VOLTAR

"O petróleo tem que ficar onde está"

Valor Econômico, Especial, p. A14
Autor: LAMBERTINI, Marco; CHIARETTI, Daniela
18 de Jun de 2014

"O petróleo tem que ficar onde está"

Por Daniela Chiaretti
De São Paulo

Preservar os recursos naturais continua sendo a coluna vertebral do WWF, uma das maiores redes ambientalistas do mundo, com escritórios em 130 países e equipe de 5 mil pessoas. "Não há possibilidade de se produzir desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza e ter desenvolvimento econômico, se não garantirmos um ambiente saudável, rico em biodiversidade e com ecossistemas que funcionam", diz o italiano Marco Lambertini, que em abril assumiu a diretoria-geral da ONG.
Lambertini chefiava a BirdLife International -que, como o nome diz, mira a conservação de pássaros- e dirige agora uma rede com mais de cinco milhões de contribuintes e orçamento anual de US$ 800 milhões. A munição financeira sustenta campanhas como a de proteção do Virunga, o mais antigo parque da África e um dos mais famosos por espécies espetaculares, como os ameaçados gorilas de montanha.
"Virunga é um dos últimos lugares na Terra onde se deveria buscar petróleo", diz a campanha do WWF, que exigia que a empresa britânica Soco desistisse do projeto de extrair petróleo por lá. Mais de 750 mil pessoas no mundo e na comunidade local apoiaram o esforço da ONG. Há poucos dias a empresa anunciou que riscou Virunga de seus planos. Lambertini começou bem sua gestão.
Toscano de Livorno, o diretor da WWF estudou química farmacêutica em Pisa e é conhecido pelo espírito pragmático. Escreveu dois livros - um sobre safáris na África e um guia sobre a natureza nos trópicos. Esteve no Brasil em maio para o primeiro encontro com líderes mundiais do WWF. Em Foz de Iguaçu (PR), discutiu as metas: mudança climática e conversão da matriz energética, preservar oceanos e influenciar políticas públicas e de financiamento, entre outras.
Os subsídios aos combustíveis fósseis têm que financiar alternativas renováveis limpas, diz Lambertini. Para ele, as reservas existentes de petróleo deveriam ficar onde estão e é inteligente buscar opções mais verdes a médio e longo prazo. Isso também vale para o pré-sal. "Temos que parar de espremer petróleo de qualquer fonte possível, como se a Terra fosse um limão de suco negro", disse ele ao Valor, por telefone, da sede do WWF, na Suíça. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Salvar pássaros é crucial?

Marco Lambertini: Não se trata de salvar pássaros, mamíferos ou plantas. Os ecossistemas funcionam porque há um número determinado de espécies que interage entre si. Por isso, a proteção da biodiversidade é importante.

Valor: Quais serão os grandes temas do WWF sob sua gestão?

Lambertini: Não há possibilidade de se produzir desenvolvimento sustentável, erradicar a pobreza e garantir desenvolvimento econômico se não garantirmos um ambiente saudável, rico em biodiversidade e com ecossistemas que funcionem bem. Esta continua sendo nossa estratégia central. A natureza está na base de qualquer desenvolvimento econômico e social. Isso vale para ricos e pobres, países em desenvolvimento e desenvolvidos. É uma questão de riqueza, bem-estar e felicidade.

Valor: E além da biodiversidade?

Lambertini: A nossa atividade é de 360 graus: ela se desloca da proteção às espécies e dos sistemas naturais para influenciar e tornar mais verdes as atividades produtivas, políticas de governo e de investimento. Partindo da biodiversidade e dos espaços naturais, ampliamos nossa atuação sobre atividades produtivas de modo que agricultura, florestas, pesca, consumo e produção sejam sustentáveis. Também queremos atuar no debate do investimento público e privado, na gestão territorial. Estes grandes temas influenciam o resultado das políticas ambientais.

Valor: Como foi a experiência do WWF no Virunga, com os gorilas?

Lambertini: Virunga é uma área natural de grande importância, o mais antigo parque nacional da África e um dos mais famosos pela presença desta espécie excepcional que são os gorilas de montanha. Sua floresta tem grande papel na mitigação da mudança climática porque absorve volumes enormes de carbono. É um parque visitadíssimo. É isso que quero dizer com unir natureza e econômico: Virunga gera milhões de dólares ao ano, é uma renda importante para a região, que é bem pobre. Milhares de pessoas trabalham direta ou indiretamente para o parque. E Virunga, patrimônio mundial da Unesco, é reconhecido como um lugar realmente especial.

Valor: O que está acontecendo?

Lambertini: Uma empresa de petróleo britânica, a Soco, fez testes e quer extrair petróleo desde as margens do lago Edward até o interior do parque nacional. O WWF sempre busca soluções para conflitos, mas neste caso a nossa posição foi de não aceitar que um lugar tão importante para a natureza, para as pessoas e para o clima ficasse comprometido pela extração de petróleo. A campanha buscou o não ao projeto, além de discutir com a empresa, que, esperamos, tenha uma atitude responsável e desista do plano [O WWF divulgou nota um dia depois da entrevista comemorando a decisão da Soco de recuar do projeto].

Valor: Vocês conseguiram apoio da comunidade local?

Lambertini: No começo foi difícil, porque a empresa investia pesado em propaganda. Mas as pessoas entendem a ameaça, sobretudo as populações mais carentes que dependem da pesca no lago ou do turismo do parque. Entendem que o petróleo não trará dinheiro para eles, só para outros e que o interesse dos que vivem ali é o parque, não o petróleo. Há situações em que é preciso conseguir algum acordo, e estamos sempre prontos a encontrar soluções entre ambiente e desenvolvimento. Mas há situações em que os ambientes são tão frágeis e importantes que é preciso dizer não.

Valor: Turismo ecológico pode ser uma solução à gestão de unidades de conservação no Brasil?

Lambertini: Claro. A rede dos parques nacionais brasileira é fantástica. É um capital natural a desenvolver de maneira sustentável, para a economia, e que o governo pode converter em valor se desenvolver um bom projeto de ecoturismo, com áreas que podem ser visitadas e outras, não.

Valor: Mas não temos grandes animais, como na África.

Lambertini: O Brasil tem grandes e incríveis animais! E as pessoas amam viver a beleza da natureza e as paisagens, não apenas para ver grandes animais, o turismo está cada vez mais sofisticado. Não tenham complexos em relação à África, o Brasil tem belezas naturais únicas.

Valor: Qual o resultado dos esforços de redirecionar recursos das energias fósseis para as limpas?

Lambertini: A mensagem é clara, os dados, irrefutáveis. A maioria absoluta da ciência confirma que a maior parte do aquecimento global é provocado pelas emissões humanas do desenvolvimento industrial, do desmatamento. Se quisermos bloquear o fenômeno temos que reduzir as emissões de gases-estufa. Não há o que fazer, temos que reduzir o consumo e reconverter a economia, sair dos combustíveis fósseis e ir para fontes renováveis. A tendência global nos últimos anos é de grandes investimentos em eólica, solar e hídrica, ainda que o investimento em hidrelétricas possa ser discutível dependendo da localização. Há também que redirecionar os subsídios de US$ 1 trilhão ao ano para facilitar a extração de petróleo e gás. Se esses valores fossem redirecionados, gradual mas velozmente, em facilitar o desenvolvimento de fontes renováveis, imagine com que rapidez poderíamos mudar o modelo de produção energética.

Valor: O Brasil, estima-se, será um dos maiores produtores de petróleo do mundo, com o pré-sal. Como o sr. vê isso?

Lambertini: Temos que parar de espremer petróleo de qualquer fonte possível, como se a Terra fosse um limão de suco negro. É uma visão de curto prazo que não nos ajudará e que tem grandes problemas econômicos. Se a mudança climática prosseguir velozmente como está ocorrendo, em determinado momento será inevitável que os governos digam que não é mais possível emitir tanto CO2, e que os danos causados pelo clima são muito superiores aos lucros do petróleo. Não será possível usar, nos próximos 30 anos, mais do que uns 20% das reservas existentes de petróleo. Isso quer dizer que as indústrias petrolíferas, hoje cotadas em Bolsa na base da totalidade das reservas que têm, perderão 80% de seu valor imediatamente porque não poderão utilizar seu ativo integral de reservas. Estamos especulando sobre falsos valores, sobre "stranded assets", ativos que não são de verdade. É o mesmo princípio do que levou o mundo à crise econômica cinco anos atrás. Estamos desenvolvendo a economia sobre uma bolha de sabão que irá estourar. Convido o governo brasileiro a pensar em uma estratégia de mais longo prazo. A estratégia atual não pagará os dividendos que hoje, no papel, parecem tão impressionantes.

Valor: Isso significa que o petróleo tem que ficar onde está, seja no Ártico, no Virunga ou no pré-sal?

Lambertini: O petróleo tem que ficar onde está. Mas sejamos realistas, temos que desenvolver um plano de transição. Não podemos hoje bloquear o bombeamento de petróleo, claro, mas não temos que investir no petróleo a longo prazo. Temos que começar agora a desinvestir e buscar alternativas. Este é o futuro, o futuro do planeta e das pessoas que vivem nele.

Valor: Continua-se perdendo a luta para a mudança climática, há grandes perdas de biodiversidade. Como alterar este quadro?

Lambertini: Nos últimos 50 anos a situação se deteriorou gravemente. Estamos em um ponto único na história da humanidade onde nossas ações colocam em risco a sobrevivência e estabilidade da civilização. Temos 30 ou 40 anos para mudar o curso do futuro. Este é o dado negativo, pesado e preocupante. Mas também é verdade que, em paralelo ao aprofundamento da crise, existe uma incrível energia para tentar resolver a situação, em termos de inovação, de tecnologia, de movimento rumo à economia verde. Nunca fomos tão conscientes dos problemas e das soluções. Hoje o futuro parece sombrio, mas estamos perto de um "turning point", um ponto onde as pessoas estão mais conscientes, as empresas entendem que seu futuro está em perigo e os governos começam a agir. Somos uma espécie reativa, que precisa sentir a pressão antes de agir, mas logo a sociedade civil irá pressionar tão forte negócios e governos que, esperamos, se inicie uma reversão de rota política, econômica e social.

Valor: O WWF aceita recursos de empresas. Como evitar que o interesse seja apenas no logo do WWF e não na transformação do negócio?

Lambertini: Temos que criar parcerias que façam sentido para ambos. Não dá para pensar que a indústria se deslocará sozinha na direção da nossa agenda, nos agradeça e ok. Há ótimos exemplos em oceanos e florestas, desenvolvidos em conjunto, como as certificações que ajudam a indústria a extrair madeira segundo critérios que mantém a integridade da floresta. Com os peixes é a mesma coisa. São processos que ajudam os negócios e protegem o ambiente.

Valor: E o marketing verde?

Lambertini: Tomamos cuidado, temos critérios bem estruturados. Estamos saindo da zona de patrocínio, onde uma empresa nos dá dinheiro para um projeto e pronto, e entrando na área de parcerias. A ideia é sentar juntos para melhorar o processo produtivo, reduzir impacto e obter resultados para o ambiente. É isso que nos interessa.

Valor: Como vê as economias emergentes, com populações que só agora chegam ao consumo?

Lambertini: Estamos investindo muito no México, Brasil, Índia, China, Indonésia e na África. O movimento da China é interessante. Tem população enorme e desenvolvimento acelerado, classe media crescendo como nunca e pegada ecológica exponencial. Ao mesmo tempo, a China desenvolve velozmente politicas verdes e redireciona recursos do carvão e petróleo às energias renováveis. Está planejando investimentos pesados em criar uma economia alternativa que se baseará em fontes renováveis. Isso dá esperança. É sinal que grandes economias estão levando em consideração os problemas ambientais que o desenvolvimento tradicional produziu.

Valor: Dá para pular este desenvolvimento clássico?

Lambertini: Ninguém pode, este é o problema. Mas pode-se planejar a médio prazo um desenvolvimento alternativo.

Valor: Na Amazônia vivem 30 milhões de pessoas que desejam desenvolver-se. Como vê esse desafio?

Lambertini: A Amazônia é um grande laboratório da sustentabilidade. É possível, com planejamento, garantir qualidade de vida a quem vive na Amazônia, com uma abordagem integrada que garanta atividades produtivas e economia verde baseada nos recursos naturais da floresta. Não pensamos, nem por um segundo, em pedir ao Brasil que bloqueie a Amazônia em uma grande área protegida. Mas há modos de desenvolver sem destruir a floresta. É um desafio, uma aposta e uma grande oportunidade.

Valor: Oceanos são prioridade?

Lambertini: O programa marinho estará no centro da nossa nova campanha mundial. Oceanos são muito frágeis e importantes para o clima, para a absorção de CO2, para a produção de comida. É um ecossistema crucial. Temos que encontrar a fórmula certa. Nossa campanha será centrada não apenas em criar áreas marinhas protegidas, mas em criar áreas onde comunidades locais e indústria conseguirão administrar os recursos do oceano de maneira sustentável.

Valor: O senhor acredita em um acordo climático em 2015?

Lambertini: Não temos experiências inspiradoras no passado, por isso mesmo desta vez não podemos falhar. Há três sinais encorajadores. O primeiro veio há alguns dias da gestão Obama que, pela primeira vez, agiu sobre as emissões. Segundo, a grande mobilização da China de sair do carvão. E a União Europeia mantendo suas metas ambiciosas de corte de emissões. Estes três grandes blocos de emissão, China, EUA e Europa, estão dando sinais positivos.

Valor: E o Brasil?

Lambertini: Queria convidar os brasileiros a acreditarem no desenvolvimento verde. É possível. Também quero dizer que o Brasil tem papel global, é uma força emergente e a política de vocês influencia os rumos da política mundial, principalmente no tema ambiental. Torço para que sejam responsáveis, corajosos e progressistas. E por fim, cuidado, porque a Itália pode ganhar a Copa e aí os dois países serão penta.

Valor Econômico, 18/06/2014, Especial, p. A14

http://www.valor.com.br/brasil/3587364/o-petroleo-tem-que-ficar-onde-es…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.