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Autor: Vitor Taveira
09 de Jul de 2020
Kátia Penha (Conaq) e Paulo Tupinikim (Apoinme) reagem a vetos de Bolsonaro a medidas para comunidades tradicionais
"A cada dia o governo não nos reconhece. Ou finge que não nos vê. Ele sabe que tem comunidades quilombolas, mas finge não nos ver", diz Kátia Penha, do quilombo de Divino Espírito Santo, em São Mateus, e dirigente na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A frase se refere aos vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na sanção do Projeto de Lei (PL) 1142/2020, que prevê um plano emergencial para os povos e comunidades tradicionais diante da pandemia.
Entre os 16 itens vetados, estão o que previa que os direitos inicialmente propostos para comunidades indígenas fossem estendidos para as demais comunidades tradicionais, como os quilombolas, pomeranos e ciganos. Embora sancionado com importantes conquistas, os vetos presidenciais soaram como um resultado negativo mesmo para os povos indígenas, que se manifestaram duramente em carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que retrata o presidente da República como "execrável" e "abominável".
Entre os itens barrados por Bolsonaro estão os que previam acesso à água potável nas aldeias, distribuição gratuita de materiais de higiene e limpeza, oferta emergencial de leitos hospitalares e respiradores mecânicos, distribuição de materiais informativos sobre a Covid-19 e instalação de pontos de internet nas aldeias.
"Os vetos do presidente preocupam muito as lideranças indígenas, sobretudo nós que militamos diretamente no movimento indígena nacional. Porque a a ideia do PL é trazer uma proteção maior para a população indígena, já que hoje não existe uma política pública específica diante da pandemia", afirmou Paulo Tupinikim, da aldeia de Caieiras Velha, em Aracruz, que é coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), entidade de base da Apib.
"O número de óbitos entre populações indígenas nesse momento está crescendo e vai continuar, colocando em risco inclusive a situação de povos em isolamento voluntário, já que cada vez mais terras estão sendo invadidas por grileiros, garimpeiros e madeireiros, deixando os indígenas expostos", alerta Paulo sobre a importância de ações urgentes para reverter o quadro.
A carta da Apib tenta destrinchar o que está por trás dos vetos do governo alegando questões orçamentárias: "Bolsonaro assume publicamente com esses vetos a determinação de consumar o seu projeto genocida, de 'limpar a área', de expansão de ilícitos nos territórios, áreas protegidas não apenas constitucionalmente, mas pela aguerrida resistência dos povos originários e comunidades locais", aponta a entidade, que alerta contra as tentativas do governo para dividir o movimento indígena.
"A estratégia fascista é enterrar as especificidades étnicas e culturais, os modos de vida peculiares que estariam emperrando o projeto desenvolvimentista", complementa o documento, que lembra da responsabilidade constitucional de atender de forma diferenciada os povos tradicionais, respeitando sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.
Tanto a Apib como a Conaq se articulam juridicamente para garantir os direitos previstos. "Vamos entrar com medida cautelar no STF [Superior Tribunal Federal] e fazer denúncias internacionais, além de outros meios para que o presidente reconheça que nós temos direitos. Não está sendo fácil. A cada dia perdemos companheiros para a Covid sem nenhuma ação do Estado", lamenta Kátia Penha.
Além da falta de projetos do Governo Federal para atenção aos povos tradicionais, já que o PL veio por iniciativa do Congresso Nacional, a dirigente da Conaq critica que nenhum dos estados brasileiros, incluindo o Espírito Santo, tem implantado políticas que de fato protejam essas comunidades diante da pandemia. No caso dos quilombolas, um monitoramento nacional independente vem sendo feito pela Conaq com apoio de entidades parceiras e já registra ao menos 127 mortes nos territórios.
No mesmo dia da sanção da PL, nessa quarta-feira (8), o movimento indígena obteve uma conquista importante por meio do STF, que determinou por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 709), impetrado pela Apib junto a vários partidos progressistas, que o Governo Federal adote uma série de medidas para combate ao coronavírus entre a população indígena.
A decisão foi tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e prevê a criação de uma sala de situação pelo governo junto a entidades para gestão das ações nas aldeias, a implantação de barreiras sanitárias em terras indígenas, a elaboração de um plano de enfrentamento à Covid-19 para esses povos e de um plano para contenção de invasores às terras, além de prever o acesso de todos indígenas ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena de Saúde (SasiSUS), mesmo aos não-aldeados, no caso de falta de disponibilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) em geral.
Paulo Tupinikim indica que essa última medida é polêmica, pois muitas lideranças são contrárias, já que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o SasiSUS têm orçamentos limitados que já não atendem às necessidades dos indígenas aldeados. "Não que os indígenas que não vivem em aldeias não mereçam ter atendimento, pelo contrário, devem ter um atendimento diferenciado, mas no âmbito do SUS em geral", considerou o coordenador da Apoinme. De acordo com os dados do Censo de 2010, 9,5 mil pessoas se autodeclararam indígenas no Espírito Santo, mas apenas pouco mais de 30% viviam em aldeias, por isso a preocupação de que a medida possa sufocar ainda mais o SasiSUS.
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