VOLTAR

O governador no olho do furacao

Veja, p.98-100
29 de Set de 2004

Especial
O governador no olho do furacão
Em Mato Grosso, Blairo Maggi administra o dínamo do agronegócio com mão de empresário e na mira dos ecologistas
O maior plantador individual de soja do mundo, Blairo Maggi, provocou um terremoto de vários pontos na escala política de Mato Grosso quando foi eleito governador nas últimas eleições. Era a primeira vez que um dos sulistas que começaram a chegar ao Centro-Oeste na década de 70 substituía nomes tradicionais da política local. Mato Grosso é o epicentro da atual revolução do agronegócio. O Estado é o primeiro na produção de soja, algodão e carne bovina e o segundo maior em arroz. Cresce a taxas de tigre asiático, cerca de 8% ao ano, mas corre o perigo de ter de diminuir o ritmo por causa do atoleiro da infra-estrutura, uma das mais deficientes do país. Passados 21 meses desde a posse, Maggi conseguiu desintoxicar algumas áreas da burocracia dando-lhes a agilidade da iniciativa privada justamente para atacar o problema da infra-estrutura. Como está na maior região de fronteira agrícola do Brasil, todos os seus passos são vigiados pelos ecologistas. Em janeiro do ano passado, as rodovias estaduais asfaltadas totalizavam apenas 1.950 quilômetros. Desde então, o governo asfaltou, em média, 1,6 quilômetro por dia. Em um ano e nove meses, a extensão das rodovias estaduais asfaltadas em Mato Grosso aumentou em 50%. O salto foi possível com a criação de uma versão "caipira" das parcerias público-privadas, o projeto do governo federal que espera a aprovação do Congresso. Em Mato Grosso, parte dos investimentos feitos em estradas saiu do bolso de investidores, na maioria produtores agrícolas. São eles que montam as associações que ficam com a responsabilidade de administrar as obras. O Estado é responsável pelos projetos, pelas licenças, pela capa asfáltica e pela sinalização. A terraplenagem e a drenagem ficam por conta das associações. Os produtores recebem um bônus para ser utilizado nos pedágios no fim da obra. O índice de adesão tem sido alto. Até setembro, as associações investiram 76 milhões de reais. E conseguiram reduzir drasticamente os custos das obras com mudanças no projeto e o uso mais racional do dinheiro. A média de quilômetro asfaltado está entre 215 000 e 255.000 reais. Alguns anos atrás, chegou a custar 600 000 reais.
O governo teve outra experiência positiva de gestão na área de compras. Em dezembro de 2002, menos de 500 empresas estavam inscritas para vender ao governo estadual. Hoje são 1 400. A maior parte das compras – que vão de produtos de limpeza a carros – é feita com pregões. Os preços caíram e a eficiência do gasto aumentou. "Acho que essa iniciativa foi positiva", reconhece a senadora petista por Mato Grosso, Serys Slhessarenko, uma das maiores críticas do governador.
O grande desafio de Maggi no governo está na área ambiental. A notícia de que um dos maiores produtores de grãos do Brasil se encontra no comando do Estado que mais desmata para abrir espaço à fronteira agrícola já chamou a atenção da opinião pública internacional. Dentro do governo, o discurso sobre a questão da ecologia é desarmônico. O governador garante que sua meta é defender o cumprimento da lei, que prevê a preservação de 80% das propriedades em áreas de floresta e 35% em regiões de cerrado. Já Luiz Antonio Pagot, o secretário de Infra-Estrutura, um dos que saíram do grupo André Maggi para acompanhar o governador, é um entusiasta do livro Máfia Verde – O Ambientalismo a Serviço do Governo Mundial, que sustenta a tese da existência de um grande complô internacional para impedir o desenvolvimento.
Desde janeiro de 2003, o governo autuou os proprietários de 420.000 hectares que já foram desmatados ilegalmente. A meta é punir até o fim deste ano todos os fazendeiros com propriedades com mais de 300 hectares e que tenham desmatado acima do limite em 2003. Mato Grosso tem o monitoramento por satélite mais eficiente do Brasil, mas o problema é que o Estado chega depois que as árvores já estão no chão. A Fundação Estadual do Meio Ambiente conta com apenas treze fiscais para cobrir um território equivalente a uma vez e meia o tamanho da França. "Com essa estrutura, o Estado não consegue se antecipar à destruição da floresta nativa", diz Claudia Azevedo Ramos, coordenadora de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A ala moderada dos ambientalistas argumenta que o governador ajudaria muito se disponibilizasse imagens atualizadas dos satélites na internet. A medida daria transparência ao trabalho de preservação e aumentaria a pressão contra os desmatadores.
Quando Maggi anunciou que largaria a presidência do grupo fundado pelo pai para se lançar na política, causou certa surpresa. A decisão havia sido tomada duas décadas atrás, mais exatamente no dia em que pisou em Mato Grosso, em 1981, depois de acabar a faculdade de agronomia, em Curitiba. Maggi chegou ao Centro-Oeste acompanhando o sonho do pai, André, um gaúcho que se mudou para o oeste do Paraná na década de 50, prosperou na agricultura e decidiu investir no Cerrado no fim dos anos 70. A aposta acabou dando muito certo. Em 1980, os negócios da família Maggi tinham um faturamento de 1 milhão de dólares. Nos cinco anos seguintes, cresceu dez vezes. Em meados dos anos 90, já estava na casa dos 100 milhões de dólares e, nos últimos oito anos, aumentou mais 500%.
"O Blairo é focado em seus objetivos", diz Terezinha Maggi, mulher do governador e também secretária estadual do Trabalho. "No primeiro dia em que nos conhecemos, na casa de uma amiga em Curitiba, ele já me pediu para casar com ele e mudar para Mato Grosso", lembra. No governo, Maggi manteve alguns dos hábitos do dia-a-dia na iniciativa privada. Assim como sempre aconteceu no Grupo André Maggi, o governador inicia a jornada de trabalho às 7 da manhã tomando chimarrão em sua sala com os auxiliares mais diretos. A experiência como empresário ajuda na definição de metas e no gerenciamento dos custos. "Tenho calo na barriga de tanto negociar no balcão", diz Maggi, para quem a avalanche de audiências a cada dia é a maior diferença entre a vida pública e a empresarial. Poder de negociação talvez seja a característica mais importante de seu mandato.
O governador, como acionista do Grupo André Maggi, está sentindo na pele o perigo que o agronegócio corre no Centro-Oeste por causa da questão ambiental. Um grupo de ONGs vem tentando convencer o Banco Mundial a não financiar a expansão do grupo no leste de Mato Grosso. No fim de setembro, o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, disse que estava preocupado com a introdução da soja na Amazônia. A pavimentação de parte da rodovia federal BR-163 entre Cuiabá e Santarém, no Pará, prevista para começar no ano que vem, promete ser um marco. A rodovia tem potencial para ser um dos principais trajetos usados no escoamento da soja produzida na região Centro-Oeste, mas o asfaltamento enfrenta a resistência de grupos ecológicos que prevêem o aumento do desmatamento na Amazônia com a conclusão da obra. Uma ocupação planejada poderá ser o exemplo para novos investimentos. Um desastre ecológico aumentaria a desconfiança da opinião pública.
Tecnologia a serviço do desbravamento
A marcha para o oeste nos Estados Unidos no século XIX só se tornou realidade depois da popularização do arado de aço por volta de 1830. Antes disso, as pradarias do Meio Oeste americano eram consideradas improdutivas. A partir do momento em que o solo duro pôde ser arado, a região se tornou uma das mais produtivas do mundo, condição que só recentemente foi ameaçada por outros países – entre eles o Brasil. A conquista das pradarias trouxe as ferrovias e, em torno delas, cidades surgiram da noite para o dia.
No Brasil, o desbravamento do Centro-Oeste, no século XX, também foi resultado da tecnologia. Os primeiros agricultores do cerrado perderam quase todo o investimento porque suas sementes não vingavam no solo da região. Johanna Döbereiner, que nasceu no que então era a Checoslováquia e chegou ao Brasil no início dos anos 50, descobriu que bactérias poderiam ser utilizadas para diminuir a necessidade de gastos com adubos químicos. A descoberta permitiu a expansão de culturas subtropicais em direção ao Equador. O trabalho de centros de excelência como a Embrapa manteve o país na vanguarda da pesquisa.
Os pioneiros das principais zonas rurais dos EUA e do Brasil também dividem características culturais. No clássico Bandeirantes e Pioneiros - Paralelo entre Duas Culturas, publicado em 1954, o brasileiro Vianna Moog ressalta as semelhanças entre os núcleos coloniais açoriano, alemão e italiano do Rio Grande do Sul e dos pioneiros americanos: "A analogia é quase perfeita: o sistema de emigração em casais e comunidades, a formação de aldeias, vilas e cidades com um sentido de cooperação e assistência recíproca". Foi justamente do Sul que décadas mais tarde sairiam os agricultores brasileiros que ajudariam a transformar o Centro-Oeste em uma zona de prosperidade. O caminho começou a ser aberto nos anos 40 por Orlando, Leonardo e Cláudio Villas-Boas, os líderes da expedição Roncador-Xingu. Durante a marcha pelo Brasil central, os três temeram pelo futuro da agricultura na região. Tinha formigueiros demais.

Veja, 29/09/2004, p.98-100

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.