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O novo eldorado

Veja, Vida Brasileira, p. 71-72
04 de Ago de 1999

O novo Eldorado
Roraima é o Estado que mais recebe migrantes.
E Rondônia, o que mais exporta gente

Klester Cavalcanti, de Rorainópolis

O mapa das migrações no Brasil acaba de sofrer uma reviravolta. A mais recente pesquisa sobre o assunto feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, coloca Roraima como o Estado que mais atrai população e Rondônia como o que mais exporta gente (veja quadro abaixo). O movimento dos caminhões de mudança entre os dois Estados não pára. Entre 1991 e 1996, Rondônia perdeu, em média, 37 pessoas por dia. Roraima recebeu 16 novos moradores a cada 24 horas. Esses números representam uma mudança e tanto no perfil migratório da região amazônica. Nos anos 70, Rondônia era o Eldorado da nova fronteira nacional, o destino de milhares de brasileiros que iam para lá seduzidos pela política de distribuição de terras na Amazônia, promovida pelo governo militar sob o lema de "Integrar para não entregar". A população rondonense, que era de 100.000 habitantes em 1970, cresceu nove vezes em apenas duas décadas. Enquanto isso, em Roraima, no extremo norte do país, o aumento populacional não chegava à metade disso. Pouca gente queria ir morar lá, na longínqua fronteira do Brasil com Venezuela e Guiana.
Um dos motivos da atual fuga de moradores de Rondônia é a perda de qualidade da terra. Como todos os anos os agricultores queimam a roça para renovar o plantio, o solo fica cada vez mais pobre em nutrientes. "Em cerca de cinco anos a produtividade cai", explica o engenheiro agrônomo Gerino Alves Filho, coordenador de pesquisas do IBGE em Rondônia. Por essa razão, a imensa maioria dos migrantes que hoje estão indo para Roraima é formada por lavradores que já moraram em outras regiões da Amazônia. "Eles partem em busca de terras novas e férteis", diz Gerino Filho. Em geral, vão para onde lhes oferecem algum atrativo - ainda que ilusório. Como o governo federal desistiu da trágica política de ocupação da Amazônia a qualquer custo, hoje quem distribui ou facilita a compra de terras são as prefeituras, especialmente as de municípios recém-criados. Os prefeitos querem inchar a população de suas cidades para aumentar a fatia a que têm direito no Fundo de Participação dos Municípios, FPM, e outras verbas distribuídas pelos governos federal e estadual.
Verbas e problemas - Rorainópolis, a 300 quilômetros da capital de Roraima, Boa Vista, é um exemplo dessa distorção. Emancipada em 1997, a cidade quadruplicou sua população desde então. Tinha 7.000 habitantes há três anos. Hoje tem 28.000. Se o Brasil tivesse crescido nesse mesmo ritmo, abrigaria hoje 640 milhões de habitantes. Foi a própria prefeitura de Rorainópolis que incentivou a explosão populacional. "Atualmente, nosso orçamento mensal é de 70.000 reais, mas é preciso três vezes mais", afirma o prefeito Geraldo da Costa. A nova população, a ser contabilizada oficialmente no próximo censo do IBGE, deve dobrar a cota de Rorainópolis no FPM. Na prática, isso não representa vantagem alguma, porque os problemas estão aumentando na mesma proporção do número de habitantes.
Até 1995, Rorainópolis tinha um dos melhores atendimentos hospitalares do interior do Estado. Agora, os quarenta leitos do único hospital da cidade não estão dando conta do número de doentes. Um segundo hospital com cinqüenta leitos está sendo construído para amenizar o problema. As três escolas da cidade também são insuficientes para os alunos que chegaram com os novos moradores. São apenas 1.400 vagas de 1o e 2o graus. Na época em que a cidade tinha 7.000 habitantes, era o suficiente. Agora, faltam vagas. "Chega muita gente só com a roupa do corpo, e nosso município não tem estrutura para todo esse pessoal", reconhece o prefeito.
Mudança de graça - Apesar disso, o município continua atraindo gente, na esperança de aumentar sua cota na verba federal e estadual. Quem chega a Rorainópolis com o propósito de se instalar recebe cestas básicas, abrigo num galpão público e ajuda dos servidores municipais para conseguir emprego no incipiente comércio local ou na prefeitura. Qualquer família que estiver em Manaus ou em cidades próximas à divisa do Amazonas com Roraima e não tiver dinheiro para a mudança pode ligar para a prefeitura e encomendar um caminhão para buscá-la. Foi o caso da baiana Dilce Lopes, de 49 anos. Depois de passar por quatro cidades em quatro Estados, sempre atrás de um pedaço de terra para plantar, Dilce chegou a Rorainópolis em maio deste ano. "Nós precisamos ir para onde a vida for mais fácil", explica. Mora com as três filhas - todas estão grávidas -, três genros e dez netos num casebre de 16 metros quadrados, construído pela prefeitura no que deveria ser um conjunto habitacional. Apesar da propaganda, é o máximo que a cidade tem conseguido oferecer aos migrantes mais recentes.
Rondônia, enquanto isso, está perdendo moradores, mas os que ficam estão hoje em situação bem melhor do que quando chegaram, duas décadas atrás. Filho de alemães, José Burg nasceu num sítio em Porto União, no Estado de Santa Catarina. Sua peregrinação pelo país começou em 1952, quando se mudou com a mulher e a primeira filha, Helena, para Laranjeiras do Sul. Passou por mais uma cidade paranaense até espichar para Rondônia. Lá, a 3 500 quilômetros de sua cidade natal, ajudou a construir o município de Ji-Paraná, hoje a segunda maior cidade do Estado. "Quando cheguei, era um povoado com cinqüenta casinhas de madeira chamado Vila Rondônia", lembra o catarinense, que já contraiu malária oito vezes. Há nove anos, ele mudou novamente. Agora, mora em Ariquemes, também em Rondônia. Conseguiu, finalmente, realizar o sonho de ter uma boa casa, de alvenaria, pintada de branco, onde pode reunir toda a família. "Só não pego a estrada de novo por causa da família", diz. Em Ariquemes, Burg vive cercado pelos seis filhos, dez netos e cinco bisnetos.

Veja, 04/08/1999, Vida Brasileira, p. 71-72

http://veja.abril.com.br/040899/p_071.html

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