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O novo mapa do sertao

O Globo, Revista O Globo, p.65-66
19 de Set de 2004

O novo mapa do sertão
Por Letícia Lins, de Recife
Castigada e desprezada por séculos, a caatinga começa a chamar atenção por sua biodiversidade. Pouca gente sabe, mas ela é o único dos biomas (conjuntos de ecossistemas) exclusivamente brasileiro — Amazônia, cerrado, Mata Atlântica e Pantanal estendem-se por territórios de outros países. Mais do que isso, um novo atlas acaba de revelar que ela é muito maior do que se imaginava. E, também, está muito mais ameaçada.O relatório Cenários para o bioma da caatinga” foi lançado em Recife pelo Conselho Nacional de Reserva da Biosfera da Caatinga, pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco (Sectma) e pelo Ministério do Meio Ambiente. É o maior levantamento sobre o bioma. Ele revela que a caatinga é 29,2% maior do que indicavam os números oficiais. São exatamente 1.037.517,8 quilômetros quadrados. O estudo atualiza o número de municípios incluídos no bioma. São 1.289: 164 a mais do que o último levantamento. Os pesquisadores descobriram que nada menos do que 70% do Nordeste são caatinga.O aumento do tamanho deve-se a melhorias no método de aferição. E o mesmo relatório destaca que a taxa de destruição do sertão cresce em ritmo acelerado. A cada ano, pelo menos 6.530 quilômetros quadrados de sua vegetação são destruídos. Da cobertura original, restam pouco mais de 51%. Caso a pressão persista ou se agrave, os cenários para 2010 são desoladores: sobrarão apenas 32% da vegetação. A devastação ameaça 665 mil quilômetros quadrados, dos quais 182 mil estão num caminho sem volta para a desertificação.

O extrativismo desordenado e o avanço sem
planejamento adequado das áreas de pecuária, agricultura e indústria levaram a caatinga à beira da exaustão, pondo em risco a qualidade de vida de quase 29 milhões de pessoas e a rica biodiversidade local. Não é à toa que um dos maiores símbolos do bioma é um animal recentemente dado como extinto na natureza, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).— A caatinga representa 70% do território nordestino, mas só 20% das áreas protegidas da região encontram-se na área do bioma. Na verdade só 4% de toda a caatinga estão protegidos — sustenta o secretário-executivo do Conselho Nacional de Reserva da Biosfera da Caatinga, Roberto Gilson Campos.O novo relatório sugere a criação de 82 áreas prioritárias para conservação e pesquisa, ao constatar que a desertificação avança de forma preocupante. Na Paraíba e no Ceará mais da metade do território total dos dois estados apresenta graves problemas de degradação ambiental. No Rio Grande do Norte e em Pernambuco, o comprometimento chega a 30% de suas respectivas áreas. — É urgente que se preserve a mata da caatinga. A vegetação sertaneja adaptou-se ao solo e ao clima inóspitos e é ela que tem barrado a desertificação. Se não fossem essas matas, o semi-árido já teria se transformado em um grande deserto — afirma Campos.
Conhecida pelas secas periódicas que a reduz a um emaranhado de gravetos, a caatinga se transforma rapidamente com poucas chuvas. Sua incomparável capacidade de regeneração e adaptação faz com que os especialistas depositem esperanças na recuperação do bioma.Segundo Campos, uma mata devastada no semi-árido se recupera em menos de 15 anos ao ser replantada pelo homem. Muito menos tempo do que seria necessário para recuperar uma área de Mata Atlântica ou da Amazônia, cuja recomposição poderia levar um século.A força da caatinga se revela ainda em sua biodiversidade. Embora seja um dos biomas brasileiros mais modificados pelo homem, ela guarda mais de três mil espécies de plantas, das quais pelo menos 318 são endêmicas, ou seja, só ocorrem no sertão. No ambiente por vezes tão inóspito vivem 825 espécies de animais — 34 delas ameaçadas de extinção.Estão registradas 348 aves, sendo 20 ameaçadas, como a arara-azul-de-lear (Andorhynchus leari). Os peixes somam 191 espécies, 57% delas endêmicas, inclusive aquelas conhecidas como anuais, cujos ovos adormecem nas secas e eclodem às primeiras chuvas. Também foram listados no levantamento 154 répteis e anfíbios. Entre os mamíferos, há 20 espécies ameaçadas de extinção, inclusive o rato-de-fava (Wiedomys pirrhorhinus) e o mocó (Kerodon rupestris).O relatório frisa que a criação de reservas não é suficiente: são necessárias intervenções que garantam a sobrevivência da caatinga, mas também a qualidade de vida dos sertanejos.

O Globo, 19/09/2004, p. 65-66 (Revista O Globo)

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