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'O mundo precisa delas': dez mulheres indígenas para conhecer e seguir nas redes

O Globo - https://oglobo.globo.com/celina
19 de Abr de 2021

'O mundo precisa delas': dez mulheres indígenas para conhecer e seguir nas redes
Do ativismo ao cinema, da antropologia ao Congresso Nacional, cada vez mais elas se fortalecem na dianteira das articulações nacionais e internacionais de defesa das florestas e dos povos originários

Leda Antunes
19/04/2021

"O mundo precisa da visão das mulheres indígenas", defende Joênia Wapichana, primeira indígena a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. "A gente compartilha o que tem, mas também compartilha a responsabilidade", completa a parlamentar. Do Congresso Nacional a festivais de cinema pelo mundo, as mulheres indígenas cada vez mais marcam sua posição na dianteira da proteção das florestas e da defesa dos direitos dos povos originários.
Elas são ativistas, líderes espirituais em suas comunidades, influenciadoras, cineastas, antropólogas, rappers ou estudantes. Em toda a sua diversidade, representam uma parte dos mais de 300 povos indígenas do Brasil em inúmeros espaços da sociedade. Neste Dia dos Povos Indígenas (o termo "Dia do Índio" para se referir ao 19 de abril é considerado racista e estereotipado), listamos dez mulheres indígenas que se destacam em suas áreas de atuação e que você precisa conhecer e acompanhar.
Alessandra Korap
Aos 36 anos, Alessandra Korap, da etnia Munduruku, recebeu em 2020 o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos por sua denúncias a atividades ilegais em áreas protegidas. A estudante de Direito - que teve a casa invadida em 2019 e recebe ameaças de morte constantemente - segue em defesa da demarcação da terra indígena Sawary Muybu, no sudoeste do Pará.
Ela conta que o que a motivou a sair do território para se projetar na luta pelos direitos dos povos indígenas foi a trajetória de Maria Leusa, coordenadora da Associação de Mulheres Munduruku. Alessandra começou sua atuação na Associação Indígena Pariri, que representa 11 aldeias do Médio Tapajós. Depois passou a ir para as aldeias conhecer as necessidades dos parentes e a participar de reuniões no Alto Tapajós e em comunidades quilombolas. "Os caciques começaram a me convidar e eu não parei mais", conta.
Em tempos de Covid-19, ela e outras mulheres indígenas se articularam para enfrentar a pandemia nas aldeias enquanto denunciam as invasões de garimpeiros, a instalação de hidrelétricas e os projetos de construção de ferrovias para escoamento da produção de soja próxima às terras Munduruku. "Meu papel é lutar contra esses grandes empreendimentos e lutar com meu povo."
Acompanhe nas redes: @alessandrakorap
Alice Pataxó
Alice Pataxó, de 20 anos, vive na Aldeia Craveiro, na Cidade do Prado, sul da Bahia. Comunicadora e ativista indígena da etnia Pataxó, ela é fundadora do canal Nuhé, no Youtube, e estudante de Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia.
Alice iniciou sua trajetória como comunicadora com seu canal no Youtube, criado em 2020, onde questiona os estereótipos impostos aos povos indígenas brasileiros, fala de literatura indígena e sobre a cultura e história da etnia Pataxó. Atualmente, escreve para o projeto de jornalismo Colabora e para o Yahoo News, além de atuar como ativista, palestrante e comunicadora indígena, acumulando dezenas de milhares de seguidores no Instagram e no Twitter.
A jovem usa suas plataformas para denunciar as violações de direitos sofridas pelos povos indígenas brasileiros e para divulgar informações sobre as diversas etnias, tentando desconstruir os estereótipos comumemente atribuídos aos indígenas brasileiros. "Tento descolonizar a mente das pessoas sobre o que elas conhecem de verdade sobre o indígena brasileiro. Muitas vezes é uma imagem estereotipada e romantizada", diz.
Acompanhe nas redes: @alice_pataxo
Célia Xakriabá
Ela é a primeira integrante do povo Xakriabá a concluir um mestrado. É também a única indígena a cursar doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - estuda Antropologia. "Ser a primeira me dá a responsabilidade redobrada de não deixar que eu seja a última", diz a pesquisadora.
Aos 32 anos, Célia Xakriabá pesquisa, por meio das falas dos estudantes indígenas, se os conhecimentos desses alunos são valorizados pelas instituições de ensino superior, ou se apenas seus corpos estão sendo acolhidos. Ela defende a reestruturação do sistema educacional para de fato acolher estudantes indígenas, luta pelo reconhecimento das mulheres indígenas dentro e fora das aldeias e pela demarcação das terras indígenas.
Acompanhe nas redes: @celia.xakriaba
Joênia Wapichana
A primeira mulher indígena eleita deputada federal no Brasil, pela Rede em 2018, Joênia Wapichana se fortaleceu nos últimos anos como uma das principais vozes em defesa dos povos indígenas e levou a luta dos povos da floresta para dentro do Congresso Nacional. Desde o início da pandemia, tem trabalhado em defesa da proteção e vacinação da população indígena contra a covid-19.
Joênia nasceu em 1974 na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, localizada na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima, e é de etnia Wapichana, que atualmente, segundo o Instituto Socioambiental, tem uma população total de cerca de 13 mil indivíduos.
Antes de chegar ao Congresso, Joênia também foi a primeira mulher indígena a se formar em Direito no Brasil, em 1997, pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Na sequência, conquistou o título de mestre pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. No Supremo Tribunal Federal (STF), Joênia protagonizou outro marco, ao ser a primeira advogada indígena da História a realizar uma sustentação oral na Corte, durante o julgamento que definiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2008.
"Não quero ser a única, nem a última", disse Joênia sobre sua eleição ao Congresso Nacional em entrevista à Celina.
Acompanhe nas redes: @joeniawapichana
Kaê Guajajara
Natural de Mirinzal, no Maranhão, Kaê Guajajara vivia em uma terra não demarcada e precisou mudar para o Rio de Janeiro com sua família ainda criança por conta de conflitos com madeireiros. Kaê fez desse contraste de vivências seu motor criativo e assim ganhou, em 2019, os holofotes no WME Awards (premiação dedicada às mulheres da indústria musical) ao cantar seu hit "Mãos Vermelhas" e levantou a plateia ao entoar "o agro não é tech, não é pop e também mata".
A artista vê a música indígena como um caminho para mudar a situação dos povos originários. No ano passado, ela lançou o EP "Wiramiri". Atuando em diversas frentes, ela acaba de lançar "Descomplicando com Kaê Guajajara - O que você precisa saber sobre os povos originários e como ajudar na luta anti racista", um ebook construído por jovens de mais de dez de etnias e com organização da ativista.
Acompanhe nas redes: @kaeguajajara
Katú Mirim
Nascida e criada na periferia de São Paulo, Katú Mirim foi adotada por um casal branco com 10 meses e somente anos mais tarde descobriu que seu pai biológico era do povo boe-bororo, do Mato Grosso. Não conseguiu saber nada sobre sua origem nos livros de história ou perguntando à professora. Foi somente quando passou a ter acesso à internet, aos 19 anos, que encontrou informações. Quando começou a fazer rap, foi natural falar da luta dos povos originários. No ano passado, lançou o EP "Nós".
Vivendo no meio urbano, ela relata que esbarra em dificuldades como os velhos estereótipos associados a indígenas, como se todos vivessem hoje da forma que os livros de história relatam. "Acho que o maior desafio é mostrar para as pessoas que nós não estamos no passado, que existem indígenas em contexto urbano. E que não é porque a gente está na cidade que deixa de ser indígena."
Acompanhe nas redes: @katumirim
Nara Baré
Nara Baré, de 43 anos, é em muitos sentidos pioneira na luta ambiental. Amazonense, ela é a primeira mulher a assumir a liderança da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). E foi em sua gestão, iniciada em 2017, que se alcançou pela primeira vez na história da Coiab uma divisão paritária de líderes: dois homens e duas mulheres na coordenação executiva.
Antes disso, em 2013, a indígena Nara foi indicada para concorrer a um dos postos de coordenadora executiva da entidade por aclamação de todas as mulheres presentes em uma assembleia realizada na época. "Cerca de 80% da liderança no meio amazônico é formada hoje por mulheres. Somos muitas", conta.
Nascida em São Gabriel da Cachoeira, município localizado a 835 quilômetros de Manaus com acesso somente por vias fluvial e aérea, Nara é filha de mãe indígena da etnia Baré. O município, que fica na região do Alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, possui 23 etnias diferentes, sendo que 90% da população é indígena.
A atuação de Nara no Amazonas é para preservar os territórios indígenas, as unidades de conservação e a manutenção dos modos de vida tradicionais dos povos que lá vivem. Em dezembro, recebeu o Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e do Estado de Direito em reconhecimento ao seu compromisso com a proteção do meio ambiente e com a defesa dos direitos indígenas.
Acompanhe nas redes: @nara.bare
Patrícia Ferreira Yxapy
Aos 36 anos, a cineasta Patrícia Ferreira Pará Yxapy acumula, além de um acervo de onze filmes, inúmeros prêmios e homenagens mundo afora. Da etnia Mbyá-Guarani, ela nasceu na vila de Kunhã Piru, município de Missiones, na Argentina, mas vive há 20 anos em Koenju, aldeia a 30km da cidade de São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul.
Em 2008, começou a trabalhar com produção audiovisual após participar da formação "Vídeo nas Aldeias" e fundou o coletivo Mbyá-Guarani de Cinema. "Eu sabia que existia esse tipo de trabalho, como vídeos e documentários, feitos por não-indígenas, mas me parecia muito distorcida a forma como os olhares de fora contavam as nossas histórias. Eu percebia que éramos retratados, em geral, de uma forma muito estereotipada. A nossa realidade é muito diferente do que era mostrado. A partir daí, eu decidi então que ia contar a minha história a partir do meu lugar, de dentro", conta.
Patrícia foi homenageada pelo Cabíria Festival em 2020, que exibiu obras de seu acervo como "Bicicletas de Nhanderu", premiado em 2011 no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, e "Nhemongueta Kunhã Mbaraete", uma série de vídeo-cartas produzida durante a quarentena a convite do Instituto Moreira Salles. Ela considera que, através do seu trabalho, fortalece a resistência dos povos indígenas brasileiros.

Putanny Yawanawá
Putanny Yawanawá, de 40 anos, veio ao mundo para romper barreiras. Ela e a irmã Hushahu são as primeiras mulheres yawanawás a se tornarem pajés. Para ser líder espiritual de seu povo, ela teve que enfrentar o preconceito dos homens, o receio das mulheres e encarar, durante um ano, uma dieta tão rigorosa que a fez perder mais de 20 quilos - a prova dos nove feita por aqueles que desejam se aprofundar nos conhecimentos e sabedorias ancestrais da espiritualidade.
Foram 12 meses de isolamento no meio da floresta e de alimentação restrita, sem contato com os filhos (na época, ela tinha dois, hoje, tem quatro) ou com o companheiro (o cacique Biraci Brasil, que a chama de "professora"). Mas com muita medicina da floresta, como uni (ayahuasca), rapé, saliva da jiboia e veneno de sapo - até então também usados apenas pelos homens dali.
Pelas mãos do pajé Tatá, seu antecessor, Putanny se aprofundou nos saberes de seu povo. Foi na espiritualidade e na força da mulher que ela viu um caminho para manter sua cultura viva e pulsante. " Não somos os donos da terra, nós cuidamos dela e ela cuida de nós."
Sonia Guajajara
Sonia Guajajara nasceu Sonia Bone no Maranhão, na terra indígena de Araribóia, do povo Guajajara. Aos 47 anos, ela lidera Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), onde é coordenadora executiva desde 2013 e representa os povos indígenas brasileiros mundo afora. Hoje, é uma das principais interlocutoras com o governo de Joe Biden para assuntos ligados à Amazônia brasileira.
Ao completar 15 anos, deixou o Maranhão para cursar o ensino médio em um colégio interno em Minas Gerais, onde cursou o magistério. Em 1992, retornou a sua terra para trabalhar em projetos de educação em saúde. Formada em Letras e Enfermagem, Sonia também é mestra em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes e Cultura pela Universidade Federal da Bahia.
Antes de chegar a Apib, foi coordenadora da Coapima (Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão) e da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Em 2018, foi a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos. "Para nós, não tem como falar de direitos indígenas sem falar de direitos ambientais. Nossa existência e nosso modo de vida estão totalmente ligados à proteção do meio ambiente", defende.
Acompanhe nas redes: @guajajarasonia

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