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O lamento dos indios

CB, Brasil, p.18
18 de Nov de 2004

O lamento dos índios
Ministro da Cultura, Gilberto Gil, entrega hoje o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido anualmente pelo Iphan. Indígenas que contam suas histórias em livros venceram na categoria Divulgação
Ullisses Campbell
Da equipe do Correio
Cerca de 40 mil índios de oito comunidades do Nordeste estão escrevendo a própria história. Desde 2001, eles publicam livros contando fatos do passado e do presente da cultura indígena. Até agora, já foram publicados sete volumes com textos e fotos de autoria de índios de aldeias da Bahia, Alagoas e Pernambuco. No total, mais de 21 mil exemplares foram vendidos e distribuídos para bibliotecas públicas.
O trabalho dos índios é coordenado pela organização não-governamental (ONG) baiana Thydêwá Esperança da Terra. Neste ano, o projeto, que recebeu o nome de Índios na Visão dos Índios, foi contemplado com o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido anualmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na categoria Divulgação. A entrega do prêmio, marcada para hoje, no Teatro Nacional, será feita pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil.
Alta qualidade
Os primeiros sete livros contam a história das aldeias Kariri-Xocó (AL), Pankararu (PE), Fulni-ô (PE), Kiriri (BA), Tumbalalá (BA), Truká (PE) e Tupinambá (BA). Cada volume tem 64 páginas e traz cartas, depoimentos e informações em forma de reportagem com fotos feitas pelos próprios índios.
Quem teve acesso aos livros indígenas ficou impressionado com a qualidade da obra. Principalmente pelas informações que elas trazem. Numa delas, por exemplo, os índios das etnias que habitavam o Brasil antes do descobrimento, como os Kariri-Xocó, de Alagoas, dizem que não têm nenhum ressentimento dos portugueses, como afirmam antropólogos e historiadores em seus livros.
Na publicação premiada, os índios contam como mudaram seus valores com o descobrimento. Antes, a agricultura era coletiva. Hoje, eles fazem plantações individuais e são adeptos de cercas com arame farpado, conta o coordenador do projeto, Sebastián Gerlic.
Religião
Os livros escritos pelos índios contam também como eles se relacionavam com Deus antes da chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral, e depois de 1.500. Relata ainda a origem da maioria dos conflitos entre eles e os povos não-índios. As tribos eram uma única família. Eles contam nas publicações que, atualmente, são individualistas, diz Gerlic. O interessante é que esses fatos não estão apenas relatados, mas sim explicados e contextualizados.
Os índios que se encarregaram de coletar dados e escrever os livros foram selecionados em oficinas. A maioria assumiu papel de jornalista e saiu pelas aldeias feito repórteres. Com gravador, bloco de anotações e caneta nas mãos, colheram uma infinidade de depoimentos. Um outro grupo registrou as imagens em câmeras digitais de alta resolução, o que conferiu aos livros fotos de boa qualidade. Em seguida, um editor selecionou os textos e publicou-os na íntegra. Resolvemos manter até os erros de português para mostrar como eles lidam com a língua, justifica Gerlic.
Mudanças
Nos livros premiados pelo Iphan, os índios contam como foram forçados a deixar as aldeias para sobreviver na cidade. Reclamam que não têm mais condições de se alimentar e sobreviver só com caça e pesca. Vivemos de artesanato e de apresentações que fazemos para os brancos, conta Kaiany Kariri-Xocó num dos capítulos da obra. Agradeço às pessoas que possam nos ajudar, porque não temos mais como nos manter ficando só na aldeia, completa.
O índio José Alto fez o ensino fundamental e médio no Rio de Janeiro e contou uma história curiosa num dos livros premiados. Numa aula de Filosofia, o professor disse na sala de aula que os índios são considerados menores porque são considerados incapazes e têm mente pequena, como a de uma criança de sete anos. Isso vem do passado, quando a gente era considerado feiticeiro, macumbeiro e comedor de lagarta. Como antigamente, ainda somos rebaixados. Hoje, temos índios advogados, médicos e engenheiros.
``Estamos numa situação muito difícil. Nós nos mantínhamos mais da pesca. Mas agora a água esta escura e ninguém pega mais nada``
Airã Kariri-Xocó
``Nossa vida é sempre uma busca por algo. Trabalhamos na roça, em casa, pescamos e fazemos artesanato. Saímos da aldeia para fazer apresentações fora. É assim a vida do índio de hoje em dia. Uma busca que não acaba nunca``
Salmã Kariri-Xocó
``Vocês brancos pensam que nós, índios, temos dois deuses. É mentira. Temos apenas um. A diferença é que vocês vêem Deus orando e com uma bíblia. Nós vemos nosso Deus com a Xanduca, fumando``
Trecho do livro que fala sobre religião
``Queremos ensinar os brancos a amar a natureza, proteger o meio ambiente, conservar os animais na floresta e retirar da natureza só aquilo que é preciso. Os bancos deveriam amar a natureza como se amassem a própria família
Nhenety Kariri-Xocó
Vivemos de artesanato e de apresentações que fazemos para os brancos
Kaiany Kariri-Xocó, índia

O Número
21 MIL exemplares dos livros feitos pelo índios foram vendidos e distribuídos para bibliotecas públicas

R$ 6 mil para cada premiado
Criado em 1987 pelo Iphan, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade valoriza ações voltadas para a preservação e divulgação do patrimônio cultural brasileiro. Neste ano, as 15 superintendências regionais do órgão do
governo federal analisaram 125 ações inscritas em todo o país. Dessas, 44 foram pré-selecionadas e julgadas por especialistas da área cultural. No final do julgamento, foram premiadas seis ações, que receberam R$ 6 mil em dinheiro.
Uma das ações premiadas foi a do Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes, de Minas Gerais. Formado por donas - de casas, operários da construção civil, carpinteiros e eletricistas, a entidade foi premiada pelo trabalho em defesa da Serra de São José. Em 1996, eles já haviam sido premiados pelo Iphan por conta do mesmo trabalho.
0 Corpo de Bombeiros Voluntários atua em cinco municípios mineiros apagando fogo numa área recorrente de focos de incêndio. A área é formada por três ecossistemas: cerrado, mata atlântica e campo rupestre. Na região protegida, nasce uma série de córregos. Um deles é a nascente do Rio das Mortes, um dos mais importantes das regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Dessa vez, os bombeiros foram premiados pelo trabalho de prevenção desenvolvido em escolas de ensino fundamental e médio. O grupo foi formado em 1992 com a finalidade de preservar as belezas naturais da Serra de São José. No início, os voluntários combatiam incêndios sem nenhum preparo técnico. Apesar de os primeiros trabalhos terem alcançado sucesso, o grupo sentiu falta de técnica. Foi a Brigada de Combate a Incêndios do Corpo de Bombeiros oficial do governo mineiro que ministrou um curso completo aos voluntários. Hoje, eles contam com equipamentos e têm o trabalho reconhecido e elogiado. (UC)

CB, 18/11/2004, p. 18

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