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O jardim da Dilma

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: VIEIRA, Liszt
07 de Mai de 2013

O jardim da Dilma

Liszt Vieira

Com 204 anos de existência, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma entidade de referência em pesquisa científica, possui acervo histórico, artístico e cultural de grande relevância, e todo o seu perímetro é objeto de tombamento pelo Iphan, inclusive a área do Horto, reconhecida como historicamente integrada ao Jardim Botânico.
Este patrimônio se encontra ameaçado por cerca de 620 ocupações irregulares, envolvendo um litígio de mais de duzentas ações de reintegração de posse impetradas pela União. Na última década, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) se limitou a avaliar a questão sob o prisma habitacional, ignorando a relevância científica, histórica, ambiental e cultural do Jardim Botânico.
É fundamental a retomada dessa área, o que permitirá a necessária expansão do arboreto a fim de possibilitar que o governo brasileiro cumpra compromissos assumidos no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da ONU.
Relatório do Ministério do Meio Ambiente identificou 240 casas em áreas de risco (40% do total), ao lado de encostas e rios, em flagrante violação da legislação ambiental. E o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal a proposta de regularização fundiária defendida pela SPU.
O Plano Diretor do Jardim Botânico prevê a retomada de sua área irregularmente ocupada. Cabe ao governo federal construir habitações de interesse social e resolver a questão de moradia desses ocupantes, sem prejudicar a sobrevivência do Jardim Botânico no século XXI.
Em vez disso, nos últimos dez anos prosperou no governo uma proposta ilegal, anticientífica e antiambiental.
Por essas razões, lutei contra a proposta de regularização fundiária que garantia a permanência dos atuais ocupantes em área do Jardim Botânico. Como não existe usucapião em terra pública, inventaram uma série de falsidades, como ocupação de cem anos, quilombola, museu etc.
O caso do Jardim Botânico configura um conflito entre o interesse público e o privado. Uma agressão à lei, à ciência, ao meio ambiente e à cultura. Por esta razão, considerei incompatível continuar à frente da presidência do Jardim Botânico e coloquei o cargo à disposição. A pedido da ministra do Meio Ambiente, continuei trabalhando até a escolha do meu sucessor, que, segundo consta, foi definida nos idos de março, e minha saída concretizada agora, no início de maio.
O Jardim Botânico, por força de lei, adota um critério científico e ambiental. Infelizmente, na última década, predominou no governo uma posição que implica privatizar um patrimônio público tombado, um bem público de uso comum, em favor de interesses particulares ligados à clientela eleitoral de um deputado do Rio de Janeiro.
Hoje, porém, há sinais de mudança. As decisões da Justiça Federal e do TCU levaram o governo a reestudar o assunto com vistas a apresentar uma nova proposta.
Esperamos que ela esteja à altura da biografia política da presidente Dilma.

Liszt Vieira é presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

O Globo, 07/05/2013, Opinião, p. 19

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