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O outro lado do ato da CTNBio

OESP, Notas e Informações, p. A3
20 de Mai de 2007

O outro lado do ato da CTNBio

Foi notícia de primeira página nos principais jornais brasileiros a liberação de uma variedade de milho transgênico pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), na quarta-feira. O destaque fala mais do atraso brasileiro do que da importância da decisão do colegiado. Em países que se pretendem sérios e protagonistas da realidade contemporânea, um ato como esse não precisaria ser registrado com o mesmo alarido, porque se inscreveria na ordem rotineira das coisas deste século 21 em que as inovações tecnológicas, de tanto se multiplicar, causam cada vez menos comoção.

Mas, sendo o que são os fatos da vida neste país, principalmente na esfera pública, em que ativas minorias retrógradas - aliadas a certos zelotes com o seu peculiar entendimento, tisnado de gritante parti pris, do que seja a defesa do interesse coletivo - detêm recursos de poder inversamente proporcionais à sua efetiva representatividade social, a conduta da imprensa foi de todo coerente. Como explicaria qualquer diretor de redação, cachorro que morde homem não é notícia, mas homem que morde cachorro, sim. Ou seja, não apenas os fatos incomuns, mas também os comportamentos humanos absurdos, ganham relevo na mídia porque tendem a chamar a atenção mais do que os outros.

No exterior, onde 29 países ou cultivam espécies geneticamente modificadas (GM), notadamente soja, milho e algodão, em áreas que não cessam de se expandir, ou importam e consomem produtos delas derivados, autorizações para o plantio comercial ou experimental de transgênicos são pouco mais do que trivialidades, relegadas a notas de pé de página (excetuado o caso da Grã-Bretanha, onde o terrorismo dos tablóides sensacionalistas sobre a ameaça dos Frankenfoods criou um clima de paranóia generalizada em relação aos efeitos "monstruosos" da biotecnologia).

No Brasil, porém, como não tratar a decisão da CTNBio como algo excepcional? Para começar, o milho 'Liberty Link' da Bayer - tão antigo que é chamado de "avô" dos seus similares -, é o primeiro transgênico a -ser liberado pela comissão, desde que, recriada pela Lei de Biossegurança, de 2005, ela voltou a se reunir, com nova composição e novas regras,em fevereiro de 2006, de resto submetida a constrangimentos tais que já beiraram a intimidação física de seus membros. A soja e o algodão GM são cultivados no País por autorização especial do presidente Lula, diante do fato consumado do contrabando maciço de sementes modificadas.

Além disso, passaram-se 9 anos entre o pedido de autorização do plantio comercial do milho da Bayer e a aprovação da CTNBio. (Das 32 solicitações para plantio experimental, apenas 8 foram analisadas e só 3 atendidas.) No caso do milho, o sim só vingou porque, para fúria dos ecofanáticos, o presidente da República sancionou meses atrás a redução do quórum para as deliberações da entidade. Originalmente, eram necessários os votos de 2/3 dos seus titulares, ou seja 18, para a liberação de um produto transgênico. Por isso, em novembro, faltou 1 voto para ser aceito o pedido de autorização de uma vacina GM destinada a suínos, amplamente usada no exterior. Agora, foram também 17 os votos favoráveis ao milho transgênico.

Mas a história não acaba aí. A decisão da CTNBio, atestando a segurança do produto para a saúde e o ambiente, precisa agora ser ratificada pelo Conselho Nacional de Biossegurança, de 11 ministros, sob a presidência da titular da Casa Civil, Dilma Rousseff. Essa instância retoma o exame do assunto pelos ângulos da "conveniência e oportunidade socioeconômica" e o do 'interesse nacional'. O conselho foi criado para dar ao governo, e não aos cientistas, a última palavra na matéria, sob a alegação no mínimo discutível de que um transgênico pode ser inócuo, mas nem por isso o seu plantio seria necessariamente desejável.

Essa, pelo menos, é uma etapa institucionalizada do processo - um degrau. Barreira mesmo, porque erguida para se impor ao trabalho da CTNBio, são as ações judiciais de iniciativa do Ministério Público (MP) Federal afim de obter a declaração de nulidade dos procedimentos da comissão. O que se quer, em última análise, é reduzi-Ia a pó. Não por outro motivo, a procuradora Maria Soares Cordioli, que representa o MP no colegiado, quer colocar sub judice a própria "viabilidade institucional' da CTNBio.

OESP, 20/05/2007, Notas e Informações, p. A3

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