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O lamento dos pescadores

CB, Brasil, p. 10
08 de Mai de 2009

O lamento dos pescadores
Trabalhadores relatam como a quantidade de peixes da costa nordestina diminuiu. E não precisam de pesquisas para chegar a tal conclusão

Leonardo Cavalcanti
Enviado especial

Japaratinga (AL) - Em menos de 20 minutos o sol iluminará a praia. Por ora, veem-se apenas vultos. Os pescadores preparam as jangadas ainda na escuridão. Trabalham em silêncio, como faziam os pais e os avôs neste mesmo trecho do litoral norte de Alagoas. A diferença é que, ao regressarem do mar, trarão menos peixes. "Se for comparar com o que o pessoal da minha época trazia, é quase nada", sentencia Benedito José Lins, 90 anos, pescador desde sempre.

Benedito sabe o que os pesquisadores de ambientes marinhos levaram muito tempo de estudos para descobrir. Os recursos do mar chegaram ao fim. Os estoques de praticamente todas as espécies de pescado estão no limite da capacidade. Um rosário seria inútil para rezar contra as causas, todas relacionadas à degradação do ambiente marinho pelo homem. "As redes e as pescas de bombas acabaram com os peixes. Parece castigo de Deus", lamenta Benedito, 11 filhos, 20 netos e viúvo três vezes.

Há quatro anos, Benedito deixou de pescar em jangadas. Ficou com medo. Tem consciência da fragilidade do corpo. "Agora sou um pescador velho. As pernas não deixam que eu entre no mar." Resta a saudade. Todas as manhãs, antes das 5h, o homem vai para a beira da praia e observa o ritual dos mais novos - incluindo o dos próprios filhos, que não vivem mais exclusivamente da pesca e ao longo da alta temporada acabam na cozinha ou no balcão de pousadas e restaurantes.

Benedito mora a menos de 20 passos do mar, numa das melhores vistas daquele trecho de praia de Japaratinga, a 120km de Maceió - o município faz parte da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais. O pescador comprou o imóvel com o dinheiro recebido do peixe vendido e agora se esforça para evitar o ataque dos corretores imobiliários. "Deixarei para os meus filhos, mas sei que eles também serão tentados pelos mais ricos."

Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aponta que os maiores problemas da pesca artesanal do país são a baixa condição de vida dos trabalhadores - incluindo o elevado índice de analfabetismo, as técnicas ineficientes de trabalho, a dificuldade de acesso a linhas de financiamento e a especulação imobiliária. O último item traz consigo a destruição de zonas de manguezais e estuárias e o desmantelamento da vila de pescadores.

Bombas
A quase 800km de Japaratinga, o baiano José Roberto Caldas, 44 anos, trabalha para mudar o cenário de degradação. Zé Pescador, como é conhecido, vive em Itaparica (BA) e lá administra uma organização não governamental, a Promar, que, com ajuda de empresários e da comunidade, alerta para os danos causados contra o oceano. Se hoje Zé é um ambientalista, um dia foi "o maior predador dos mares", como ele mesmo conta. "Peguei de tudo e até arranquei corais para vender a colecionadores. Só não pesquei de bomba porque tinha medo", lembra, numa referência a uma das capturas consideradas mais danosas (leia quadro abaixo).

"O pescador de bombas pode até ser tachado de covarde. Mas é preciso que o Estado dê condições para que ele tenha alternativas e deixe de pescar de uma forma predatória", diz. "Antes, o pescador era encarado como um ser quase mítico, hoje os filhos dele não querem seguir o caminho do pai, pois sabem que irão viver na miséria." Zé Pescador abandonou a pesca predatória há 13 anos, quando ao chegar em casa com uma lagosta ovada abriu o bicho e a filha Janaina, então com 8 anos, perguntou: "Pai, por que você não espera os filhotinhos dela crescerem para depois pescar?" É claro que nada na vida é tão imediato. Mas, ao travar o diálogo com Janaina, o destruidor dos mares deu lugar a um dos ambientalistas mais respeitados pela comunidade de pesquisadores e pescadores do litoral baiano.

CB, 08/05/2009, Brasil, p. 10

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