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O pêndulo de Kyoto

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
08 de Out de 2004

O pêndulo de Kyoto

Washington Novaes

Move-se de novo o pêndulo do Protocolo de Kyoto, agora para o lado favorável, acionado pelo governo russo, que desta vez anuncia a decisão do Gabinete comandado pelo presidente Vladimir Putin de homologá-lo. Mas tudo dependerá ainda de aprovação do Parlamento, onde o presidente tem maioria de dois terços. E ali acontecerá o que Putin quiser. Como vários membros de seu Ministério continuam condenando o protocolo - certamente com o conhecimento do chefe do governo -, o pêndulo mover-se-á para onde ele mandar. Se a aprovação ali de fato ocorrer, 90 dias depois o protocolo entrará em vigor, pois com a soma dos 17,4% das emissões de gases que intensificam o efeito estufa gerados pela Rússia se completarão 64,7% das emissões totais dos países industrializados e estará superado o mínimo necessário (55%), mesmo sem a adesão dos EUA, da Austrália e dos países exportadores de petróleo.
A decisão do Gabinete russo teve forte oposição interna, dos ministros que com a adesão consideram prejudicada e impossível de ser atingida a meta de dobrar a produção industrial do país em dez anos, como quer Putin. Por isso mesmo, teve também a oposição do setor industrial (que terá de mexer em sua matriz energética baseada em combustíveis fósseis) e dos produtores de petróleo. Mas teve a favor a fortíssima pressão da União Européia, que condicionou a essa homologação seu apoio à entrada da Rússia na Organização Mundial de Comércio. Da mesma forma, embora a Rússia não mencione, poderá "vender" à própria União Européia emissões que reduziu com seu declínio industrial desde 1990, data-base do protocolo. Também não deixou de pesar - como observou o ministro do Exterior, Yuri Fedotov - o fato de que a Rússia seria responsabilizada pelo fracasso do protocolo, se não o homologasse.
Se a homologação se concretizar, entra em vigor o compromisso de os 36 países industrializados reduzirem em 5,2%, no conjunto, suas emissões dos seis gases que intensificam o efeito estufa. Mas, como os EUA e mais alguns países não aderirão, a redução deverá ficar em torno de 3% - muito pouco diante dos 60% que pede o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC); mas um avanço político importante, que deixará os EUA (36,1% das emissões totais; só de dióxido de carbono, 5,75 bilhões de toneladas anuais) isolados e sob pressão mundial. Entretanto, mesmo com a decisão russa, os EUA já reiteraram que não homologarão o protocolo (e é improvável que o façam até com uma eventual derrota de George W. Bush).
De qualquer forma, entrará em vigor a obrigação de redução diferenciada por país: 8% na Suíça; 6% no Canadá, na Hungria, no Japão e na Polônia; 8% na Grã-Bretanha - que tem meta própria de 12,5%; estabilização na Rússia e na Ucrânia; Islândia (10%) e Noruega (1%) poderão até aumentar suas emissões. E entrarão em vigor também as cláusulas que permitirão negociar créditos de emissões (entre os que as reduziram e os que não conseguirem cumprir suas obrigações), implementar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - um país industrializado financia em outros países projetos que reduzam emissões e as deduz das suas - e de implementação conjunta (mesmo mecanismo, entre dois países industrializados). Só o MDL se calcula que movimentará alguns bilhões de dólares por ano.
O IPCC já está preparando um relatório sobre o MDL, que poderá ter mais de um formato. Um deles é o "seqüestro" certificado de carbono durante o período de crescimento de árvores (que, ao serem cortadas, terão de ser substituídas, para manter o seqüestro), no qual já há várias empresas e setores interessados no Brasil (sofrendo também críticas dos que vêem nele um formato de manter as emissões de gases nos países industrializados). Outro é a injeção de dióxido de carbono no fundo do mar ou em antigos campos de petróleo esgotados. Também neste caminho - no qual estão muito interessadas as grandes empresas petrolíferas norte-americanas, canadenses e européias, mas que ainda enfrenta pesadas críticas de geólogos - o Brasil está dando alguns passos. A própria Petrobrás já desenvolve projeto, inclusive porque a injeção de carbono permitiria recuperar petróleo hoje sem condições. Trabalha também no pólo petroquímico de Camaçari com a recuperação de metano e outros gases. A grande questão ainda está em como trabalhar com grandes volumes que compensem a operação.
Embora o Protocolo de Kyoto só estabeleça metas para serem cumpridas até o período 2008-2012, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair - que no ano que vem presidirá o G-8, dos grandes países industrializados -, já está anunciando que trabalhará para incorporar obrigações de países que hoje não têm compromisso de reduzir emissões. Citou a China (3,32 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono) e a índia (1,02 bilhão). Não mencionou o Brasil, que tem emissões relativamente baixas. Mas que já está no foco de muita gente, uma vez que as emissões na Amazônia por causa de queimadas e desmatamento (200 milhões de toneladas anuais) representam dois -terços das emissões totais do País e quase equivalem à redução que os países industrializados terão de conseguir. O próprio secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, professor José Goldemberg, já manifestou sua opinião de que dificilmente escaparemos dessa pressão.
Não está previsto oficialmente que haja discussões sobre novos compromissos em Buenos Aires, na décima reunião das partes da convenção sobre mudanças climáticas (de 6 a 17 de dezembro próximo). Mas é pouco provável que não aconteçam. Além da entrada em vigor do protocolo, estarão pairando temas "quentes", como o resultado das eleições norte-americanas (e suas conseqüências) e a decisão recente do Estado da Califórnia de exigir que novos veículos ali fabricados consigam, em 11 anos, reduzir em pelo menos 30% suas emissões de gases, As indústrias fabricantes dizem que terão uma perda de US$ 3 mil por veículo, enquanto os cientistas do governo dizem que o custo será de US$ 1 mil, porém compensado por uma redução de quase US$ 3 mil no consumo de combustível.
Por trás de tudo, a grande incógnita sobre os novos caminhos da matriz energética planetária. Quem fizer a aposta mais correta terá o futuro nas mãos.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 08/10/2004, Espaço Aberto, p. A2

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