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O grito de Belém

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: BUARQUE, Cristovam
05 de Dez de 2009

O grito de Belém

Cristovam Buarque

Nesta semana, das margens do Amazonas, no moderno centro de convenções de Belém, o mundo recebeu um grito de alerta entoado por representantes de 156 estados-membros da Unesco, entre eles 93 ministros da Educação. O cenário da floresta - cujo desmatamento simboliza uma das causas da grave crise ecológica - emoldurou o Grito de Belém, que trata do problema da educação e da alfabetização de adultos.

O Grito de Belém é o resultado da VI Confintea (Conferência Internacional de Educação de Adultos), convocada pela Unesco a cada 12 anos.

Desde 2003, o Brasil foi escolhido como sede da reunião, depois daquelas realizadas em Elsinore, Dinamarca, 1949; Montreal, Canadá, 1960; Tóquio, Japão, 1972; Paris, França, 1985; e o último em Hamburgo, Alemanha, 1997. É em Hamburgo que está a sede do Instituto da Unesco para Educação ao Longo da Vida, que organiza essas conferências. Como membro do Conselho desse Instituto há cinco anos, fiquei muito satisfeito com o início dos trabalhos da VI Confintea.

Também senti a força dos discursos de abertura que mostram o compromisso de tantas pessoas com a educação no mundo.

A nova diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, lembrou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos incluiu o direito de cada um à educação, e que - 60 anos depois - ainda necessitamos reafirmar esse direito.

Disse que "nenhum país subiu a ladeira do desenvolvimento humano sem fortes investimentos em educação". Concluiu o discurso citando Paulo Freire e dizendo: "Educação é condição para liberdade."
A princesa Laurentien, da Holanda, representante especial da Unesco para Alfabetização, falou sobre a necessidade de esforço mundial pela educação de todos os adultos - especialmente na alfabetização. E disse: "Se quisermos educar uma vila, eduquemos suas mulheres."
Alpha Konare, ex-presidente do Mali, concentrou sua fala na defesa do continente africano, onde o problema da falta de acesso à educação se mostra da forma mais drástica. Referiuse ao presidente Lula como "nosso patrimônio comum" e defendeu a ideia, nascida em 1998, em Brasília, de se fazer a troca da dívida por investimentos em educação.

O diretor do Instituto da Unesco para Educação ao Longo da Vida, Adama Ouane, propôs uma estratégia para que o mundo enfrente o problema do analfabetismo de adultos e ofereça educação continuada para todos.

No conjunto, os representantes de todos os países presentes defenderam a necessidade de um esforço mundial pela alfabetização e educação de adultos.

Esse Grito de Belém não receberá a divulgação do grito que esperamos que seja dado em Copenhague, na próxima semana, por uma redução nas emissões de CO2. Mas é a manifestação de pessoas comprometidas com a busca de um futuro a ser construído sobre dois pilares: educação de qualidade para todos e o equilíbrio ecológico para próximas gerações.

Ainda mais quando se sabe que a solução para o problema do meio ambiente está em uma revolução educacional para mudar a mentalidade viciada da civilização industrial, que mede o progresso pela produção industrial a qualquer custo - social ou ecológico.

A VI Confintea escolheu Belém por respeitar a importância da questão ambiental. Esperemos que a reunião de Copenhague abra um debate mundial sobre a educação de adultos e faça todos perceberem que ela só será solucionada quando as crianças forem educadas na idade certa.

Tenho defendido, e levarei a Copenhague, no encontro da União Internacional de Parlamentares, a ideia de que o mundo exige que cada político seja uma voz em defesa do mundo e não só dos interesses locais de onde exerce sua atividade política. É isso que me fez, nos últimos dias, falar sobre a imoralidade política no DF, mas sem deixar de usar esse espaço neste jornal para falar dos gritos de Belém e de Copenhague.

Esperamos que o Grito de Belém e o Grito de Copenhague se juntem em um Canto de Esperança para todo o mundo e todas as gerações do futuro, graças à educação de qualidade para todos e a um desenvolvimento sustentável para a civilização.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).

O Globo, 05/12/2009, Opinião, p. 7

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