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O PAC da divergência na Rocinha

O Globo, Rio, p. 12
10 de Jul de 2014

O PAC da divergência na Rocinha
Moradores de São Conrado condenam uso de mata protegida para reassentamento

Selma Schmidt

Com edital divulgado esta semana no Diário Oficial, a audiência pública para discutir a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) na Rocinha, marcada para a próxima segunda-feira, vai pegar fogo. O total de R$ 1,6 bilhão para as obras está assegurado pela presidente Dilma Rousseff desde o ano passado, e o projeto, em fase de aprovação pela CEF. Mas as intervenções previstas estão dando o que falar e já ultrapassaram os limites da favela. Em carta aberta, a Associação de Moradores e Amigos de São Conrado (Amasco) denuncia o que classifica como crime ecológico. Segundo a entidade, parte dos reassentamentos - necessários sobretudo para viabilizar a implantação de um teleférico e a abertura da Via Binário, paralela à Estrada da Gávea - deve acontecer num trecho de Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), em frente ao Clube Emoções e vizinho à futura estação do metrô.
É possível construir numa Arie, mas há muitas restrições. No trecho edificável, é permitido fazer residências unifamiliares. E, dependendo da cota do terreno, o lote mínimo para desmembramento varia de 600 a dez mil metros quadrados. A intenção, no entanto, é erguer, num espaço de cerca de 20 mil metros quadrados (2,5% dos 800 mil da Arie de São Conrado e Rocinha, criada por lei em 2003), nove prédios de quatro andares. Para isso, teria que ser aprovada uma legislação derrubando a que está em vigor.
Para tentar aquietar os ânimos, a Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop) vai convocar a direção da Amasco para uma reunião antes da audiência pública. José Britz, presidente da associação, no entanto, deixa clara a sua posição:
- Essa Arie é vital para São Conrado, a Rocinha e a cidade. O pedaço que querem retirar pode representar o início de um processo de degradação e de expansão da comunidade. Não somos contrários às obras do PAC. O que não aceitamos é que mexam numa área de Mata Atlântica, de preservação.

TELEFÉRICO COM DUAS LINHAS E SEIS ESTAÇÕES

Entre os próprios moradores da favela, o projeto, como foi concebido, está longe de ser unanimidade. Morador da favela, Antonio Xaolin Ferreira de Melo, coordenador-geral da Câmara Comunitária de Rocinha, São Conrado e Gávea e membro da Associação Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (a maior da área), está entre os defensores do teleférico - com suas duas linhas, sendo uma delas turística, e seis estações - e de que parte dos reassentamentos seja feita no trecho da Arie:
- Está havendo uma gritaria desnecessária. Há os que não trocam uma árvore por uma moradia. Entendo que, se for preciso tirar uma árvore para colocar uma residência, devemos replantar a árvore em outro lugar.
Uma opinião da qual o presidente da Associação do Laboriaux e da Vila Cruzado, José Ricardo Duarte, discorda radicalmente:
- Quando o governo ressenta numa área de mata, está aumentando o tamanho da favela. E o teleférico não atende às necessidades da comunidade.

'QUEREMOS É SANEAMENTO'

Também contrário ao teleférico, estimado em R$ 700 milhões, José Martins de Oliveira, coordenador do Rocinha Sem Fronteiras, quer é que o saneamento seja tratado como a prioridade máxima:
- No Complexo do Alemão, só dez por cento da população usam o teleférico, que custa R$ 2 milhões por mês e arrecada R$ 500 mil. Queremos é saneamento. Quando se acaba com valas negras, se deixa como legado saúde para a população. Nos lugares muito íngremes, o plano inclinado é mais indicado. A sua construção e a sua operação são mais baratas. A cabine tem mais espaço, permitindo carregar compras grandes e lixo. O teleférico diminui a velocidade e dá paradinhas nas estações, dificultando o uso por cadeirantes e idosos. Só atende ao turismo.
Martins, porém, prefere não entrar no mérito da escolha de um trecho de Arie para reassentar parte daqueles que terão suas casas derrubadas.
- O que defendemos é que as famílias sejam reassentadas de forma digna - diz ele, que quer ainda a conclusão do PAC 1 na Rocinha, paralisado em dezembro de 2010.
Mas, na área em frente ao Clube Emoções, em meio ao trecho destinado a reassentamento, uma casa de 400 metros quadrados, cercada de verde por todos os lados, se destaca. Na verdade, uma minifazenda - com vacas, cabras, patos, galinhas, dez cães fila, 150 árvores frutíferas, minhocário, biodigestor e muito mais -, colada à Rocinha. Foi lá que, há 30 anos, o médico Waldir Jazbik se instalou com a mulher. Natural de Santo Antônio de Pádua, Jazbik, de 86 anos, diz que vai brigar para não sair dali, se a desapropriação virar uma realidade.
- Construí tudo isso, cada cantinho. Sou do interior e me sinto com se estivesse lá - conta o médico, aposentado há 14 anos, depois de bater a marca de 14 mil cirurgias de coração.
Viver colado na Rocinha não incomoda Jazbik. Ao contrário.
- Cada brasileiro deveria passar um tempo vivendo em favela, para aprender a respeitar os outros - diz ele, que garante nunca ter se sentido ameaçado. - Todo lugar é perigoso. É a gente que leva o perigo.
Pelo projeto ao qual a Amasco teve acesso, pelo menos 475 unidades habitacionais devem ser construídas para reassentamento em quatro pontos. Além do trecho de reserva, a entidade discorda da escolha de um terreno junto ao Ciep Ayrton Senna e à chamada Matinha (um "puxadinho" da Rocinha) para erguer prédios. De lá, sairá uma via que vai desembocar no Túnel Zuzu Angel.

EMOP: PAC 1 ACABA NO FIM DO ANO

As obras do PAC 2 na Rocinha não têm data para começar. O projeto precisa do aval da CEF e ser discutido em audiência pública, para que o edital de licitação seja lançado. Como as intervenções duram pelo menos dois anos, só ficarão prontas após as Olimpíadas.
A Emop não detalha o projeto, alegando que só o fará após sua aprovação pela CEF. Por e-mail, entretanto, assegura que a prioridade do PAC 2 na Rocinha serão as "obras de infraestrutura de saneamento, como redes de drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário, com a ampliação do sistema existente para inclusive atender ao projeto denominado Sena Limpa, que atenderá a Rocinha e São Conrado". Na questão da mobilidade, além do teleférico, informa que o projeto prevê a construção de uma escada rolante na área da Cachopa.
Quanto ao PAC 1, a Emop promete concluir no fim deste ano as obras de complementação, que foram retomadas e custam R$ 22,5 milhões. Elas incluem um plano inclinado, com 140 metros de extensão e três estações, que ligará o acesso principal da Rocinha (Autoestrada Lagoa-Barra) ao fim da Rua 1.

A FAVOR

De acordo com o coordenador-geral da Câmara Comunitária de Rocinha, São Conrado e Gávea, Antonio Xaolin Ferreira de Melo, todas as obras do PAC 2 são importantes:
- Elas formam um conjunto para garantir qualidade de vida à comunidade.
O teleférico, diz ele, é um complemento do metrô:
- O sistema vai integrar a parte alta da favela. De lá até a estação serão cinco minutos. E, de metrô, são mais 20 minutos até Copacabana. O plano inclinado é para o lugar onde o teleférico não atinge (Roupa Suja). É mais lento e tem baldeação.
Xaolin também não vê problemas em construir num trecho da Arie:
- A discriminação do asfalto com a favela é histórica. As pessoas têm direito de chegar mais rápido ao trabalho.

CONTRA

Já José Ricardo Duarte, presidente da Associação de Moradores do Laboriaux e da Vila Cruzado, ele teme que o reassentamento no trecho da Arie perto da futura estação do metrô provoque uma remoção disfarçada:
- Se o governo fizer prédios nessa área de mata, aumentará o território da favela. Muitas famílias realocadas pelo PAC 1 acabaram sublocando ou vendendo os apartamentos. Como vai ficar a cabeça das pessoas quando virem a possibilidade de ganhar um dinheiro com a nova casa?
Para ele, se o teleférico não for implantado, será possível encontrar espaços para realocar moradores de forma segura, mantendo a favela do mesmo tamanho:
- Defendo uma discussão democrática.

O Globo, 10/07/2014, Rio, p. 12

http://oglobo.globo.com/rio/moradores-de-sao-conrado-condenam-uso-de-ma…

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