões, contra o garimpo, contra a grilagem. É uma luta também quando a gente está fora do nosso território, na cidade. Uma luta contra o racismo, contra a invisibilização que os povos indígenas sofrem. Porque tem pessoas indígenas dentro das cidades, no contexto urbano, e onde elas estão geralmente? Marginalizadas, elas vivem nas periferias. Então a nossa luta, a luta dos povos indígenas, é uma luta diária e uma luta constante. O meu ativismo começou inspirado, claro, nos meus pais e aí depois eu fui trabalhar na Canindé, que é uma organização que trabalha com povos indígenas lá no estado há mais de 29 anos. Sempre estive dentro, participando das reuniões no movimento indígena. Sempre participei também de outras organizações de luta, como faculdade, fui presidente do Centro Acadêmico. Então eu sempre estive muito envolvida com as pautas sociais.

O que você espera de resultados da COP26?
Alguns acordos estão sendo tratados aqui. O Brasil já assinou alguns. O acordo que vai falar sobre o metano -- que vai influenciar diretamente a questão da agropecuária no Brasil --, tem um acordo de florestas, o artigo seis -- que vai falar sobre a questão dos povos indígenas e que esse recurso vá para essas populações que lutam realmente na linha de frente contra as mudanças climáticas. Então o que eu espero que saia daqui é muito compromisso e responsabilidade dos países, principalmente do Brasil, que é importantíssimo nessa discussão climática, sempre foi importantíssimo nesses espaços quando se fala de meio ambiente. Até porque a maior parte da Floresta Amazônica, que é a maior floresta do mundo, que hoje é quem mantém o equilíbrio climático, está no Brasil. Então o Brasil tem sim um papel muito importante nisso. Só que o que a gente está vendo aqui ainda não é isso. O que a gente está vendo aqui ainda é uma COP que exclui muito, exclui a participação da sociedade civil, uma COP que está excluindo os países mais pobres que tiveram dificuldade e não conseguiram estar aqui para estar discutindo. A gente está vendo um grande mercado de greenwashing, dos países do norte global querendo decidir, querendo não se comprometer com a agenda climática e só fazer o próprio greenwashing. A gente está vendo China e Rússia não se envolvendo nessas questões e são dois países que também têm um papel muito importante quando a gente vai falar da questão climática, porque poluem demais, principalmente quando a gente vai falar da questão do carvão. Então a gente tem muito o que fazer ainda aqui na COP e ainda está muito, mas muito, longe da gente sair com os resultados que a gente quer e que a gente espera. Mas a gente vai pressionar, a gente vai trazer a realidade dos povos indígenas, do que está acontecendo realmente nas terras indígenas, e a importância de a gente estar no centro dessa discussão.
Txai na abertura da COP26: "Tenho só 24, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na Floresta Amazônica" | Fotos Públicas

Como transformar o que vem sendo discutido na conferência em prática?
É aí que o ponto pega. É realmente isso. O que a gente tá vendo aqui são compromissos muito importantes sendo assinados, mas tem que fechar muito bem como eles serão colocados em prática. A gente tem esse acordo de floresta que vai falar da questão dos povos indígenas, dos recursos que os povos indígenas vão receber. Só que como isso vai realmente acontecer? Isso vai realmente chegar bem nas comunidades tradicionais que estão realmente fazendo esse trabalho? Então antes a gente tinha um programa e um plano muito bem estruturados para colocar isso em prática. Hoje a gente não está vendo isso. O Brasil hoje ainda não é um país confiável, principalmente quando se fala da da questão do meio ambiente, da questão climática. Por quê? A gente está aqui na COP, o Brasil está assinando esses acordos dizendo que vai acabar com o desmatamento até 2030 -- assim como outros países --, mas qual é a realidade que a gente vê no Brasil? Um Brasil que está atacando os direitos dos povos indígenas, e a gente sabe que hoje onde ainda tem floresta em pé é onde há presença dos povos indígenas. Mas aí a gente está sofrendo pressões como o Marco temporal, o PL 490, que vão acabar com as terras indígenas. Como que acaba com o desmatamento desse jeito, se aqueles territórios que mais seguram a floresta estão sendo atacados e podem deixar de existir. A questão do desmatamento tem uma coisa que que é importante: o desmatamento que vai acabar é o chamado desmatamento ilegal. As terras indígenas estão sendo atacadas. Se esses projetos de morte passam, esse desmatamento que era ilegal passa a ser legal. Então o Brasil tem que acabar com o desmatamento, não com o desmatamento ilegal, e colocar realmente em prática as políticas ambientais. Só assim a gente vai realmente conseguir colocar em prática. O Brasil tem que parar de enfraquecer os órgãos ambientais, parar de enfraquecer as leis ambientais como está acontecendo com o licenciamento ambiental. Tem que fortalecer os direitos dos povos indígenas, não atacar. Só assim que a gente vai conseguir cumprir com aquilo que está prometendo. Entender que 2030 também é muito longe. A gente tem que começar agora, até porque é um processo gradual. Vai ser muito difícil a gente realmente zerar o desmatamento. O Brasil está prometendo não é uma coisa para fazer agora. Está prometendo coisas pros próximos governos colocarem em prática. Essa é a verdade.

Você foi muito atacada nas redes sociais depois do seu discurso. Como você recebeu isso?
Depois do meu discurso, eu já estava recebendo alguns ataques. Depois do pronunciamento do Bolsonaro [sem mencioná-la, o presidente a comparou ao líder indígena cacique Raoni e disse que ela foi ao evento "atacar o Brasil"]..., esses ataques vieram em massa. Parece que eles realmente são uma quadrilha que se organiza para atacar as pessoas. Confesso que teve dias que fiquei um pouco abalada, mas eu também estou recebendo muitas mensagens de carinho, de orgulho, das pessoas dizendo que se sentiram representadas e que, na verdade, se eu estou sendo atacada, se o Bolsonaro está me atacando, é porque realmente eu consegui alcançar aquilo que eu queria, que é levar a pauta dos povos indígenas, levar a emergência climática, do que está acontecendo no planeta e na floresta. A gente também já está tomando algumas providências em relação a isso, porque alguns dos ataques foram pesados, alguns usam indevidamente a minha imagem, a imagem de outras pessoas que vivem comigo, como meu companheiro. A gente já está trabalhando com isso também. Pelo menos tem um lado bom, que é o da visibilidade. Essas pessoas acabam dando mais voz para aquilo que eu quero trazer, que é a realidade dos povos indígenas, e de como a gente precisa se unir nessa luta, que não é uma luta só nossa, mas é uma luta de todo mundo.

O presidente comparou você ao cacique Raoni que é uma liderança indígena muito famosa lá fora. O que você achou dessa comparação?
Eu recebi como um elogio. Até falei agora há pouco em uma live que eu estava fazendo: ?Menina, eu estou podendo?. Porque a pessoa falou e comparou que eu estou representando, estou lá no lugar do Raoni. Eu estou podendo demais então [risos], porque já foi uma grande responsabilidade estar lá representando indígenas. E aí, como você disse, o Raoni é um dos maiores líderes indígenas do Brasil. Estar lá representando ele, eu levei como elogio na verdade.

Jovem, fã de rap, afeita a viagens... Definir quem é Walelasoetxeige Suruí, ou Txai Suruí, é tarefa árdua até para a própria. Mas se aos 24 anos ela ainda busca entender quem é, o que quer está bem claro: inserir a juventude e os povos indígenas nos debates acerca das mudanças climáticas.

Filha de duas importantes lideranças do povo Paiter Suruí, de Rondônia -- o cacique Almir Suruí e a indigenista Neidinha Suruí --, Txai conta ter se envolvido em causas sociais desde cedo. "A gente nasce indígena, a gente vai ter que lutar." Na semana passada, chamou a atenção do mundo, sendo a única brasileira a falar na abertura da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia.

Em seu discurso, afirmou que "a Terra está falando". Nesta entrevista exclusiva ao SBT News, é Txai quem fala. Ciente da visibilidade que ganhou, ela critica as políticas brasileiras para o meio ambiente, e a própria COP -- a qual considera uma tentativa de países ricos de passarem uma impressão de envolvidos com causas climáticas, sem de fato o serem, em movimento que costuma ser apelidado de greenwashing (lavagem verde, em tradução livre). Também comenta as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) -- que a comparou ao cacique Raoni, ao dizer que ela foi à reunião global "atacar o Brasil" -- e cobra ação para salvar o clima do planeta: "2030 está muito longe. A gente tem que começar agora".

Assista à íntegra da entrevista (leia a transcrição abaixo):

Que avaliação faz do seu discurso na COP26? Como tem sido a recepção?
A minha avaliação é boa, porque trouxe bastante visibilidade principalmente para a questão dos povos indígenas. A gente está aqui numa delegação de mais de 40 líderes indígenas participando da conferência, e o que a gente está pautando é exatamente a importância de os povos indígenas estarem no centro dessa discussão. Então, com aquele discurso, eu consegui levar um pouco dessa mensagem, também da realidade do que os povos indígenas estão passando no Brasil. E falar para outros líderes mundiais que lutar pela Amazônia, lutar pelos direitos dos povos indígenas, é uma luta de todo mundo, deveria ser uma discussão global. E teve uma repercussão muito grande, o discurso saiu em várias mídias, não só do Brasil, mas em vários jornais internacionais. Saiu no New York Times, saiu aqui na BBC, dei entrevista para outros grandes veículos de comunicação. Então eu acho que teve uma repercussão muito boa nesse sentido.

Você foi a única brasileira a discursar na abertura da COP26. Como surgiu esse convite e como você se sentiu sendo a representante do país?
Essa COP está dando mais visibilidade para os povos indígenas, para as populações mais vulneráveis. Tanto que, além de mim, foi a primeira vez também que teve lá uma mulher negra, da África, discursando. Eu não vi muitas pessoas falando sobre isso, mas ela também falou e eu fui a única brasileira indígena a falar lá. O convite surgiu da seguinte maneira: eles queriam uma uma jovem indígena para estar discursando, e eu tenho uma amiga, Paloma, que trabalha no ISA [Instituto Socioambiental], também é conselheira do secretário-geral da ONU, e quando a moça pediu para indicar alguém, ela falou ?tem que ser a Txai? e me indicou.

Como você chegou nesse espaço de ser uma ativista dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente? Teve uma influência do seu pai, o cacique Almir Suruí?
Do meu pai e da minha mãe [a indigenista Neidinha Suruí], né? Os meus pais são grandes ativistas. O meu pai é líder maior do meu povo, do povo Paiter Suruí, a minha mãe também é uma grande ativista que doou a vida dela à luta pelos direitos dos povos indígenas do estado de Rondônia, principalmente à luta da terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Eu cresci vendo os meus pais lutando, vendo meu pai lutando pelo nosso povo, vendo a minha mãe lutando pelo direito dos povos indígenas, e é claro que isso não é não poderia deixar de influenciar a minha trajetória. Eu sempre digo que a gente nasce indígena, a gente vai ter que lutar. A gente realmente luta com as nossas vidas. É uma luta diária mesmo dentro do território, contra as invasões, contra o garimpo, contra a grilagem. É uma luta também quando a gente está fora do nosso território, na cidade. Uma luta contra o racismo, contra a invisibilização que os povos indígenas sofrem. Porque tem pessoas indígenas dentro das cidades, no contexto urbano, e onde elas estão geralmente? Marginalizadas, elas vivem nas periferias. Então a nossa luta, a luta dos povos indígenas, é uma luta diária e uma luta constante. O meu ativismo começou inspirado, claro, nos meus pais e aí depois eu fui trabalhar na Canindé, que é uma organização que trabalha com povos indígenas lá no estado há mais de 29 anos. Sempre estive dentro, participando das reuniões no movimento indígena. Sempre participei também de outras organizações de luta, como faculdade, fui presidente do Centro Acadêmico. Então eu sempre estive muito envolvida com as pautas sociais.

O que você espera de resultados da COP26?
Alguns acordos estão sendo tratados aqui. O Brasil já assinou alguns. O acordo que vai falar sobre o metano -- que vai influenciar diretamente a questão da agropecuária no Brasil --, tem um acordo de florestas, o artigo seis -- que vai falar sobre a questão dos povos indígenas e que esse recurso vá para essas populações que lutam realmente na linha de frente contra as mudanças climáticas. Então o que eu espero que saia daqui é muito compromisso e responsabilidade dos países, principalmente do Brasil, que é importantíssimo nessa discussão climática, sempre foi importantíssimo nesses espaços quando se fala de meio ambiente. Até porque a maior parte da Floresta Amazônica, que é a maior floresta do mundo, que hoje é quem mantém o equilíbrio climático, está no Brasil. Então o Brasil tem sim um papel muito importante nisso. Só que o que a gente está vendo aqui ainda não é isso. O que a gente está vendo aqui ainda é uma COP que exclui muito, exclui a participação da sociedade civil, uma COP que está excluindo os países mais pobres que tiveram dificuldade e não conseguiram estar aqui para estar discutindo. A gente está vendo um grande mercado de greenwashing, dos países do norte global querendo decidir, querendo não se comprometer com a agenda climática e só fazer o próprio greenwashing. A gente está vendo China e Rússia não se envolvendo nessas questões e são dois países que também têm um papel muito importante quando a gente vai falar da questão climática, porque poluem demais, principalmente quando a gente vai falar da questão do carvão. Então a gente tem muito o que fazer ainda aqui na COP e ainda está muito, mas muito, longe da gente sair com os resultados que a gente quer e que a gente espera. Mas a gente vai pressionar, a gente vai trazer a realidade dos povos indígenas, do que está acontecendo realmente nas terras indígenas, e a importância de a gente estar no centro dessa discussão.
Txai na abertura da COP26: "Tenho só 24, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na Floresta Amazônica" | Fotos Públicas

Como transformar o que vem sendo discutido na conferência em prática?
É aí que o ponto pega. É realmente isso. O que a gente tá vendo aqui são compromissos muito importantes sendo assinados, mas tem que fechar muito bem como eles serão colocados em prática. A gente tem esse acordo de floresta que vai falar da questão dos povos indígenas, dos recursos que os povos indígenas vão receber. Só que como isso vai realmente acontecer? Isso vai realmente chegar bem nas comunidades tradicionais que estão realmente fazendo esse trabalho? Então antes a gente tinha um programa e um plano muito bem estruturados para colocar isso em prática. Hoje a gente não está vendo isso. O Brasil hoje ainda não é um país confiável, principalmente quando se fala da da questão do meio ambiente, da questão climática. Por quê? A gente está aqui na COP, o Brasil está assinando esses acordos dizendo que vai acabar com o desmatamento até 2030 -- assim como outros países --, mas qual é a realidade que a gente vê no Brasil? Um Brasil que está atacando os direitos dos povos indígenas, e a gente sabe que hoje onde ainda tem floresta em pé é onde há presença dos povos indígenas. Mas aí a gente está sofrendo pressões como o Marco temporal, o PL 490, que vão acabar com as terras indígenas. Como que acaba com o desmatamento desse jeito, se aqueles territórios que mais seguram a floresta estão sendo atacados e podem deixar de existir. A questão do desmatamento tem uma coisa que que é importante: o desmatamento que vai acabar é o chamado desmatamento ilegal. As terras indígenas estão sendo atacadas. Se esses projetos de morte passam, esse desmatamento que era ilegal passa a ser legal. Então o Brasil tem que acabar com o desmatamento, não com o desmatamento ilegal, e colocar realmente em prática as políticas ambientais. Só assim a gente vai realmente conseguir colocar em prática. O Brasil tem que parar de enfraquecer os órgãos ambientais, parar de enfraquecer as leis ambientais como está acontecendo com o licenciamento ambiental. Tem que fortalecer os direitos dos povos indígenas, não atacar. Só assim que a gente vai conseguir cumprir com aquilo que está prometendo. Entender que 2030 também é muito longe. A gente tem que começar agora, até porque é um processo gradual. Vai ser muito difícil a gente realmente zerar o desmatamento. O Brasil está prometendo não é uma coisa para fazer agora. Está prometendo coisas pros próximos governos colocarem em prática. Essa é a verdade.

Você foi muito atacada nas redes sociais depois do seu discurso. Como você recebeu isso?
Depois do meu discurso, eu já estava recebendo alguns ataques. Depois do pronunciamento do Bolsonaro [sem mencioná-la, o presidente a comparou ao líder indígena cacique Raoni e disse que ela foi ao evento "atacar o Brasil"]..., esses ataques vieram em massa. Parece que eles realmente são uma quadrilha que se organiza para atacar as pessoas. Confesso que teve dias que fiquei um pouco abalada, mas eu também estou recebendo muitas mensagens de carinho, de orgulho, das pessoas dizendo que se sentiram representadas e que, na verdade, se eu estou sendo atacada, se o Bolsonaro está me atacando, é porque realmente eu consegui alcançar aquilo que eu queria, que é levar a pauta dos povos indígenas, levar a emergência climática, do que está acontecendo no planeta e na floresta. A gente também já está tomando algumas providências em relação a isso, porque alguns dos ataques foram pesados, alguns usam indevidamente a minha imagem, a imagem de outras pessoas que vivem comigo, como meu companheiro. A gente já está trabalhando com isso também. Pelo menos tem um lado bom, que é o da visibilidade. Essas pessoas acabam dando mais voz para aquilo que eu quero trazer, que é a realidade dos povos indígenas, e de como a gente precisa se unir nessa luta, que não é uma luta só nossa, mas é uma luta de todo mundo.

O presidente comparou você ao cacique Raoni que é uma liderança indígena muito famosa lá fora. O que você achou dessa comparação?
Eu recebi como um elogio. Até falei agora há pouco em uma live que eu estava fazendo: ?Menina, eu estou podendo?. Porque a pessoa falou e comparou que eu estou representando, estou lá no lugar do Raoni. Eu estou podendo demais então [risos], porque já foi uma grande responsabilidade estar lá representando indígenas. E aí, como você disse, o Raoni é um dos maiores líderes indígenas do Brasil. Estar lá representando ele, eu levei como elogio na verdade.

Que avaliação você faz do papel do Brasil nessa luta global pela preservação do meio ambiente, em especial em relação à questão dos povos indígenas? Tem todo o debate envolvendo o Marco temporal?
O Brasil tem um papel essencial na luta contra as mudanças climáticas. Ele sempre foi importante nessas decisões, principalmente quando a gente fala de meio ambiente, e principalmente quando a gente fala de Amazônia. Então o Brasil deveria estar com muito mais responsabilidade e compromisso com isso. Mas na verdade não é o que a gente está vendo. O Brasil é o país que está com a maior delegação aqui na COP, e isso eu estou falando por parte do governo. Mas por que se deu isso? Porque o governo federal não está presente, então os estados, municípios, governos [estaduais] e senadores tiveram que se articular para estar aqui representando o Brasil e estar somando nessa agenda climática. Só que na verdade quem realmente decide as coisas é o governo federal. E aí quando a gente chega aqui na COP, o ministro do meio ambiente se demite [NR: quem pediu demissão, na verdade, foi o coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, Oswaldo Lucon. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, segue no cargo]. Então a gente está vendo a responsabilidade do Brasil com essas questões. O que é triste, porque o Brasil é um país essencial quando se fala nessa luta. Ele tem um dos principais papéis nisso. Principalmente porque dentro dele fica a Amazônia e a Amazônia tem um papel essencial nessa discussão. Porque a Amazônia tem esse papel de fazer o equilíbrio climático do planeta, ela é chamada de ar-condicionado do mundo. Sem a Amazônia a gente não tem clima, a gente não tem equilíbrio climático entende? E quem está segurando a Amazônia são os povos indígenas São os povos originários que estão segurando os territórios indígenas. Falar de mudança climática é principalmente falar de pessoas. Pessoas que estão na luta. E quem que são as pessoas que mais estão sofrendo com as consequências das mudanças climáticas e, em contrapartida, também são as que mais estão lutando contra elas, senão os povos originários?. A gente tem um papel importantíssimo e essencial nessa questão. E aí eu engato e vou falar do Marco temporal, que quer acabar com as terras indígenas no Brasil. Primeiro que ele é inconstitucional, vai contra a nossa Constituição. Segundo que a gente vai ter um genocídio. Isso é genocídio, é acabar com os povos indígenas, porque a gente tem uma ligação direta com a terra. É decretar o fim da humanidade mesmo, porque quem está segurando a floresta hoje são os territórios indígenas. As terras indígenas são essenciais nessa luta. A gente precisa não é acabar com as terras indígenas, precisa é demarcar mais. A gente precisa de demarcação de terras indígenas para conseguir sustentar esse planeta.

Você ficou conhecida mundialmente na semana passada como a liderança indígena e a brasileira que discursou na COP26. Mas quem é a Txai Suruí?
Eu sou neném, tenho essa cara de neném. Não me deixa entrar no cinema, às vezes pedem a identidade [risos]. Mas é isso, eu sou muito jovem, tenho só 24 anos, sou estudante de Direito, estou tentando me formar este ano. A Txai Suruí, além disso, tem quatro irmãos, é esposa do Gabriel e eu quero me divertir também, quero conhecer o mundo. Quero fazer coisas que os jovens fazem. Também estou nesse processo de aprendizagem, porque sou muito nova, estou nesse processo de descoberta mesmo de quem sou eu. E estou nessa luta mostrando o potencial da juventude em todos os aspectos, porque nós jovens também temos que estar nessas discussões. Hoje a juventude está dando uma aula, principalmente aqui na aqui na COP. Quem não está aqui não vê, mas aqui tem muito jovem. A juventude está dando uma aula de que entendeu que a gente tem que reagir agora. Entendeu a luta, entendeu a importância do ativismo, então eu estou na luta. Também sou falante, como você pode ver, a pessoa que engata uma história na outra. Eu começo a falar de uma coisa, já estou falando de outra. Também sou uma pessoa que gosta de viajar. Eu fui muito atacada nas redes sociais porque o indígena não pode viajar hoje em dia senão ele não é indígena mais. Eu sou uma pessoa que ama, que gosta de estar com meus amigos, que gosta de rap -- tanto que citei os grandes Racionais [MCs] no meu discurso --, uma pessoa que gosta de poesia. Então esse é um pouco do que sou eu, mas tem muito mais da Txai. A Txai é um um ser humano que está se conhecendo também, mas que vai muito além do que o que vocês conseguem ver aqui.

Essa viagem para Glasgow foi sua primeira internacional?
Não, já tinha ido. Já tinha viajado antes. Eu participei da COP passada também [em Madri, em 2019].

Você falou que tem muitos jovens na COP e quando a gente fala de jovem e de ativismo climático, a gente lembra logo da Greta Thunberg. Já conversou com ela aí na Escócia?
Ainda não conversei com ela, mas eu a vi, sim. A bichinha é menor que eu. Eu tenho um metro e meio, para quem não sabe, a Txai é um ser humano assim desse tamanho [risos]. Já a vi e concordo muito com o que ela tem a dizer, quando ela fala que aqui continua com muito blá-blá-blá, que aqui parece realmente o mercado do norte global, de fazer greenwashing, ela está certíssima. Mas eu espero encontrá-la, poder conversar, trocar uma ideia com ela.

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