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O homem que queria ser dono do chá sagrado

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
23 de Nov de 2001

Loren Miller, da International Plant, foi declarado inimigo dos índios por registrar patente de um cipó alucionógeno
É possível imaginar uma tribo indígena registrando a patente mundial da hóstia que os católicos usam no ritual da missa ? Ou se tornando proprietária dos direitos de licenciamento sobre o processo kosher que os judeus usam para purificar seuss alimentos?
Loren Miller, presidente da International Plant Medicine Corporation, empresa com sede na Califórnia, tentou algo parecido. Requisitou a patente de uma planta tropical considerada sagrada e usada há pelo menos quatro séculos em rituais religiosos por mais de 300 tribos indígenas da Amazônia.
Ela é conhecida como Oasca (Ayahuasca, em espanhol). Nos catálogos de botânica tropical leva o nome de Banisteriopsis caapi. Trata-se de um cipó amazônico com propriedades terapêuticas, de efeitos alucinógenos, por isso mesmo dentro das tribos só os pajés têm direito à manipulação.
Desde os anos 30, seitas como o Santo Daime o adotaram. Distribuem aos fiéis na forma de chá, como sacramento na ''purificação''.
O empresário Miller acabou declarado ''inimigo público'' pelo Conselho de Organizações Indígenas da Amazônia, que tem sede em Quito (Equador) e representa tribos de nove países da região.
''Proíbe-se a sua entrada e a de qualquer funcionário ou técnico da International Plant Medicine Corporation em qualquer comunidade indígena amazônica, sem responsabilidade pelas consequências para sua integridade física que possa ter o desconhecimento desta resolução'' - decretou a entidade em comunicado, divulgado há três anos.
O conselho indígena pediu a anulação da patente em tribunais dos Estados Unidos. Miller ganhou, mas não levou, segundo a Amazon Alliance, uma das entidades que defenderam os direitos dos índios no processo.
Segundo a Alliance, ele não poderá usar a patente para fins comerciais. O tipo de patente obtido seria limitado ao uso científico. A entidade acha que ele errou ao selecionar o tipo de patente para registro. Miller não foi localizado para comentar a decisão do Escritório de Patentes, equivalente do Inpi.
O processo se arrastou por 11 anos, desde que a International Plant pediu registro de uma suposta variedade da ayahuasca obtido em experiências próprias. ''A variedade da ayahuasca, apontada como descoberta dele em experiência particular, já era usada pelos índios'', sustenta a brasileira Heloísa Griggs, assessora da Alliance.
Em uma chácara a 40 km de Brasília, a funcionária do Senado Liege Lemos de Sousa usa o chá do cipó para tratar índios atingidos por alcoolismo. Ela se define como uma pajé-branca. Costuma recomendar o chá como excelente desintoxicante.

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