OESP, Economia, p. B2
Autor: BRANCO, Gil Castello
12 de Nov de 2012
O orçamento e as tragédias climáticas
Gil Castello Branco
No Brasil, o primeiro homem público que demonstrou preocupação com os fatores climáticos foi d. Pedro II, quando prometeu: "Venderei até o último brilhante da minha coroa para acabar com a seca no Nordeste". A coroa intacta, com todos os brilhantes, está exposta no Museu Imperial de Petrópolis e milhares de nordestinos, ao longo de 150 anos, foram sepultados em seus Estados.
Desde o Império, portanto, a natureza anda de mãos dadas com a falta de planejamento e a debilidade do Estado nas esferas municipal, estadual e federal. No caso das inundações e dos desabamentos, a raiz do problema é a questão habitacional. Por muitos anos, o financiamento da casa própria atendeu somente as classes mais favorecidas. Em razão da inflação e dos juros elevados, a correção das prestações superava os reajustes salariais, inviabilizando as operações, notadamente para as famílias de baixa renda.
Surgiram, assim, as ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa dos governantes.
Diante do caos consumado, as tragédias vêm com aviso prévio.
As enchentes, por exemplo, estão no calendário nacional entre o Natal e o carnaval. Todos conhecem os Estados, as cidades e até as áreas de risco onde os eventos historicamente acontecem, mas o poder público é omisso em relação à atuação preventiva.
De 2000 a 2011, o Ministério da Integração Nacional - onde está alocada a Secretaria Nacional da Defesa Civil - aplicou R$ 7,3 bilhões na "resposta aos desastres e reconstrução" e apenas R$ 697,8 milhões na "prevenção e preparação para desastres". No ano passado, da mesma forma, foram gastos quase sete vezes mais em "resposta" às catástrofes do que em medidas que poderiam minimizar os seus efeitos. Além disso, nos últimos 12 anos, de cada R$ 5 do Orçamento da União para evitar calamidades naturais, somente R$1,22 foi efetivamente investido.
Para acentuar o rol de absurdos, em 2010, dos R$ 167,5 milhões aplicados em prevenção, 50,5% foram utilizados na Bahia, terra natal do ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou a distribuição de recursos e recebeu a informação de que a Bahia havia apresentado maior quantidade de projetos bem elaborados. Será que projetos dessa natureza são como o acarajé, que ninguém faz como os baianos?
No ano passado, sob nova direção, o Ministério da Integração destinou cerca de 90% dos recursos do programa de prevenção a Pernambuco. Embora a finalidade tenha sido a construção de duas barragens, uma vez mais foram questionados os critérios de distribuição estadual das verbas. A discussão acabou em frevo.
Em 2012, além dos programas de prevenção e resposta que já existiam - e permanecem neste ano -, foi criada outra rubrica com o nome de "Gestão de Riscos e Respostas a Desastres", envolvendo pelo menos seis ministérios. A dotação autorizada neste exercício para os três programas, nas várias pastas, é de R$ 4,4 bilhões. No entanto, a dois meses do fim do ano, nem sequer a metade dos recursos foi empenhada (reservada para pagamento futuro).
Até 7 de novembro, apenas R$ 2 bilhões foram comprometidos e somente R$ 1,3 bilhão foi efetivamente pago, incluindo os restos a pagar de anos anteriores.
Algumas ações aparentemente importantes apresentam execução orçamentária pífia.
No Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a ação de "Implantação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais" tem R$ 90,5 milhões autorizados, mas apenas R$ 867.427,50 (1%) foram empenhados.
No Ministério das Cidades, dos R$ 404,7 milhões destinados ao "Apoio ao Planejamento e Execução de Obras de Contenção de Encostas em Áreas Urbanas", somente20%foram empenhados até a semana passada.
Diversas outras ações estão mal executadas, o que é preocupante tendo em vista a proximidade do verão.
Por outro lado, o Nordeste vivencia a pior seca dos últimos 80 anos. O cenário é desolador, com escassez de água, animais morrendo, fome e miséria. O governo segue o ritual. Repassou recursos para as áreas atingidas, prorrogou a bolsa-estiagem e autorizou o pagamento de duas parcelas do seguro-safra. Anunciou, ainda, o aumento do número de carros-pipa e a venda de milho subsidiado para a alimentação de animais.
Em síntese, combate a febre sem eliminar a doença.
A seca no Nordeste brasileiro é um problema crônico e secular, que exige providências definitivas de longo alcance, como obras que ampliem a estrutura hídrica e a distribuição de água. A transposição do Rio São Francisco, discutida desde o Império, só foi realmente iniciada em julho de 2007. No entanto, mais de quatro meses depois da inauguração do primeiro trecho, em junho de 2012, nenhuma gota d'água do Velho Chico chegou aos moradores da região de Cabrobó, em Pernambuco. O canal com pouco mais de 2 km já esta pronto, mas faltam uma estação de bombeamento e uma ponte, que nem começou a ser construída.
Além da necessidade de agilizar as obras de infraestrutura, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil precisa ser aprimorado. Na verdade, a Defesa Civil, criada na 2.ª Guerra Mundial, até hoje não encontrou a sua identidade. Em alguns Estados, está vinculada à Casa Militar do Governador; em outros, ao Corpo de Bombeiros. Também é possível encontrá-la subordinada a secretarias da área social. A coordenação é exercida tanto por civis como por militares, sem que existam carreiras específicas.
Assim, tanto nas enchentes quanto nas secas, é preciso que seja intensificada a prevenção dos desastres naturais, aprimorando a gestão e ampliando os valores aplicados, mesmo que, para isso, seja necessário vender os brilhantes da coroa de d. Pedro II.
ECONOMISTA, É FUNDADOR DA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL ASSOCIAÇÃO CONTAS ABERTAS. E-MAIL:
GIL@CONTASABERTAS.ORG.BR
OESP, 12/11/2012, Economia, p. B2
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