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O PPP que ja andou

GM, Opiniao, p.A3
19 de Nov de 2003

O PPP que já andou

Temos insistido na tese de que não são os governos os principais agentes do desenvolvimento. Em uma economia de mercado, o crescimento econômico depende, sobretudo, dos empresários, de sua vontade de empreender, de investir e de realizar negócios. Não é o governo, por exemplo, que exporta. São as empresas. E na situação em que chegamos há um reconhecimento explícito de que, dada a exigüidade de recursos disponíveis pelos governos para investir como o País exige, a melhoria e o avanço da infra-estrutura dependem da colaboração decidida do setor privado. Um exemplo claro é a iniciativa de empresários rurais de Mato Grosso, que estão investindo, em parceria com o governo estadual, na construção de 1.020 quilômetros de rodovias no estado, dos quais 290 km serão entregues ainda neste ano. Mas o arrojo desses empresários não pára por aí - eles ainda planejam asfaltar 2.440 quilômetros de rodovias estaduais, ombro a ombro com o governo, num investimento estimado em R$ 1 bilhão nos próximos quatro anos.Se isso não bastasse, já contemplam a perspectiva de, aliados à indústria de Manaus, trading companies e empresas da cadeia do agronegócio, investir mais US$ 175 milhões para asfaltar um trecho dos 1.800 quilômetros da BR-163, rodovia federal de importância estratégica para Mato Grosso. Cerca de 1 mil quilômetros dessa via ainda não contam com pavimentação asfáltica. Na prática, esses empreendedores mato-grossenses viabilizam a implementação de um sistema de parceria público-privada (PPP) com o poder público estadual. Um dos aspectos a chamar a atenção é que a combinação da criatividade dos empresários, com a firme decisão do governo local, possibilitou a rápida formalização de um peculiar marco regulatório no âmbito estadual, em que não está em jogo o retorno financeiro dos investimentos por meio da cobrança de tarifas de pedágio.Conforme este jornal informou, o movimento empreendedor - que já congrega 25 consórcios de produtores rurais criados especificamente para construir e pavimentar 21 estradas ligando regiões produtoras às rodovias federais (BR-163 e BR-364) - teve como catalisador a necessidade de baixar os custos logísticos do escoamento da safra agrícola de Mato Grosso. O estado se tornou o maior produtor de soja e algodão do Brasil, mas tem uma das mais precárias malhas rodoviárias do País. Basta dizer que dos 26.500 km de rodovias sob jurisdição estadual, só 7,4% estão pavimentados. As dificuldades de tráfego elevam os preços dos fretes, afetam a competitividade e diminuem os ganhos dos agricultores. O mecanismo concebido para garantir os recursos financeiros necessários baseia-se, em parte, na experiência já consolidada de concessão de crédito antecipado aos agricultores, pelas tradings e indústrias processadoras de grãos, em que a moeda é a saca de soja. Assim, os agricultores que aderem aos consórcios se comprometem, mediante assinatura de uma Cédula de Produto Rural (CPR) registrada em cartório, a contribuir com 1 a 3 sacas do grão por hectare plantado, dependendo da distância de suas fazendas até a rodovia asfaltada. Essa fórmula permitirá que, dos investimentos previstos de R$ 1 bilhão para asfaltamento de 2.440 km até 2006, os agricultores participem com R$ 350 milhões do seu bolso. O restante será aportado pelo governo do estado, com recursos do Fundo de Transporte e Habitação, lastreado por contribuições dos agricultores sobre a produção de soja, madeira, boi e algodão. No caso da soja, o produtor é tributado em R$ 4,50 por saca colhida. Ou seja, o bolo desse fundo estadual é formado por recursos dos próprios empresários rurais. Nesse esquema, convém ressaltar, os agricultores não estão investindo a fundo perdido. Ao contrário. Numa única safra, como relataram empresários ouvidos pela Gazeta Mercantil, eles obtêm ressarcimento com a economia nos custos do transporte de calcário, fertilizantes e da soja. Outro aspecto relevante é que, nas licitações promovidas pelos consórcios para contratação de empreiteiras que vão tocar as obras, o custo por quilômetro é cerca de 70% inferior ao que o governo federal paga. Enquanto o quilômetro dos produtores oscilou entre R$ 120 mil e R$ 150 mil, a União pagou R$ 560 mil pelas obras de um trecho da BR-364. Não se pode esquecer, também, a importância do efeito-demonstração dessa iniciativa. Essa ação confirma que é possível encontrar saídas criativas para desobstruir os gargalos na infra-estrutura e resolver outros problemas nacionais. Nossos governantes devem abrir os olhos para esse exemplo.

GM, 19/11/2003, p. A3

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