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O planeta sob pressao

Isto E, Ciencia, Tecnologia e Meio Ambiente, p.68-74
23 de Fev de 2005

Clima
O planeta sobre pressão
Num acordo histórico, 141 países se comprometem a reduzir seus índices de poluição para salvar a Terra do superaquecimento

Cláudia Pinho e Darlene Menconi
Primeiro homem a caminhar no espaço, em 1965, o cosmonauta russo Aleksei Leonor era outra pessoa quando colocou seus pés de volta na Terra. Virou místico, pintor de cenários siderais e, sobretudo, um homem mais humilde. O que mais me impressionou foi ver que, de longe, a Terra é tão pequena e frágil que não faz sentido tanta guerra, diferença racial e religiosa. Devíamos cuidar e proteger a nossa casa”, disse Aleksei num passeio pelo calçadão de Copacabana, em 2000.
Não é preciso romper a atmosfera para observar os efeitos da expansão humana. Daqui mesmo se podem ver os rasgões nas florestas que dãolugar às cidades, a fumaça das chaminés, a poluição dos rios e o rastro de fogo que limpa o terreno para futuras fazendas produtivas. Na semana passada, depois de sete anos de expectativa, a humanidade deu o primeiro passo para reverter os danos acumulados desde o início da Revolução Industrial, no século XVIII.
Na quarta-feira 16, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto, um dos mais importantes documentos em defesa do meio ambiente, que só virou realidade depois da adesão russa. A cerimônia foi na cidade japonesa de Kyoto, mesmo local onde o tratado foi assinado em 1997. O evento histórico contou com a presença da ambientalista queniana Wangari Maathai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Fundadora de uma campanha para salvar os bosques africanos, ela lidera o maior projeto de plantio de árvores da África. As florestas, aliás, são a grande panacéia para a alteração do clima. Em seu processo de crescimento, elas absorvem o carbono e jogam de volta o oxigênio.
Numa primeira etapa, só os 35 países industrializados, que compõem o chamado Anexo I, terão de reduzir a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta. Os idealizadores do protocolo levaram em conta o tempo que cada país contribuiu de forma negativa para o meio ambiente. Nações emergentes, como Brasil, China e Índia, só começaram a jogar gases tóxicos recentemente. Por isso, só terão de cumprir o acordo depois de 2012.
Do ponto de vista científico, o protocolo não deve trazer resultados relevantes. Para conter a poluição acumulada, seria necessário uma redução de 60% na emissão de gases, principalmente o gás carbônico (CO2), resultante da queima de combustíveis fósseis. A entrada em vigor do tratado mais ambicioso do planeta, com a assinatura de 141 nações, é mais uma vitória diplomática. A redução é modesta e representa o primeiro passo de uma ação futura maior. Kyoto vai demonstrar que é possível reduzir as emissões sem prejudicar a economia”, afirma Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O tratado de Kyoto é visto com bons olhos mesmo sem a ratificação dos EUA, responsáveis por um quarto da emissão mundial de gases tóxicos. O principal argumento do presidente George W. Bush para a não adesão é de que a ação multilateral prejudicaria a economia americana. Além disso, Bush discorda da não-inclusão dos países em desenvolvimento nessa primeira fase. A verdade é que ele representa a velha indústria do petróleo e não quer competir com as três superpotências do momento, que são o Brasil, a China e a Índia”, diz a americana Hazel Henderson, autora do livro Cidadania planetária. Na nova economia, a riqueza das nações se mede em recursos naturais e em valores como qualidade de vida, do ar e da água.”
A recusa americana ganha novos críticos a cada dia. A Climate Action Network, rede mundial que reúne 340 ONGs, adotou a música Apesar de você, de Chico Buarque, como tema das festividades para comemorar o início do acordo. A canção, traduzida para o inglês, é uma cutucada no presidente dos EUA. A intenção é mostrar que, apesar de Bush, o acordo vingou.
Tudo indica que a pressão internacional deve forçar a entrada dos EUA e da Austrália, que também ficou de fora do Protocolo de Kyoto. Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, avisou que vai insistir para que ambos participem do esforço global. Sem incentivo para desenvolver tecnologias limpas, é natural que outros países tomem a dianteira. Se daqui a dez anos os céticos concordarem que as mudanças climáticas são reais, os EUA estarão defasados. Duvido que eles vão ficar de fora”, diz Nobre.
Cerca de 28 Estados americanos e grandes multinacionais como Alcoa, Ford e DuPont trabalham para reduzir os gases poluentes. Governantes republicanos como George Pataki, de Nova York, e Arnold Schwarzenegger, da Califórnia, são os principais articuladores dessa batalha. Na Califórnia, os fabricantes de veículos terão de desenvolver carros capazes de cortar suas emissões em 30% até 2016. A frota do Estado responde por 11% do CO2 emitido pelos escapamentos dos EUA. Em Nova York, há um plano para a compra de 500 ônibus elétricos ou movidos a gás natural para escolas e universidades públicas. Só essa ação pode evitar o despejo de três mil toneladas de gases de efeito estufa.
As exigências do Protocolo de Kyoto criam novas oportunidades para países em desenvolvimento. As nações ricas que não alcançarem suas metas de redução podem comprar créditos de países como o Brasil. Isso se faz investindo em projetos que reduzam as emissões ou que absorvam o carbono. Segundo o Banco Mundial, 10% da oferta global de créditos de carbono será do Brasil. Temos experiência de 30 anos em biocombustível”, diz Antonio Sérgio Martins Mello, secretário do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. No início do mês, o ministro Luiz Fernando Furlan assinou convênio com a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), que prevê, entre outras ações, um sistema específico para as transações de crédito verde no mercado financeiro.
O grande problema do Brasil é o desmatamento. Entre 2002 e 2003, mais de 24 mil quilômetros quadrados da Amazônia viraram fumaça. É o equivalente a 2,4 milhões de campos de futebol, quase o tamanho da Bélgica. A emissão por desmatamento é três vezes maior do que os poluentes lançados pela indústria nacional”, afirma José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Investir em energia renovável é uma forma de crescer sem danificar o meio ambiente”, diz.
Há sinais claros de que as mudanças climáticas começaram. Os termômetros subiram 0,6o C desde 1800. Até 2100, a temperatura deve aumentar entre 1,4o e 5,8o C. Na Era do Gelo, ela era apenas 5 graus inferior à de hoje. Outro problema resultante do aquecimento global é a elevação do nível do mar. No século XX, as águas subiram entre dez e 20 centímetros. Estima-se que o nível suba entre nove e 88 centímetros até 2100, engolindo várias ilhas do Pacífico e inundando cidades inteiras.
Se há pouco tempo esses alertas eram vistos como exagero de ecologistas, hoje a situação mudou. Pergunte aos franceses se eles acreditam no aquecimento global depois que o verão de 2003 matou 30 mil pessoas. As mudanças são o argumento para a consciência planetária”, diz Carlos Nobre. A boa notícia é que, apesar de a maioria dos países ter aumentado sua emissão de gases desde 1990, Alemanha e Reino Unido reduziram em 18,5% e 14,5%, respectivamente, suas emissões antes de o Protocolo de Kyoto entrar em vigor. Com o colapso econômico da ex-União Soviética, a Rússia tem créditos de sobra.
Mesmo sem obrigatoriedade imediata de cortar poluentes, é bom os países emergentes cuidarem de seu ar. Afinal, as mais prejudicadas devem ser as nações cuja economia é baseada na natureza. A agricultura é uma das primeiras a sucumbir às intempéries climáticas. Assim como o abastecimento de água e a biodiversidade. Se o tratado é um primeiro passo para a melhoria do planeta, cada indivíduo pode fazer sua parte nessa longa caminhada.
Crédito Verde

Celina CôrtesA primeira iniciativa aprovada no mundo para receber créditos de carbono é brasileira. Ao custo de US$ 600 mil, o projeto aterro sanitário Nova Gerar, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, começou em 2000 e demorou a passar pelos crivos do governo brasileiro e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, colegiado responsável pela avaliação dos projetos no mundo. Com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, espera-se um boom das iniciativas verdes. O mercado de créditos de carbono deve movimentar US$ 300 milhões ao ano.
Fruto de um convênio com a prefeitura, a experiência de Nova Iguaçu converte lixo em combustível. Montada pela empresa S.A. Paulista e pela consultoria ambiental Eco Securities, a Nova Gerar implantou em 2003 a central de resíduos que vai usar o gás metano produzido pela fermentação do lixo como fonte de energia. O primeiro acionista é o governo holandês, que deve comprar o equivalente a 2,5 milhões de toneladas de carbono durante dez anos, a 3,35 euros a tonelada.
O projeto pode gerar nove megawatts de energia, o suficiente para iluminar o município de 900 mil habitantes. Por enquanto, a energia gerada mantém o sistema de transformação de lixo. Desde 1995, a Organização das Nações Unidas (ONU) estuda a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para compensar a poluição lançada pelos países industrializados. Foi o brasileiro Luiz Gylvan Meira Filho, então presidente da Agência Espacial Brasileira, que em 1997 apresentou a proposta hoje adotada mundialmente.
Ele calculou que a redução das emissões deveria ser proporcional à mudança climática de cada país. Quem excedesse sua cota pagaria uma multa, depositada em um fundo de desenvolvimento limpo. A idéia deu origem ao artigo 12 do Protocolo de Kyoto, que criou os créditos de carbono. Outro projeto já aprovado é o de otimização do aterro sanitário de Salvador, na Bahia. Até terça-feira 15, outros seis projetos nacionais aguardavam aprovação. Um deles é de geração de energia a partir do bagaço de cana da Companhia Açucareira Vale do Rosário, em São Paulo.
Como ajudar o planeta
Para driblar os efeitos inevitáveis das mudanças climáticas será preciso empenho político e, sobretudo, o esforço de todos. Como a maior parte das emissões de CO2 está ligada à queima de combustíveis fósseis, a saída é investir em energias alternativas, como a solar e a eólica, que depende da força dos ventos. No Brasil, coibir o desmatamento é a prioridade, mas é possível colaborar com medidas simples e com mudanças no padrão de consumo. Saiba como ajudar:
• Dê preferência a produtos com selo verde, uma garantia de que não agridem o meio ambiente• Prefira carros a álcool ou flexíveis e aposte no uso do biodiesel, mistura de óleo vegetal com óleo diesel• Economize energia e evite desperdício• Recicle e faça coleta seletiva do lixo• Reutilize tudo o que puder• Use água com moderação• Participe de ações de reflorestamento• Se puder, ande a pé ou de bicicleta em vez de pegar o carro

Isto É, 23/02/2005, p.68-74

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