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O incerto curso das hidrovias no Brasil

O Globo, Economia, p. 33
14 de Jul de 2013

O incerto curso das hidrovias no Brasil
Empresas querem investir no segmento, que pode gerar economia de R$ 3,7 bi por ano, mas governo não vê prioridade

HENRIQUE GOMES BATISTA
henrique.batista@oglobo.com.br

RIO - O desenvolvimento das hidrovias no Brasil está em uma encruzilhada. Empresários se interessam em investir no setor e planejam aumento expressivo de seu uso, o que poderia eliminar pelo menos 450 mil viagens de grandes caminhões nas congestionadas estradas brasileiras em 2016. Para empresários e especialistas em logística, os rios são ótimas alternativas para escoamento, sobretudo, da produção de grãos. Mas o governo afirma que o segmento não é prioritário e prefere focar na construção de ferrovias - algumas seguem o trajeto de rios que poderiam ser navegáveis com obras de eclusas ("elevadores" para barcos em rios com desníveis) e dragagens.
Se fizer a opção pelos rios, dizem os especialistas, o país deixará de desperdiçar, no mínimo, R$ 3,7 bilhões por ano com uma logística mais eficiente, barata e ecologicamente correta. Mas, mesmo com o Brasil atrasado décadas em relação a outros países, autoridades veem as hidrovias como auxiliares:
- Hidrovia não é solução estrutural para o transporte brasileiro, não temos um Rio Mississippi. No Brasil as hidrovias são muito periféricas, não passam por grandes centros produtores ou consumidores. A prioridade é criar uma malha ferroviária mais robusta - diz Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística, responsável pelo novo modelo de transportes do país.
Rio Tocantins pode ser privatizado
Ainda que a hidrovia não seja o foco, o governo estuda uma inédita concessão à iniciativa privada, para tornar o Tocantins navegável. Segundo Figueiredo, o projeto está em elaboração e será concluído até o fim do ano. A proposta é criar uma concessão administrativa. Ou seja, em vez de cobrar pedágio, a empresa assume obras e faz a manutenção da hidrovia. Em contrapartida, recebe pagamento do governo pelo trabalho executado.
Este projeto, piloto, poderá incentivar soluções para as demais hidrovias consideradas pelo governo, nos rios Madeira/Amazonas (Norte), Tietê-Paraná (Sudeste/Paraná), Lagoa dos Patos (RS), São Francisco (Nordeste) e Tapajós, entre Miritituba e Santarém, no Pará. Mas Figueiredo não dá muitas esperanças a quem imagina um programa mais ousado, como a ampliação da hidrovia do Tapajós até o Mato Grosso, maior produtor nacional de grãos.
- Temos que ver o custo-benefício. No caso, já planejamos uma ferrovia entre Cuiabá e Santarém - afirma, lembrando que o governo ainda tem dificuldades para incluir as obras das eclusas em hidrelétricas futuras. - O custo dessas eclusas não pode entrar no total da hidrelétrica, que é a base da tarifa da energia. Estamos conversando com a EPE (Empresa de Planejamento Energético), mas ainda não temos uma solução.
Renato Casali Pavan, presidente da consultoria Macrologística, lembra que se o Brasil optasse pelos rios, a economia com uma logística mais barata e eficiente chegaria a R$ 3,7 bilhões por ano, considerando-se apenas o Tocantins (R$ 1,7 bilhão) e o Jurena-Tapajós (R$ 2 bilhões). Para isso, seriam necessários R$ 9 bilhões em investimentos, incluindo as eclusas das novas hidrelétricas, para que estes rios fossem navegáveis até o Mato Grosso.
Mas fontes do setor e do governo alertam que a possível concorrência entre modais - benéfica para os usuários - é um dos pontos que sempre atravanca as hidrovias. No caso das hidrovias amazônicas, há quem tema perda de competitividade da ferrovia Norte-Sul e do prolongamento da estrada de ferro da ALL até Rondonópolis (MT).
Por isso, a eclusa de Tucurí, em Tocantins, quase não foi usada, mesmo após de ser concluída com 20 anos de obra e custo de R$ 1 bilhão. O rio não está navegável o ano todo pela necessidade de um derrocamento (espécie de dragagem), no Pedral do Lourenço, que custa R$ 600 milhões.
- Os governos sempre optaram por um modal, em vez de investir em vários, criar uma rede. Não haverá competição: as hidrovias serão para produtos de baixo valor agregado, como as commodities (produtos básicos como minérios e soja), as ferrovias serão para bens de médio valor agregado e as rodovias, para cargas regionais, urgentes e produtos refrigerados, por exemplo - diz Pavan.
O especialista conta que foi procurado por grupos holandeses e noruegueses, além de brasileiros, interessados no setor.
Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), vê retrocesso: no setor
- Estamos andando para trás. Há 50 anos o Rio Grande do Sul tinha 1.200 km de hidrovias, hoje são apenas 800 km, porque uma dragagem de um trecho de míseros 1.500 metros está atravancada há 12 anos pelo governo estadual. O Mississippi, por exemplo, é gerido por agência mista e incentiva a criação de empresas e de cargas. Assim, não rouba a carga de outros meios, a carga é nova.
O superintendente de Navegação Interior da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Adalberto Tokarski, é otimista. Diz que a iniciativa privada faz sua parte e o transporte de soja tende a crescer:
- Em 2016, o Rio Madeira pode levar 4,5 milhões de toneladas de soja, contra 3 milhões deste ano. O Tapajós, a partir de Miritituba, e o Tocantins poderão chegar a 3 milhões e 6 milhões de toneladas, respectivamente.
No Tietê, o avanço esperado é de 6 milhões de toneladas para 12 milhões. No total, a carga destes quatro rios passará dos nove milhões de toneladas para 25,5 milhões, até 2016. Serão menos 450 mil caminhões com 37 toneladas de soja cada um.

No Tietê, cargas
começam a se
diversificar
São Paulo poderá ter rede de transporte metropolitano em seus rios

RIO - Enquanto no Norte do país os grãos forçam os investimentos em hidrovias, em São Paulo o Rio Tietê começa a ter cargas diversificadas. Antes mais restrito ao transporte de areia, o rio agora já é o caminho de escoamento para grãos, etanol, cana e celulose. E, este ano, a cerâmica usará suas águas como canal.
Casemiro Tércio, diretor do Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, diz que o órgão, em parceria com a União, está expandindo a hidrovia, hoje com 800 km, em 250 km. Os investimentos são de R$ 700 milhões e farão a travessia do estado demorar quatro dias, contra os atuais cinco:
- Nosso sonho é que os empresários levem em conta o rio na hora de pensar no transporte de suas cargas. Tanto é assim que estamos planejando criar quatro terminais públicos no rio.
São Paulo também caminha para ter a primeira hidrovia metropolitana do país. Em um primeiro momento, está ocorrendo a revitalização dos 50 km navegáveis no Tietê e no Pinheiros. A hidrovia vai ganhar mais 14 km com uma nova eclusa. A prioridade será o transporte de carga pública, como resíduos, rejeitos de dragagem e lodo sanitário - sem ligação com a hidrovia do Tietê. O transporte de passageiros na represa Billings também está em estudo.
Há quem veja possibilidade de um hidroanel em São Paulo, que pode chegar a 170 km de rios navegáveis, circundando a cidade. O professor Alexandre Delijaicov, da FAU-USP, participa de um projeto:
- O uso dos rios favorece sua conservação, cria uma consciência ecológica - afirma, lembrando que o projeto da USP, em estudo pelo governo, prevê décadas para ser implementado.
O advogado José Mário da Silva, do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados, afirma que o Brasil poderia ter muito mais:
- Estudos indicam que, com novos canais, poderíamos ligar a Bacia Amazônica, via Rio Madeira, à Bacia do Prata.
Ele reconhece que isso é um sonho distante e que o avanço será na área de grãos:
- A Cia. Docas do Pará está com um projeto para um terminal de grãos em Belém, que será o maior do país.
O presidente da Confederação Nacional do Transporte, senador Clésio Andrade (PMDB-MG), diz que o Brasil seria outro se já tivesse investido em hidrovias:
- A construção da eclusa depois das hidrelétricas encarece as obras - diz, citando estudo que indica a necessidade de investimentos de R$ 500 bilhões no transporte, sendo R$ 50 bilhões em hidrovias.

O Globo, 14/07/2013, Economia, p. 33

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